Contaminado por controvérsias entre seus sócios e pelo predomínio dos interesses individuais, o Mercosul mostra-se estagnado há mais de um ano. Parte da agenda que deveria dar substância ao caráter de união aduaneira do bloco foi abortada no final de 2008 e, com alguma sorte, poderá ser retomada em 2010, quando Argentina e Brasil conduzirão o bloco. Esse quadro será inevitavelmente escancarado amanhã, em Montevidéu, quando os presidentes dos quatro países se reunirem na 38ª Cúpula do Mercosul.
Do lado brasileiro há certa resignação em relação à pauta modesta do Mercosul em 2009. “Nada do que venha a ser acertado em Montevidéu será digno de nota”, afirmou ao Estado uma autoridade do governo brasileiro que acompanha as decisões do bloco. Por si, essa estagnação indica a redução da prioridade ao Mercosul na política externa de seus sócios que, contraditoriamente, ainda almejam a inclusão da Venezuela ? tópico que ainda está dependente da decisão do Senado brasileiro e do Congresso paraguaio.
Em dezembro de 2008, quando o Brasil presidiu o bloco, foi alcançado, em nível técnico, um acordo sobre a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum (TEC) e outro que definia um código aduaneiro único para o Mercosul. Na ocasião, também foi fechado o critério proporcional de representação dos quatro países no Parlamento do Mercosul. Todas essas iniciativas acabaram por terra com a recusa do Paraguai em firmá-las. Assunção ainda insistia na criação de um Tribunal de Justiça.
RECUO
Castigados pela crise global de forma mais intensa que o Brasil, os três sócios recuaram em várias discussões. A Argentina optou pelo protecionismo. A iniciativa foi rebatida com medidas semelhantes aplicadas pelo Brasil para restringir o ingresso de produtos argentinos. Na tentativa mais recente de contornar esse imbróglio, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Cristina Kirchner, da Argentina, concordaram em avisar o país vizinho antes da adoção de novas medidas. Na semana seguinte, Buenos Aires incluiu os brinquedos brasileiros na lista, sem alerta prévio.
A guerra no Prata, em torno da instalação de uma fábrica de celulose no Uruguai, arrasta-se há três anos, acabou nas barras da Corte Internacional de Justiça, em Haia, e continua a respingar nas decisões do bloco. A controvérsia levou a Argentina a boicotar o financiamento do Fundo Estrutural de Convergência do Mercosul (Focem) ao projeto de conexão elétrica entre San Carlos, no Uruguai, e Candiota, no Brasil.
A reunião de cúpula será marcada ainda pela discussão sobre o que fazer com o cargo de presidente da Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul ? hoje ocupado pelo argentino Carlos “Chacho” Álvarez e que foi criado em 2003 para acomodar outro político do mesmo país, o ex-presidente Eduardo Duhalde. Como o mandato de Chacho termina em dezembro, o Brasil propõe que o cargo seja extinto e que a comissão seja liderada pelo país que ocupa, a cada semestre, a presidência temporária do Mercosul. A ideia, entretanto, gera mais uma controvérsia no bloco.