Depois de fazer ajustes nos pacotes de energia elétrica e de rodovias, lançados no ano passado, para atender demandas do setor privado, o governo vai rever o plano para os portos, para reduzir riscos legais e atrair investidores. Lançado em dezembro, o pacote prevê R$ 54,2 bilhões em investimentos, sendo a maior parte do setor privado. O governo quer fazer os ajustes durante as discussões do texto da medida provisória (MP) 595, que gerou as reformas para o setor e ainda tramita no Congresso. Entre os defeitos do texto original que o governo já sabe que terá de corrigir está a redação do artigo 9º, que trata das regras da chamada pública para instalação de novos portos e da participação da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) nesse processo, considerada excessiva pelo setor privado.
— Melhorias no texto são possíveis, mas a meta do governo é preservar a essência do que foi proposto, em termos de levar mais eficiência e competitividade aos portos brasileiros — disse ao GLOBO o ministro Leônidas Cristino, da Secretaria Especial dos Portos.
Essa essência do projeto passa pela escolha dos arrendatários de terminais a partir de uma combinação entre maior eficiência e menores tarifas para o usuário, além da possibilidade de criação de novos portos pela iniciativa privada, sem necessidade de que seu empreendedor tenha carga própria para movimentar.
Ameaça de ir à Justiça
Medidas como essas levaram a uma certa insatisfação por parte de empresas que já atuam no setor, que ameaçam recorrer à Justiça. Também desagradou trabalhadores, alguns em estado de greve. Há, ainda, divergências sobre o tema entre os vários órgãos envolvidos dentro do governo.
Entre as reclamações dos empresários estão o excesso de poder que a MP dá à Antaq, a centralização das autoridades portuárias, a mudança no critério principal das licitações para as outorgas (tarifa e volume de carga) e o fim da obrigatoriedade dos portos privados de contratar funcionários cadastrados nos órgãos gestores de mão de obra (OGMOs). A própria presidente Dilma Rousseff ouviu de empresários, recebidos por ela nas últimas semanas, críticas diretas à MP dos portos.
Segundo fontes do governo, há uma grande preocupação com uma eventual paralisação dos portuários neste momento de balança comercial enfraquecida. O governo, no entanto, não está disposto a ceder nos pontos que entende que levarão a uma concorrência maior no setor, proporcionando mais eficiência e elevando-se a capacidade de carga dos terminais brasileiros em geral.
No entendimento do governo, parte dos lobbies se deve a setores que veem risco para seus mercados com uma abertura maior do setor à iniciativa privada. Entre eles estão estivadores que temem a transferência de carga para outros terminais. Avalia-se, em Brasília, que trabalhadores dos portos do Rio e de São Paulo estariam liderando o movimento de greve por causa desses temores, principalmente porque o texto da MP não traz novidade significativa na gestão dos OGMOs.
No próximo dia 20, será instalada no Congresso uma comissão para examinar o texto e já existe disputa entre os partidos pela relatoria. O PSB defende o nome do senador Antonio Carlos Valadares, e o PMDB quer que a relatoria seja do líder do governo no Senado, Eduardo Braga, ambos de Sergipe. Os representantes dos Sindicatos dos Portos, que foram recebidos ontem pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), querem Valadares (PSB-SE) como relator da MP. Caso contrário, ameaçam iniciar uma greve logo após o carnaval.
— Se a presidente Dilma quer matar os trabalhadores e quebrar os portos brasileiros, entregando-os à iniciativa privada, ela tem que fazer isso de uma vez e publicamente — disse o deputado Paulinho da Força (PDT-SP), que participou da manifestação do sindicato ontem.
‘Dilma não ouviu trabalhadores’
Um dos parlamentares que mais apresentou emendas à MP foi o deputado Márcio França (PSB-SP), que tem grande força política nos arredores do Porto de Santos. Em sua opinião, a presidente Dilma foi induzida ao erro pelas grandes empreiteiras na composição do texto, e há risco de grandes armadores virem para o Brasil, oferecem tarifas artificialmente reduzidas para quebrar a concorrência e, depois, criar um oligopólio.
— No mundo inteiro, os trabalhadores portuários são contratados por meio de um órgão gestor, à exceção do Reino Unido. O problema é que a presidente Dilma não ouviu trabalhadores, confederações e empresários que investiram no setor — disse o deputado Márcio França.
Os ajustes feitos pelo governo em marcos regulatórios de infraestrutura lançados no fim do ano passado têm como meta principal a aceleração dos investimentos neles previstos. Há uma interpretação corrente nos gabinetes de Brasília de que o crescimento da economia só voltará a deslanchar de maneira sustentável quando esses investimentos começarem a se tornar realidade.
Na terça-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou medidas para tornar mais interessantes para os potenciais investidores as duas primeiras concessões de rodovias a ir a leilão este ano. Ainda em 2013, o governo quer fazer uma série de leilões de concessão de aeroportos, blocos de exploração de petróleo, linhas de transmissão de energia, usinas geradoras de eletricidade, além de rodovias e do trem-bala