Preocupado com a capacidade de empréstimo do BNDES num cenário de grandes obras — como as previstas na segunda fase do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC-2), além de pré-sal, Copa do Mundo e Olimpíadas —, o governo já começou a estudar formas de capitalizar a instituição. Direta ou indiretamente, o Tesouro Nacional pode acabar arcando com essa conta.
Uma alternativa considerada pela área econômica é permitir que o banco emita debêntures no mercado (títulos de dívida que pagam juros). Esse instrumento já foi liberado para os bancos privados, que ganharam autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN) para emitir Letras Financeiras (LFs), um novo título de longo prazo. O mesmo poderia ser feito para o BNDES. Outra opção do governo é a capitalização do banco de fomento via recursos do Tesouro.
No início de 2009, em função da crise e da retração do mercado, o Tesouro Nacional capitalizou o BNDES em R$ 100 bilhões, valor que foi reforçado em mais R$ 80 bilhões este ano. Graças a isso, a instituição fez desembolsos que somaram quase R$ 140 bilhões em 2009. Para 2010, os empréstimos devem ficar próximos deste valor.
— Mas a medida (capitalização via Tesouro) não pode ser uma solução permanente. Temos que encontrar novos caminhos a partir de 2011 — diz um técnico da área econômica.
Debêntures, uma opção mais custosa
Quando o Tesouro emite títulos públicos para capitalizar o BNDES, ele acaba provocando um aumento da dívida bruta, o que é visto como um risco para as contas públicas. Na dívida líquida, essa operação não aparece, pois gera um gasto que será pago pelo banco ao longo do tempo. Mas, segundo analistas, esse comportamento não é bom.
— O endividamento bruto sofreu forte expansão em 2008 e 2009 e, se isso continuar, dá margem para o aumento do risco fiscal — diz o economista Felipe Salto, da Tendências.
A emissão de debêntures também é vista com cautela. Se o BNDES ofertar títulos, terá que pagar uma remuneração (juros) que atraia investidores. E os financiamentos que a instituição concede normalmente estão atrelados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), mais baixa do que as taxas de mercado.
Isso significa que o banco vai pagar mais pelo dinheiro que capta do que vai conseguir emprestando.
Por isso, o Tesouro teria que entrar na operação para igualar as taxas, o que teria impacto nas despesas primárias num momento em que o governo quer garantir austeridade fiscal.
Outro problema seria o BNDES acabar competindo com instituições privadas que emitem títulos e que também são agentes que financiam grandes projetos de investimento.
Para o superintendente da área de pesquisa e acompanhamento econômico do BNDES, Ernani Teixeira Torres Filho, o banco vai precisar de suporte do Tesouro por pelo menos mais dois anos (2011 e 2012). Ele afirma que, futuramente, a emissão de debêntures pela instituição pode ser positiva, embora admita que ela provocará uma competição entre os setores público e privado.
— Mercado é como casamento.
De vez em quando, você precisa se mexer, mostrar que está ali, dar um carinho — disse Torres.
Mesmo assim, os analistas veem com preocupação o aumento do papel do BNDES no longo prazo.
— Ao ocupar mais espaço no mercado, o BNDES tomaria o lugar de agentes privados que também têm condições de financiar a infraestrutura — diz o economista-chefe do West LB, Roberto Padovani.
Segundo ele, essa estratégia do governo é equivocada: — Essa é uma visão de que o Estado tem que estar mais presente na economia. Mas isso não precisa ser permanente. Durante a crise, os bancos estatais agiram fortemente, pois o mercado se retraiu. Mas o ideal agora é que o quadro se equilibre novamente. O mercado privado é menos sujeito a pressões políticas e é menos burocrático.
Já Felipe Salto afirma que essa participação maior do banco estatal no mercado terá um custo: — Por trás dessa estratégia está uma ideologia, uma visão de que o Estado tem que estar mais presente.
Isso tem custos com os quais o governo terá que arcar.
Mas o superintendente do BNDES lembra que a instituição teve um papel importante na oferta de crédito durante a crise. Segundo ele, em 2002, o banco respondia por quase 25% do crédito no país. Esse percentual foi caindo com a ampliação do crédito consignado, de automóveis e de todo o sistema, chegando a 16% em 2008. Com a crise, a participação chegou a bater em 20%, mas deve voltar a cair.
Banco privado pode ganhar espaço
Torres acredita que os bancos privados vão começar a assumir parte das funções que o BNDES tem hoje, como os financiamentos do Finame (para a aquisição de máquinas e equipamentos).
Isso, entretanto, ocorrerá num horizonte mais distante, quando os juros de longo prazo caírem para um patamar de 8%.
Ele diz ainda que custos de equalização do Tesouro para os empréstimos do BNDES vão ficar menores ao longo do tempo. Isso porque os desembolsos do banco tendem a se manter no atual patamar ou até cair no futuro. Ele acredita que outras instituições vão entrar, aos poucos, nos financiamentos de longo prazo.