Antes mesmo do julgamento dos planos econômicos, marcado para amanhã no Supremo Tribunal Federal (STF), os prejuízos começam a se instalar. As ações dos principais bancos do país, ontem, ficaram no vermelho. A possibilidade de a Justiça obrigar as instituições a pagar uma fatura de R$ 150 bilhões deixou o mercado em alerta e o governo mobilizado. Conforme o Estado de Minas antecipou, ex-ministros e ex-presidentes do Banco Central assinaram uma carta que lista os riscos para a economia e para o sistema bancário. A reportagem teve acesso exclusivo ao documento, que foi chancelado por nomes como o do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Antonio Palocci e Zélia Cardoso de Mello, que foi ministra da Economia no governo Collor e teve a missão de explicar o confisco da poupança aos brasileiros.
A carta frisa que, na época, os bancos não tinham outra opção senão seguir a lei e o que estava determinado pelos planos econômicos. “O contrato de poupança tem condições estatutárias ligadas ao próprio regime monetário, as quais são estabelecidas em lei pelo poder público, como a taxa de juros e os indexadores, e sobre as quais nem poupadores, nem instituições financeiras podem negociar”, diz um trecho do documento. “Quem escolhe aderir a este contrato aceita estas condições estabelecidas pelo poder público e seu poder de alterá-las”, emenda. A carta é assinada por 23 ex-autoridades econômicas (veja quadro).
O documento segue a mesma estratégia do governo, de alertar o STF para os riscos colaterais da decisão. Caso a sentença seja a favor dos poupadores, o mercado de crédito pode ser o mais afetado, com uma restrição potencial de empréstimos e financiamentos de R$ 1,35 trilhão. As contas públicas também sofreriam, com uma queda de R$ 60 bilhões na arrecadação. O problema ainda recai sobre o Tesouro Nacional e o Ministério da Fazenda. A Caixa Econômica detém a maior parte dessa fatura, cerca de R$ 50 bilhões e, se for obrigada a arcar com a conta, precisará ser capitalizada pelo governo para continuar enquadrada nas regras de segurança do sistema financeiro.
Fatura pesada Para a consultoria LCA, o prejuízo pode ser ainda maior, cerca de R$ 750 bilhões em função do pagamento de juros e mora. As entidades de defesa do consumidor que advogam a favor dos depositantes alegam que o número é um exagero e que a conta é de R$ 8 bilhões. Enquanto governo, bancos e poupadores travam um cabo de guerra, as ações dos bancos perdem valor e, ontem, puxaram o principal indicador da bolsa brasileira para baixo, o Ibovespa, que amargou queda de 1,02%. O Banco do Brasil sofreu a pior baixa, 2,63% no dia. No acumulado do mês, o recuo é de 19,12%. Outras instituições também ficaram no vermelho, o Itaú Unibanco apresentou queda de 1,48%; o Bradesco, de 0,89%; o Santander caiu 0,34%.
“Essa queda na bolsa é em função do julgamento”, ponderou João Augusto Salles, economista da consultoria Lopes Filho. Na visão dele, se o STF votar contra as instituições financeiras, pode causar um mal estar junto ao Executivo, que pode interpretar a decisão como uma interferência e um desequilíbrio entre os poderes da República. “Fala-se em R$ 150 bilhões. É um número expressivo e impacta a capacidade de alavancagem dos bancos”, observou.
Luiz Miguel Santacreu, analista da agência de classificação de risco Austin Rating faz avaliação semelhante. %u201CEssa decisão levaria a um eventual prejuízo que para o mercado de ações é muito ruim%u201D, avalia. Santacreu ainda lembra que essa é uma decisão importante porque afeta não apenas o bolso dos depositantes que se sentiram lesados na época dos planos, atinge todo cliente, principalmente dos grandes bancos, e os que necessitam de crédito.
Idec calcula que perda será menor
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) pondera que a fatura, caso o Supremo Tribunal Federal decida a favor dos poupadores é menor, ao redor de R$ 8 bilhões, e garante que ao longo dos anos os bancos fizeram o provisionamento adequado para o caso de perderem a disputa. Já os bancos estimam perda da ordem de R$ 150 bilhões. Apesar da fala do ministro Marco Aurélio Mello, que ontem defendeu o adiamento do julgamento, os advogados do Idec acreditam que isso é impossível. Amanhã, às 14h, terá início a sessão que definirá quem paga a conta.
Cada grupo de advogados terá uma hora para fazer a sustentação oral. O Supremo reservou um horário na quinta-feira caso o julgamento se estenda demasiadamente. “Esse valor que o governo considera, de R$ 150 bilhões, é um exagero porque ele considera todos os planos e que todas as pessoas entraram na Justiça. Leva em conta ainda que todas as pessoas estão vivas”, argumenta Flávio Siqueira Júnior, advogado do Idec.
Decisões Ainda segundo ele, se o STF julgar favorável aos poupadores, todas as ações, nas outras esferas do judiciário, seguem até que se determine quem tem direito a receber. Caso a decisão atenda o pleito dos bancos, o advogado explica, todas os processos serão encerrados e quem já recebeu ressarcimento terá de devolver o dinheiro. A decisão da Corte Suprema, no entanto, pode definir as regras de como toda a situação deve se desenrolar.
Ontem, o governo deu continuidade ao esforço junto ao STF e outras autoridades. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, voltaram ao Supremo e se reuniram com a ministra Cármen Lúcia por cerca de uma hora. O procurador-geral do BC, Isaac Sidney Ferreira também participou do encontro. À noite, Ferreira e Tombini falaram com Rodrigo Janot, procurador-geral da República.