O forte impacto das desonerações e do baixo crescimento da economia na arrecadação de impostos, de um lado; e o aumento dos gastos, de outro, estão tornando o governo cada vez mais dependente de dividendos pagos por estatais para fechar suas contas. De 2007 a 2012, o montante dessas receitas quadruplicou, subindo de R$ 6,9 bilhões, ou 0,26% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos) para nada menos que R$ 28 bilhões (0,64% do PIB). Com isso, a participação dos dividendos no superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) do governo central (que reúne Tesouro Nacional, Previdência Social e Banco Central) saltou de 11,74% para 32,54% no período.
A estratégia da equipe econômica tem sido retirar o máximo possível das estatais, especialmente do BNDES. De 2007 a 2012, o banco elevou seu pagamento de dividendos de R$ 923,6 milhões para R$ 12,9 bilhões. O problema é que, quando quase todo o lucro de um banco público é convertido em receitas primárias, existe o risco de faltar dinheiro para outras áreas, como, por exemplo, um futuro aumento de capital.
No caso do BNDES, o Tesouro vem contornando o problema por meio de sucessivas capitalizações da instituição. De 2009 até agora, foram colocados no banco R$ 295 bilhões. No entanto, especialistas ouvidos pelo GLOBO afirmam que essa forma de conduzir a política fiscal é arriscada. Ao emitir títulos para fazer aportes em bancos públicos em troca de mais dividendos na outa ponta, o governo pressiona a dívida bruta, um dos indicadores mais observados pelo mercado na hora de avaliar um país. A dívida brasileira está próxima de 60% do PIB, um patamar bem acima de outros emergentes.
A prática comum nos estatutos sociais de empresas, inclusive estatais como o BNDES, é destinar um mínimo de 25% do lucro líquido ajustado ao pagamento de dividendos a cada ano. No entanto, os acionistas podem decidir que o percentual será maior. É exatamente isso o que vem ocorrendo com as estatais.
Levantamento feito a pedido do GLOBO pela Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados mostra o impacto do pagamento de dividendos da Caixa e do BNDES no superávit pelo critério atual e como seria se essas instituições tivessem adotado o critério do valor mínimo.
BNDES desembolsou R$ 12,9 bi
No caso do BNDES, por exemplo, o lucro líquido registrado em 2012 somou R$ 8,1 bilhões. Considerando o critério de 25%, os dividendos do exercício ficariam em R$ 2,045 bilhões. No entanto, já foram desembolsados R$ 12,9 bilhões. Os técnicos responsáveis pelo trabalho explicam que os dividendos ficaram acima do lucro registrado no exercício, porque o valor pago também inclui lucros de exercícios anteriores que estavam nas reservas do banco e só foram pagos no ano passado. O objetivo é sempre engordar o caixa do governo.
Eles ressaltam que essa é uma prova de que o governo está tirando tudo o que pode dos bancos para obter receitas primárias (para pagamento de juros da dívida). No caso da Caixa Econômica Federal, os dividendos do ano passado também ficaram acima do lucro, que foi de R$ 6,4 bilhões. O pagamento mínimo seria de R$ 1,6 bilhão, mas chegou a R$ 7,7 bilhões.
O ex-presidente do BNDES José Pio Borges afirma que é a favor de o banco pagar o maior volume possível de dividendos à União, desde que isso não obrigue o Tesouro a capitalizar a instituição em outra ponta.
— Se o BNDES pudesse pagar tudo o que foi pago nos últimos anos, ele não precisaria de recursos do Tesouro (para aumentar seu capital) — afirma Pio Borges.
Ele destaca que a atual estratégia cria receitas fictícias e alerta que essa prática prejudica a imagem do Brasil:
— Todo mundo vê o que está acontecendo.
Ajuda à Eletrobras foi compensada
Outro problema, segundo o ex-presidente do banco, está no fato de o BNDES estar fazendo operações delicadas, como ocorreu há duas semanas, quando foi concedido um financiamento de R$ 2,5 bilhões à Eletrobras para capital de giro, tendo a União como garantidora. A empresa foi fortemente afetada pelas novas regras para concessões do setor e pela determinação do governo Dilma Rousseff de reduzir as tarifas de energia ao consumidor entre 18% e 32%.
— O governo tira a rentabilidade da Eletrobras de um lado e o BNDES entra do outro para financiar o capital de giro? Isso é recriar os esqueletos lá dos anos 80 que foram tão difíceis de enterrar — disse Pio Borges.
Para o economista Felipe Salto, da consultoria Tendências, há uma clara correlação entre o aumento dos créditos do Tesouro junto ao BNDES e a aceleração do fluxo de dividendos pagos à União. Ele destaca que esse movimento mostra uma política fiscal expansionista que estaria sendo disfarçada com manobras, o que coloca em risco a credibilidade do país.
A preocupação em garantir que as receitas de dividendos continuem irrigando os cofres públicos fez o governo editar, no fim do mês passado, um decreto alterando o estatuto social do BNDES para que o banco não tenha mais que compor reservas antes de repassar lucros à União. A medida foi apontada pelos analistas como mais uma das manobras fiscais que o governo vem fazendo para atingir o superávit primário de 2,3% do PIB prometido pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, para 2013.
Segundo o Tesouro, o decreto não altera a previsão para o pagamento de dividendos deste ano, de R$ 24 bilhões. No entanto, os analistas afirmam que isso só está ocorrendo porque a equipe econômica do governo retirou quase toda a reserva do banco e precisa garantir que o lucro de agora em diante possa ser convertido em dividendos em momentos de urgência.
— Não importa se o governo anuncia um superávit primário de 2,3% do PIB ou de zero por cento do PIB, já sabemos que qualquer número oficial terá de passar por “pente fino” antes de ser analisado — alerta Salto.