Articulado como socorro às finanças públicas, o saque de R$ 4,5 bilhões feito no início do ano pelo governo Tarso Genro nos depósitos judiciais está sob um cerco.
Uma liminar proibiu o Piratini de buscar mais recursos nessa fonte. Iniciativas em andamento alegam que a operação é inconstitucional e pedem que o Estado faça a devolução imediata dos valores.
À frente da reação ao ato do Piratini está a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS). A seção gaúcha da entidade enviará nesta terça-feira ao conselho federal da OAB — instância competente para adotar a medida — um pedido de ingresso de ação direta de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF).
— A lei estadual que permite os saques é flagrantemente inconstitucional. Temos convicção de que não é permitido ao Estado evocar como fonte de custeio uma receita que não lhe pertence, como os depósitos judiciais — diz o presidente da entidade, Marcelo Bertoluci.
Outro revés palaciano ocorreu na última quarta-feira, quando o juiz Martin Schulze, da 3ª Vara da Fazenda Pública, impediu liminarmente o Estado de fazer novos saques. O magistrado atendeu pedido incluso em ação popular movida por Antônio Augusto D’Ávila, economista e militante do PSDB.
Foi aberto um prazo de 10 dias para que o governo preste contas sobre o destino dos recursos. É nesse ponto que reside um dos argumentos de D’Ávila.
A legislação estadual, diz ele, seria inconstitucional por permitir o uso irrestrito das verbas sacadas. Já a lei federal, que costuma ser balizadora para as unidades inferiores da federação, estabelece fins específicos, como o pagamento de precatórios ou da dívida pública. Ao elaborar a operação, o Piratini reconheceu que os R$ 4,5 bilhões deveriam custear despesas correntes.
— A ação pede que, a partir da prestação de contas do governo, sejam tomadas as medidas cabíveis, como a devolução dos valores ou aplicação adequada — explica Ana Clara Alves, advogada de D’Ávila.
Eles ainda argumentam que o Estado somente poderia ter concretizado a operação de crédito ao obter autorizações da Secretaria Nacional do Tesouro e do Senado, como ocorre na aquisição de empréstimos junto a bancos internacionais.
A liminar, no entanto, não bloqueia os valores já transferidos da conta dos depósitos judiciais para o caixa único. Na prática, o Piratini está impedido de fazer mais operações. O secretário da Fazenda, Odir Tonollier, afirmou, por meio da sua assessoria, que o Estado “irá recorrer nos próximos dias para derrubar a liminar” que veda novos saques.
O que está em discussão
— Amparado na Lei 12.069/2004, o governo Tarso realocou recursos da conta dos depósitos judiciais para o caixa único. Foram R$ 300 milhões em fevereiro e mais R$ 4,2 bilhões em abril de 2013.
— Os depósitos judiciais têm origem em processos. Em determinados casos, o juiz determina que as partes litigantes depositem os valores discutidos em uma conta até que saia uma sentença.
— A lei estadual que autoriza o uso dos depósitos costuma ser um socorro financeiro para governos diante da dificuldade para pagar as contas.
— A lei federal que disciplina o uso dos depósitos autoriza somente o saque de 70% dos depósitos de natureza tributária (cobrança de impostos) — a legislação gaúcha não faz essa limitação. Pela regra federal, os valores sacados poderiam ser utilizados para pagar precatórios e dívidas do Estado.
— Os críticos da lei estadual dizem que ela é inconstitucional porque supostamente extrapolou os limites da norma federal. O texto não respeitaria as restrições de aplicação do dinheiro e permitiria a apropriação de depósitos de qualquer natureza, como os envolvidos em processos de dívidas bancárias e pensões alimentícias.