Duas recentes decisões da Justiça de São
Paulo autorizaram que empresas paguem suas dívidas de Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com precatórios,
alimentares ou não, adquiridos de terceiros. O entendimento, antes raro
no estado, mostra que a jurisprudência sobre o tema está mudando e
deve encorajar as empresas a comprar precatórios, que podem ser
adquiridos com até 70% de deságio e significar importante ganho com a
redução dos débitos.
“Os juízes, cada vez mais, estão
concedendo a compensação. Mais de 50% deles já autorizam a medida,
porcentagem que antes girava em torno de 20%. O Tribunal de Justiça
paulista também está mudando sua jurisprudência”, diz Nelson Lacerda,
do Lacerda & Lacerda Advogados e responsável pelos casos. Ele
explica que a compensação foi convalidada pela Emenda Constitucional
62, de 2009, que mudou o regime de pagamento de precatórios. O Supremo
Tribunal Federal deve voltar a julgar no segundo semestre a ação que
questiona a nova regra.
A norma, apelidada de emenda do calote,
dilatou o prazo para que estados e municípios paguem suas dívidas
judiciais. Ela determinou que os devedores paguem os precatórios em 15
anos (regime anual) ou destinem uma parcela mínima – entre 1% e 1,5%
nos municípios, e entre 1,5% e 2% nos estados – de sua receita líquida
mensal para o pagamento (regime mensal). Segundo Lacerda, o valor não
paga sequer os juros do passivo.
A dívida total dos estados e municípios,
segundo o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), é
de R$ 84 bilhões – o valor hoje já deve ultrapassar os R$ 100 bilhões.
São Paulo é o maior devedor de precatórios, com dívida de mais de R$
20 bilhões só no TJ estadual.
Mas, segundo Lacerda, a emenda 62, que
ainda extinguiu o sequestro de verbas dos devedores e formalizou que a
cessão do título não precisa de autorização do devedor, legitimou a
compensação. “Ela é a única solução para recebimento dos precatórios e
traz lucratividade para as empresas. O estado também se livra de uma
dívida”, diz.
Não é o entendimento da Fazenda Pública
de São Paulo, que sempre veta a compensação e recorre de decisões por
entender que o estado não tem lei específica autorizando a prática.
Lacerda afirma que onze estados estão fazendo a compensação no âmbito
administrativo, como Santa Catarina, Tocantins, Pará, Alagoas e Minas
Gerais. Nem todos têm leis regulamentando o funcionamento da medida,
por entender que a emenda é auto-aplicável. “Quando há lei autorizando a
compensação, o deságio gira em torno de 18%”, diz.
O STF já autorizou, em 2004, a compensação – o último caso é de 2007, relatado pelo ministro aposentado Eros Grau.
A 1ª Vara da Fazenda Pública paulista
concedeu a compensação de ICMS, no valor de R$ 143 mil, a uma empresa
de embalagens. Na decisão é reconhecido o direito líquido e certo na
compensação de débito tributário com os créditos de precatórios
vencidos e não pago do qual a empresa é cessionária. “Não houve
pagamento do crédito, de modo que, feita a sua cessão como largamente
permitido pela Constituição, deve a entidade devedora recebê-lo como
liberação de débito fiscal. Impedir a cessão para efeito de compensação
equivale a castigar ainda mais o credor quando um outro, comum, pode
fazê-lo tranquilamente e auferir, na medida do negócio bilateral, o
rendimento que lhe aprouver”, afirma a juíza na decisão. No outro caso,
a 13ª Vara da Fazenda Pública atendeu pedido de uma empresa de águas
minerais. Em um terceiro processo, uma empresa de equipamentos de
segurança obteve mandado de segurança para que não fosse incluída no
Cadastro de Inadimplentes (Cadin ) enquanto não for julgado o seu
pedido de compensação de dívidas fiscais por precatórios.