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28 de agosto de 2025A reforma tributária brasileira trouxe consigo a promessa de simplificação. Ao propor a unificação de tributos federais, estaduais e municipais por meio de um único Imposto sobre Valor Agregado (IVA), esperava-se uma estrutura mais enxuta e funcional. No entanto, a escolha por um formato de IVA dual — composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) — acabou trazendo novos desafios. Entre eles, destacam-se a fragmentação de competências e seus reflexos no campo judicial, o que levanta dúvidas relevantes e ainda pouco enfrentadas.
Um dos pontos mais sensíveis é a delegação de competências entre os entes federativos. De um lado, a estrutura do IVA dual permite que cada ente fiscalize e realize lançamentos relativos à sua parcela do tributo. Uma única operação pode render três autuações: uma da União, outra do estado e mais uma do município. De outro lado, a delegação de competência surge como uma medida de integração administrativa. Porém, sem regras claras, essa prática pode gerar dúvidas sobre os reflexos processuais da atuação delegada, especialmente quanto à judicialização de controvérsias como o mandado de segurança.
Tanto o IBS quanto a CBS incidem sobre o mesmo fato gerador de tributo, com base de cálculo e sujeitos passivos idênticos. No entanto, cada um possui uma estrutura própria de fiscalização, lançamento e julgamento, refletindo a autonomia das esferas federativas envolvidas. Essa separação, embora prevista na Emenda Constitucional nº 132/2023, pode dificultar a vida do contribuinte, que terá de lidar com diferentes órgãos para o mesmo tributo.
No caso do IBS, a competência é compartilhada entre estados, municípios e o Distrito Federal, cada um com sua parcela da alíquota. Apesar da cobrança ser realizada de forma unificada, cada ente federativo mantém autonomia para fiscalizar e lançar sua respectiva fração. Já a CBS é de competência exclusiva da União, concentrando aquelas tarefas na esfera federal.
Na prática, isso implica que uma mesma operação pode ser objeto de até três lançamentos distintos — um federal, um estadual e um municipal —, com decisões potencialmente conflitantes sobre o mesmo fato. Ou seja, o contribuinte pode ser autuado três vezes por uma mesma operação, com entendimentos diferentes sobre o que deve ser pago.
Para mitigar esse risco, foram criados mecanismos de integração entre os entes federativos, como a possibilidade de delegação recíproca das atividades de fiscalização, lançamento e julgamento. Prevista na Lei Complementar nº 214/2025 e no Projeto de Lei Complementar nº 108/2024, essa proposta visa a racionalizar o sistema e evitar múltiplas autuações sobre uma mesmo fato gerador. Todavia, na prática, gerou novas dúvidas, especialmente no campo judicial.
Considere o seguinte cenário: um contribuinte é autuado por um auditor da Receita Federal, mas o tributo em questão é o IBS, devido à delegação de competência para o lançamento do tributo. A autoridade coatora é federal, mas o interesse patrimonial pertence ao estado ou município. Nesse caso, o mandado de segurança deverá ser impetrado perante a Justiça Federal ou estadual? Além disso, quem deve figurar como parte legítima: o ente delegante ou o delegatário?
A Lei nº 12.016/2009 estabelece que a autoridade coatora será considerada federal quando o efeito patrimonial do ato for suportado pela União. Isso significa, por exemplo, que, se a União delegar competência a um estado para o lançamento do CBS, a autoridade coatora estadual poderá ser considerada como federal, sendo processada perante a Justiça Federal. No entanto, não existe uma regra equivalente para Estados e Municípios, criando um vácuo normativo que pode levar a impetrações equivocadas, decisões conflitantes e, principalmente, insegurança jurídica.
Outro ponto que merece destaque é o mandado de segurança preventivo. Se uma decisão judicial impede a Receita Federal de realizar determinado lançamento, essa ordem se estende a um agente estadual ou municipal que atue por delegação? Ou será necessário impetrar um novo mandado contra aquelas autoridades?
Essas questões não são meramente teóricas; elas possuem implicações práticas para os contribuintes, advogados e magistrados, além das autoridades fiscais. A fragmentação decisória, já apontada como um dos riscos da reforma, pode se intensificar com a delegação de competências, criando um verdadeiro labirinto processual e desafiando a lógica tradicional de definição da autoridade coatora e da jurisdição competente. Na prática, isso pode significar mais ações judiciais e custos adicionais para o contribuinte.
Diante desse cenário, é essencial que os operadores do Direito estejam atentos. A simplificação tributária não pode se transformar em um novo labirinto judicial. O contribuinte precisa de segurança, previsibilidade e acesso eficiente à Justiça.
A reforma tributária é um passo importante, mas ainda há muito a ser feito para garantir que seus efeitos não comprometam o direito à ampla defesa e ao devido processo legal. O debate precisa continuar, com foco na proteção do contribuinte e na construção de um sistema mais justo e funcional.
Fonte: Conjur
