O Tribunal de Contas da União (TCU) inaugurou uma nova metodologia de apuração e aplicação de débito em suas fiscalizações. Trata-se do uso da equidade, especialmente em casos de grande vulto, como parâmetro para definição dos montantes a serem indenizados por cada um dos responsáveis em uma determinada condenação.
No caso avaliado (objeto do Acórdão nº 1.835/2024), a condenação solidária envolvia as pessoas jurídicas que atuaram na execução do contrato e pessoas físicas para as quais foram atribuídos diferentes níveis de participação nos fatos apurados, além de ex-gestores de uma determinada empresa pública. Cuida-se de um cenário bastante comum nos polos passivos de fiscalizações realizadas pelo TCU, envolvendo responsáveis pessoas físicas e jurídicas com diferentes participações e capacidade financeira — ambos aspectos centrais desse precedente.
A discussão do caso se baseou numa primeira análise havida em março de 2023, quando o processo foi pautado pela primeira vez, em que se debateu a possibilidade de aplicação, aos casos apreciados pelo TCU, da disposição contida no parágrafo único do artigo 944, do Código Civil, segundo a qual “se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização”. Naquela oportunidade, entendeu-se pertinente a constituição de um grupo de trabalho que avaliasse a possibilidade de aplicação dessa regra às pessoas físicas, na medida em que teriam capacidade de pagamento reduzida frente às pessoas jurídicas, merecendo tratamento diverso em determinadas situações.
Os resultados desse grupo de trabalho foram expostos no Acórdão nº 1.370/2023, tendo como uma de suas conclusões a possibilidade de redução equitativa do débito, com foco específico ao nível de gravidade ou culpabilidade da conduta, mas sem um aprofundamento dedicado à desproporcionalidade dessa culpa frente ao dano, como alude o dispositivo do diploma civilista.
Revisitando essa discussão, o ministro Benjamin Zymler, relator de ambos os processos — o precedente do grupo de trabalho e o caso objeto do Acórdão nº 1.835/2024 —, entendeu pertinente trazer ao debate esse viés da proporcionalidade, especialmente para os casos em que a condenação em débito é milionária, quando não bilionária, dado o sentimento de injustiça ocasionado pelas condenações dessa monta àqueles de menor capacidade ou mesmo participação nas condutas apuradas.
Uma premissa bastante interessante do raciocínio do relator diz respeito ao fato de que a aplicação dessa nova metodologia não promoveria a redução do débito, que permaneceria passível de apuração e cobrança integral, inclusive recebendo o influxo das regras civilistas da solidariedade. A ideia, em verdade, seria que a cobrança se dirigisse, proporcionalmente, a quem detivesse maior capacidade de quitação do débito, evitando a natural desproporção de valores relativamente a pessoas físicas e jurídicas, o que, inclusive, coaduna-se ao dever consequencialista proposto pela atual redação da Lindb.
Argumentou ainda o relator que a aplicação equitativa do débito não compromete a noção geral de solidariedade, considerando que a Lei Orgânica do TCU confere ao tribunal a prerrogativa de fixar a solidariedade entre os responsáveis em caso de condenação em débito, o que inclui a possibilidade de estabelecê-la em adequação às peculiaridades do caso concreto.
Estabeleceu-se, além disso, que a proporcionalidade se relacionaria apenas ao ressarcimento do débito. Para as sanções de natureza pecuniária, permanece a regra da aferição de culpabilidade, embora, na prática, a maioria dos acórdãos do TCU não tenha um critério muito claro para a imputação da multa prevista no artigo 57 de sua Lei Orgânica.
Especificamente quanto à fixação da metodologia para a busca da equidade na proporção entre a gravidade da culpa e o dano causado, tal como menciona o artigo 944, parágrafo único, CC, algumas técnicas foram avaliadas e, a despeito de ter sido eleita uma forma de cálculo para o caso analisado, situações diversas podem demandar novos métodos de análise, na medida em que o precedente trata, sobretudo, da possibilidade de abertura do julgamento por equidade, que, por sua vez, se atrela à justiça do caso concreto. Logo, em nossa visão, o precedente inaugura algumas premissas gerais, mas não as esgota.
A primeira dessas técnicas seria a de considerar dados macros a respeito da capacidade financeira das empresas em comparação com as pessoas naturais, estimando-se o faturamento médio das empresas do setor e a renda per capita mensal do 1% mais rico da população brasileira, a fim de avaliar, em quantidade de vezes, quão maior seria a capacidade financeira das pessoas jurídicas frente a capacidade das pessoas físicas e, a partir daí, se extrair um número proporcional à condenação. Outra forma possível seria considerar o benefício indevido obtido pela pessoa jurídica, ao invés de seu faturamento, fazendo-se a mesma comparação com a renda das pessoas físicas.
Com relação aos responsáveis que detivessem algum tipo de colaboração ou leniência, para os quais o TCU comumente confere um tratamento processual diferenciado, entendeu-se pertinente fixar que a sua solidariedade se limitaria pelo seu quinhão no débito, sempre considerando que esse valor seja superior ao auferido com o ilícito. Portanto, o quinhão de cada responsável colaborador seria calculado a partir do número de responsáveis solidários, desde que se mantivesse em valores razoáveis ao que a ele se atribuiu como benefício indevido auferido.
Assim, de modo geral, pode-se afirmar que a metodologia de imposição equitativa do débito sugerida pelo TCU, independentemente da técnica adotada em cada caso, será baseada na identificação da proporcionalidade do débito, avaliando-se a proporção entre culpa e dano; na aferição da capacidade de pagamento do responsável, considerando a premissa de que a recuperação do débito geralmente não fica a cargo das pessoas físicas; na aplicação da medida de equidade atribuída de acordo com a situação avaliada; e, como conclusão, na limitação da solidariedade, mas sem redução do débito.
A proposta de acórdão sugerida pelo ministro relator foi acolhida pela maioria do Plenário do TCU, com voto vencido do ministro Walton Alencar. No acórdão, há três indicativos relevantes para casos futuros — considerando que a aplicação do precedente já se iniciou nas sessões seguintes, mesmo sem a divulgação da íntegra do acórdão. O primeiro será o levantamento de dados relacionados às imputações de débito e multa pelo TCU, de modo a apresentar os resultados com periodicidade semestral à Presidência; o segundo será a avaliação de possíveis impactos sobre os processos já julgados; e o terceiro será o estudo quanto à possibilidade de se fixar como competência do Plenário o reconhecimento da desproporção entre a gravidade da culpa e o dano ao erário acarretado.
Fonte: Conjur