Devido ao seu caráter estrutural e intensivo em capital, o setor elétrico demanda fontes de crédito de longo prazo para viabilização de investimentos. Sabe-se que o BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento) é um forte aliado para os financiamentos de projetos do setor elétrico, notadamente para aqueles de geração, mas também para projetos de transmissão, distribuição e racionalização do uso de energia.
Em prol dos leilões públicos de energia, o banco de fomento disponibiliza condições específicas para empresas e entes vencedores. Nesse contexto, o banco já apoiou, por exemplo:
Linhas de transmissão e subestações a serem licitadas em leilões;
Hidrelétricas, parques eólicos, plantas solares e termelétricas a biomassa vencedores em Leilões de Energia Nova (LEN) ou de Energia de Reserva (LER), destinadas ao ambiente de contratação regulado (ACR);
Termelétricas movidas a carvão ou gás natural vencedoras em LEN, também para o ACR; e
Geração a energia renovável que visem à expansão e/ou modernização da infraestrutura de energia elétrica do país, participantes de Leilões de Sistemas Isolados (Sisol) da Amazonas Energia.
O BNDES financiou a expansão do parque gerador brasileiro nos últimos 20 anos, favorecendo o status atual da geração de energia elétrica majoritariamente limpa. Reconhecido internacionalmente, o Brasil tem o conforto de ser um país de baixas emissões de gases poluentes em comparação a outros países, guinado para que a transição energética ocorra consolidada às demandas mundiais atualmente defendidas.
Com relação às linhas de financiamento desses projetos do setor elétrico, o BNDES dispõe das opções de apoio indireto (operação feita por meio de instituição financeira credenciada) ou direto (operação feita diretamente com o BNDES). Em ambos os casos, aplica-se a taxa de juros de longo prazo (TLP) que, com a publicação da Lei nº 14.937, publicada em 26 de julho 2024, foi objeto de importantes alterações aplicáveis àqueles que pretendem participar dos próximos leilões, cujo objetivo seja a exploração de serviço público, a exemplo notório das concessões de transmissão ou de geração.
Basicamente, a Lei nº 14.937/2024 modificou a lei que versa sobre o TLP, qual seja, a Lei nº 13.483/2017, ao estabelecer, nos parágrafos 1º e 1º-A do artigo 2º, as seguintes modificações:
“Art. 2º. Os recursos do FAT e do FMM, quando aplicados pelas instituições financeiras oficiais federais em operações de financiamento, serão remunerados de acordo com metodologia de cálculo definida pelo Conselho Monetário Nacional, pro rata die, por uma das seguintes taxas, estabelecida pela instituição financeira aplicadora, em cada operação: (Redação dada pela Lei nº 14.937, de 2024)
§1º. A parcela prefixada da TLP e as Taxas Prefixadas, previstas nos incisos II e III do caput deste artigo, serão as vigentes na data de contratação da operação e serão aplicadas uniformemente durante o prazo do financiamento. (Redação dada pela Lei nº 14.937, de 2024)
§1º-A. Na hipótese de financiamento de projetos de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços públicos, a instituição financeira poderá adotar a parcela prefixada da TLP e as Taxas Prefixadas vigentes na data do respectivo leilão. (Incluído pela Lei nº 14.937, de 2024)” (grifos dos articulistas).
Anteriormente à Lei 14.937/2024, quando o proponente pretendia fazer o lance do leilão — como é comum nesse tipo de operação — conduzia sua avaliação sobre a matriz de riscos, o retorno do investimento, a viabilidade do projeto em si, além das linhas de financiamento e, notadamente nesse contexto, as taxas de juros aplicáveis.
Contudo, entre o momento do leilão e a efetiva contratação da linha de financiamento na hipótese de o proponente se sagrar vencedor, ocorria um lapso que poderia incidir na alteração das taxas de juros anteriormente previstas pelo empreendedor.
Ainda pior, as taxas de juros poderiam sofrer variações ao longo do financiamento, com risco de serem demasiadamente altas e/ou de dimensões inesperadas. De tal forma, notou-se que estas taxas eram de difíceis previsões, complexas, voláteis e pró-cíclicas, causando insegurança e, a depender da dimensão, até mesmo a frustração do projeto.
Nesse sentido, as inovações introduzidas pela Lei nº 14.937/2024 foram extremamente positivas ao proporcionarem a mitigação desses riscos e inseguranças, de modo que:
Na hipótese de financiamento para exploração de serviços públicos, a instituição financeira poderá adotar as taxas de juros TLP vigentes na data do respectivo leilão. Ou seja, se na data da realização do leilão as taxas de juros estiverem com valores inferiores do que na data da efetiva contratação da operação de crédito, prevalecerão aquelas em detrimento destas;
Se, por outro lado, as taxas de juros estiverem maiores à época do leilão do que no momento da efetiva contratação da linha de financiamento, prevalecerão as taxas relativas ao momento de contratação da linha; e
Os valores da taxa de juros sobre a TLP e as Taxas Prefixadas das linhas de financiamento do BNDES serão os vigentes na data de contratação da operação e serão aplicadas uniformemente durante o prazo do financiamento.
De tal modo, para os próximos leilões de infraestrutura, são assegurados aos proponentes maiores informações e previsibilidade sobre as taxas de juros aplicáveis aos financiamentos.
Especificamente ao setor elétrico, porém, ainda pairam dúvidas sobre o alcance da aplicação do parágrafo 1º-A, do artigo 2º, da Lei nº 13.483/2017, que estabelece que as taxas de juros dos financiamentos poderão ser as vigentes na data do leilão “[…] de projetos de concessão, permissão ou autorização para exploração de serviços públicos […]”.
Não pairam questionamentos de que as outorgas de concessão de transmissoras e distribuidoras de energia elétrica são para a exploração de serviços públicos, uma vez que implantam e operam bens e serviços da União e que são remuneradas proporcionalmente ao custo destas operações. Não só devido ao caráter originalmente monopolista da atividade, mas também porque as próprias outorgas carregam o regime de serviço público, com todas as obrigações e prerrogativas que são associadas, resta claro que o parágrafo 1º-A, do artigo 2º, da Lei nº 13.483/2017 é aplicável aos segmentos.
No segmento de geração, porém, não resta clara a aplicação do dispositivo.
É conhecido que os empreendimentos podem ser objeto de registro, como no caso das centrais geradoras hidrelétricas (CGH); ou de outorga de concessão, permissão ou autorização, sendo estas as mais comuns de serem emitidas atualmente.
Outorga de autorização é a hipótese legal e regulatória, por exemplo, para as usinas hidrelétricas (UHEs) de 30 até 50 MW de potência instalada, amplamente associadas aos regimes de produção independente de energia elétrica (PIE) ou de autoprodução de energia elétrica (APE). Ainda, para as fontes solar e eólica, as quais se verifica a maior prevalência atual entre geradores e que têm maior expansão do potencial instalado no Sistema Interligado Nacional (SIN) para os próximos anos, também são emitidas outorgas de autorização sob os regimes PIE e APE. Ou seja, são outorgas que não carregam a especificidade do regime de serviço público.
Mesmo assim, a geração de energia, tanto na autorização como nas demais modalidades, deve ser considerada como atividade essencial ao funcionamento do setor elétrico. Afinal, sem a produção de energia não seria possível os serviços de transmissão e de distribuição. Assim, embora a energia elétrica originária dos autorizados possa atualmente ser utilizada de maneira mais preponderante no ambiente de contratação livre (ACL), é inegável o valor econômico e social associado, o que justifica a atuação do Estado de, por exemplo, emitir a outorga de autorização e fiscalizar a atividade.
Partindo para a interpretação puramente gramatical da lei, depreende-se que empreendimento objeto de registro não seria suscetível às taxas de juros vigentes na data do leilão; mas que concessões, permissões ou autorizações são, desde que para fins de exploração de serviços públicos.
O que, então, estaria sendo considerado como “exploração de serviços públicos” no âmbito do setor elétrico, notadamente do segmento de geração, dado que atualmente as outorgas emitidas são majoritariamente autorizações sob regimes PIE e APE, e não sob regime de serviço público?
Desta forma, questiona-se: estariam as outorgas de autorização, que não carregam o regime de serviço público no ato, excluídas intencionalmente da aplicação do parágrafo 1º-A, do artigo 2º, da Lei nº 13.483/2017 (alterado pela Lei nº 14.937/2024) ou seria apenas uma falha redacional do legislador? Exclusão intencional, sob a ótica de funcionamento dos mercados de geração de energia e dos financiamentos associados, não parece fazer sentido, haja vista que:
O BNDES tem como um dos objetivos prioritários fomentar o setor elétrico e energético;
A diferenciação quanto à aplicação das taxas de juros, exclusivamente em razão do regime de prestação do serviço, poderia acarretar tratamento não isonômico e benéfico aos setores das transmissoras e distribuidoras, justamente os quais podem se valer de procedimentos de reequilíbrio econômico-financeiro para compensar, também, variações nas taxas de juros; e
As autorizações, as permissões e as concessões possuem direitos os quais lhe reservam a prestação do serviço por um tempo garantido e previamente definido, de forma que para fins de eventual revogação da outorga se exige justificativa plausível, processo administrativo, contraditório e ampla defesa, ou seja, garantias que deixam os riscos para o credor em patamares similares a todos tipos de outorgas, como regra.
Para além da geração, as novas tecnologias, como hidrogênio e sistemas de armazenamento de energia em bateria, são grandes vetores da transição energética. Devido ao caráter novo, são as que mais precisarão de linhas de financiamento com as melhores condições para inserção e viabilidade no mercado. Apesar disso, estas provavelmente também serão objeto de outorga de autorização, notadamente sem qualquer especificação sobre regime relativo ao serviço público.
A esse respeito, vale exemplificar que para os próximos esperados leilões de reserva de capacidade (LRCAP), os quais visarão, em síntese, segurança ao sistema e flexibilidade operativa, a inclusão de produtos de sistemas de armazenamento é esperada. Contudo, uma das maiores preocupações sobre a inserção destes nos leilões é a viabilidade da tecnologia devido ao seu alto custo. Ou seja, a aplicação do parágrafo 1º-A, do artigo 2º, da Lei nº 13.483/2017 seria muito bem-vinda.
As especificidades do setor elétrico — muitas vezes conhecidas apenas por aqueles que atuam no setor — trazem diferenciações conceituais que, caso não compreendidas, podem impactar inclusive os preços da energia ofertada. Assim, apesar de a Lei nº 14.937/2024 versar genericamente sobre leilões de infraestrutura, sem especificar os diferentes setores, como transporte, telecomunicação e energia elétrica, fato é que todos os diferentes setores carregam lógicas e especificidades que merecem atenção para que a lei tenha a aplicação mais eficaz possível.
Nesse sentido, a Lei nº 14.937/2024, que modificou a Lei nº 13.483/2017, conferiu maior segurança e previsibilidade aos proponentes dos leilões de infraestrutura. Nada obstante, em vista a todas as peculiaridades e especificidades dos diferentes setores da infraestrutura, sugere-se que o parágrafo 1º-A, do artigo 2º, da Lei nº 13.483/2017 seja interpretado de forma a dar maior efetividade a todos prestadores de serviços de energia elétrica, sem diferenciação entre os regimes de outorgas, haja vista que todos os geradores, transmissores e distribuidores são essenciais para o funcionamento e a sustentabilidade do setor.
Finalmente, todavia, como a premissa da Lei nº 14.937/2024 foi a de imprimir maior confiabilidade nas relações, essa necessidade deve ser ainda mais aprimorada, de modo que isso pode ser implementado por meio de regulamentação pelo Poder Executivo, para que este disponha sobre o alcance do dispositivo em cada setor específico.
Fonte: Conjur