A ruptura do presidente da Câmara, Eduardo Cunha, com o governo começou ontem a ter as consequências previsíveis. Ao aprovar novas regras salariais para várias carreiras do Judiciário, a Câmara desferiu o primeiro de uma série de tiros preparados contra o governo, na série de projetos que vem sendo chamada de “pauta-bomba”. É possível discutir o mérito de cada um deles individualmente. No conjunto, eles têm dois efeitos, um político e outro econômico.
Politicamente, o objetivo de Cunha é enfraquecer o governo e conduzir a presidente Dilma Rousseff a uma situação insustentável que culmine no impeachment. Muita gente ficou animada ontem com o afastamento de dois partidos da base parlamentar do governo, PDT e PTB. A votação na Câmara é pior até que o sentimento da sociedade diante da presidente DIlma. Foram 445 votos a favor, 16 contra e 6 abstenções (aproximadamente 95% versus 5%, levando em conta só os presentes, como na foto). De acordo com a pesquisa Datafolha divulgada hoje, Dilma tem 8% de aprovação na população. É o pior índice da série histórica apurada pelo instituto, superando até a impopularidade de Fernando Collor às vésperas do impeachment.
Antes da derrota, o governo esboçara uma tentativa de reconciliação com os parlamentares. Tanto o ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, quanto o vice-presidente e articulador político, Michel Temer, fizeram gestos para tentar acalmar o quadro. Nenhum deles teve o resultado esperado. Cunha demonstrou ontem que sua força na Câmara permanece intocada, apesar de ele ser alvo de acusações na Operação Lava Jato.
Ao longo do primeiro semestre, a força de Cunha levou à discussão e à votação de vários projetos de interesse do país. Entraram na pauta novas regras para a terceirização, a regulamentação da emenda que ampliou os direitos das empregadas domésticas, o contingenciamento do orçamento, mudanças no fator previdenciário, novas regras para aposentadorias e pensões e alguns itens da reforma política. Pode-se concordar ou discordar do resultado das votações. Mas não há o que debater quanto a seu conteúdo. São temas fundamentais.
Agora, porém, a agenda de Cunha é outra. Não parece haver preocupação alguma com o efeito dos projetos aprovados na nossa dramática situacão econômica. Só a votação de ontem terá um impacto negativo de R$ 2,5 bilhões nas contas públicas. A remuneração no Judiciário brasileiro é uma das mais escandalosas no funcionalismo público, como revelou uma reportagem publicada há dois meses na revista Época . Usar salários de promotores e juízes como base para as demais carreiras significa sacramentar uma casta de privilegiados que viverá à custa dos nossos impostos, num momento em que tudo o que o país precisa é cortar gastos públicos.
O agravamento da situação política no Congresso Nacional permite prever novas derrotas para o governo. Vêm aí votações sobre a correção do FGTS, o fim do fator previdenciário e a derrubada do veto ao reajuste das aposentadorias pelo salário mínimo. Estamos falando de uma conta que facilmente poderá atingir dezenas de bilhões, num momento em que o governo conta centavos para cumprir sua meta de superávit, já reajustada para baixo, hoje em míseros R$ 8,7 bilhões.
O afã de infligir derrotas ao governo não pode se transformar em desvario irresponsável. O dever do Congresso Nacional, num momento grave como este, é dar andamento aos grandes projetos que podem recolocar nossa economia nos trilhos. Cadê a reforma trabalhista, e o fim da CLT? Por que, em vez de acabar com o fator previdenciário, não se faz uma reforma na previdência baseada em contas individuais, capazes de eliminar o descompasso entre o que se arrecada e o que se paga em pensões e aposentadorias? Que tal acabar com nosso caos tributário e com a burocracia que inferniza qualquer um que queira trabalhar e produzir no Brasil? Essa sim seria uma verdadeira “pauta-bomba”. Mudaria a percepção do mercado e contribuiria para resgatar nossa economia combalida. É absurdo que o objetivo de Cunha seja agora uma pauta apenas para ajudar a derrubar Dilma. Ele faria bem em lembrar que, mesmo que ela caia, alguém terá de governar o país depois.