O corte de um ponto e meio percentual na taxa básica de juros pode não ter sido o mais ousado que o mercado esperava do Banco Central neste momento, apesar de a maioria dos analistas apostar que a redução seria de fato de um ponto e meio. No fundo, eles rezavam para ser surpreendidos com um corte mais generoso. De qualquer forma, o Comitê de Política Monetária (Copom) não foi conservador no afrouxamento monetário, o que já é um progresso em se tratando de juros no Brasil. Mesmo sem grandes reflexos imediatos no pregão de ontem, o mercado começa a discutir quais os outros reflexos de uma taxa Selic mais baixa no mercado.
Um deles deve ser uma queda significativa no custo da dívida das companhias. E, quanto mais endividada a empresa, maior será essa redução de custo. Em apenas duas reuniões, o Copom já cortou a Selic em dois pontos e meio percentuais, o que significa juros bem mais palatáveis para as empresas. Uma boa parte delas possui dívida com juros pós-fixados, portanto, esse custo cai juntamente com a Selic. Com a deterioração da crise, as empresas mais alavancadas viraram praticamente o inferno na Terra. Os investidores queriam ficar bem longe delas. As queridinhas de todos passaram a ser as companhias mais conservadoras, sem dívida, boa geração de caixa, resultado previsível, ou seja, bem redondinhas.
A partir de agora, os investidores devem substituir os papéis das tais conservadoras pelos das companhias mais arriscadas e alavancadas. “Quanto menor o custo da dívida, mais recursos sobram para a empresa, consequentemente, para os próprios acionistas sob a forma de dividendos”, diz um gestor de recursos independente. Ele cita um exemplo que ilustra bem essa economia. Uma empresa que possui uma dívida de R$ 900 milhões e que paga 10% ao ano de juros, desembolsa R$ 90 milhões. Já numa taxa de juros de 5% ao ano, esse custo da dívida cai para R$ 45 milhões. “Ou seja, o retorno sobre o capital para os acionistas só cresce”, explica o gestor.
Ele cita algumas empresas bastante endividadas e que podem se beneficiar do afrouxamento monetário. Entre elas estão: a Oi (ex-Telemar) que, juntamente com a Brasil Telecom possui cerca de R$ 20 bilhões em dívida, além de Aracruz e Companhia Energética de São Paulo (Cesp). Coincidência ou não, ontem as ações preferenciais (PN, sem direito a voto) série B da Aracruz subiram 7,69%, a segunda maior alta dentro do Índice Bovespa, que se valorizou 0,89%, fechando aos 39.151 pontos.
Há mais exemplos como Marfrig e B2W, lembra um outro gestor de recursos. “A B2W, apesar de não ser endividada, desconta seus recebíveis a uma taxa atrelada ao CDI (Certificado de Depósito Interfinanceiro), o que faz a sua receita ser muito sensível à taxa de juros”, explica ele. Não é à toa que as ações da varejista subiram bem nos últimos dias.
É importante alertar que as empresas mais endividadas geralmente têm um perfil de atuação mais agressivo, portanto, são mais indicadas para aqueles que possuem um apetite maior a risco. Mas essas companhias são também mais endividadas, que geralmente possuem maiores condições de crescimento. Em tese, elas buscam dinheiro para aplicar no negócio, ampliar uma fábrica, desenvolver um novo produto ou até comprar uma outra companhia.
Reflexo II
Os reflexos da queda da taxa Selic no mercado de capitais não param por aí. As empresas consideradas boas pagadoras de dividendos ficam ainda mais atraentes. Os investidores costumam comparar o chamado “dividend yield” – a relação entre os dividendos pagos e a cotação atual da ação – com a taxa Selic. “Uma coisa é uma empresa que oferece um ‘dividend yield’ de 15% quando os juros estão em 13% ao ano; outra bem diferente é esse mesmo ‘dividend yield’, com uma Selic de 11,25% ao ano”, afirma o gestor. Nessa lista de boas pagadoras de dividendos figuram nomes como: Eletropaulo, Telesp e Transmissão Paulista, lembra ele.
Reflexo III, a missão
Por fim, um outro reflexo importante do afrouxamento monetário no mercado é a migração de recursos da renda fixa para a bolsa. Quando o investidor olhar o próximo extrato da sua aplicação de renda fixa provavelmente se sentirá tentado a colocar o dinheiro em investimentos de maior risco, lembra o gestor. Ele afirma que, um retorno abaixo de 1% ao mês é considerado um barreira psicológica importante, que acaba levando os investidores a mudarem de aplicação. “Se o investidor não for agora para a bolsa, no próximo corte da Selic vai se sentir ainda mais tentado a fazer isso.”