Tentadores, o sinal sonoro ou a luzinha piscante de um celular são um incentivo à imprudência no trânsito. Ligações, mensagens de texto e atualizações em redes sociais têm levado os motoristas gaúchos a serem mais descuidados. No primeiro trimestre de 2014, o número de infrações por uso de telefone ao volante aumentou 30% no Rio Grande do Sul em comparação com o mesmo período do ano passado.
Esses condutores infringem o inciso 6º do artigo 252 do Código de Trânsito Brasileiro, que proíbe ainda a utilização de fones de ouvido – o recurso de viva-voz não está especificado, mas também é arriscado. Ser penalizado – a multa é de R$ 85,13 e quatro pontos na carteira de habilitação – é dos males o menor considerando-se os danos que a prática pode causar, como colisões e atropelamentos.
Há três tipos principais de distração relacionados ao perigoso hábito: visual (o motorista desvia a visão da pista), manual (é preciso pelo menos uma das mãos que está na direção para segurar o aparelho) e cognitiva (o pensamento não está focado na condução do veículo, mas na conversa com o interlocutor ou na tela do aparelho). Digitar uma mensagem de texto, por exemplo, envolve os três ao mesmo tempo.
– Nosso cérebro trabalha com condicionamentos. O ato de dirigir é todo automático. Você aprende com os erros e acertos e grava os acertos. O telefone tira você do automatismo – explica Bernardo Aguiar, representante técnico da Associação Brasileira de Medicina de Tráfego (Abramet) no Estado.
A desatenção pode ser ainda maior dependendo do conteúdo do que está sendo dito ou escrito – ainda que o motorista esteja olhando para a frente e guiando com ambas as mãos.
– Se houver uma briga, uma discussão de relacionamento, ele vai bater – alerta Aguiar.
De acordo com o Departamento Estadual de Trânsito (Detran/RS), 20.057 pessoas foram flagradas ao telefone enquanto dirigiam por ruas e estradas gaúchas entre janeiro e março últimos. Em 2013, registraram-se 15.430 casos.
– Há uma necessidade imperativa de as pessoas se conscientizarem e perceberem que celular e direção não combinam. O bom condutor também está sujeito a riscos – diz Maximilian Gomes, chefe da Divisão de Educação do Detran.
Os vilões dos reflexos
Pesquisador do Instituto do Cérebro da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), o engenheiro biomédico Alexandre Franco destaca que dirigir é uma tarefa de grande complexidade, que exige que o motorista esteja atento a múltiplas direções e informações: sinaleiras, placas, pedestres, ciclistas, fluxo de veículos, condições da pista.
Apesar de ser uma ação simples, a leitura de um texto curto no smartphone “rouba” atenção da atividade principal em execução, atrapalhando e reduzindo o tempo de reação caso surjam imprevistos como um buraco ou um carro enguiçado no meio da rua, diz Franco:
– A gente não consegue focar em tudo ao mesmo tempo. No trânsito, você tem de estar 100% focado. Não é só ver o trânsito. É prestar atenção ao trânsito. Aquele meio segundo em que você olhou para o celular já é suficiente para tirar a sua atenção.
Atividades rotineiras requerem menos esforço mental. Observe uma criança que lava louça pela primeira vez: é lenta, tem dificuldade para manejar os pratos, deixa os copos escaparem das mãos. Já o funcionário da cozinha de um restaurante está acostumado ao trabalho, não precisa pensar muito no que faz e se mostra extremamente ágil.
– Uma pessoa que está começando a dirigir precisa de mais esforço para realizar a tarefa. Usar o celular ao volante é especialmente perigoso para os jovens, que são menos experientes – exemplifica o engenheiro biomédico.
Top 10 das desculpas
Fiscais de trânsito flagram diariamente condutores que fazem ligações, escrevem mensagens e usam as redes sociais ao volante de forma descarada. A pedido de ZH, eles listaram as desculpas mais frequentes:
1. “Foi só desta vez”
2. “Tive que atender, era uma emergência”
3. “Não vi que vocês (fiscais) estavam aqui”
4. “Estou com um caso de doença na família”
5. “Meu filho está com a babá”
6. “Estou atrasado para o trabalho”
7. “Tenho que buscar as crianças na escola”
8. “Isso não é infração, é um deslize”
9. “Estava avisando que chegaria depois em um compromisso”
10. “Estava falando com o médico”
Concentre-se
– O ideal é manter o celular desligado. O simples toque do aparelho vai distraí-lo.
– Se tiver de manter o telefone ligado, evite deixá-lo ao alcance dos olhos.
– Condutores experientes também estão sujeitos a riscos ao atenderem uma ligação ou mensagem de texto.
– Para ajudar os motoristas a manter a concentração, o Ministério das Cidades desenvolveu o aplicativo Mãos no Volante, que impede que o motorista receba chamadas e notificações de SMS quando estiver em deslocamento. Quem liga de outro celular recebe um SMS com um aviso: “estou dirigindo no momento. Ligo mais tarde”.
– A audição complementa o ato de dirigir. Em volume muito alto, o rádio também atrapalha a percepção dos sons do entorno, como o de uma buzina.
– É preciso cuidar até o teor da conversa que você mantém com os passageiros do carro. Um tema que provoca tensão afeta a atenção.