Fraude e conhecimento: o caso das companhias abertas
5 de maio de 2025Radar/Siscomex como instrumento de coerção: importar é direito, não privilégio
9 de maio de 2025Ganha repercussão reportagens que relatam fraudes no âmbito de atividades públicas e previdenciárias desenvolvidas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) considerando a prática de descontos não autorizados ou autorizados mediante consentimentos burlados dos segurados. Esses últimos, qualificados como aposentados, pensionistas e beneficiários de políticas públicas, enfim vulneráveis. Grande assalto ao tão propalado postulado da “segurança jurídica“, que na prática só serve aos que dominam o mercado, porque aos mais carentes de direitos fundamentais esse preceito não se faz presente e nem mesmo efetivado.
Evidente que como são matérias jornalísticas que se referem a investigações desencadeadas pela Polícia Federal sob o comando da Controladoria-Geral da União descabe imputações diretas, sendo prudente aguardar os desdobramentos das apurações dos órgãos de controle, com a advertência, óbvia e necessária, que as medidas antecipatórias de urgência devem ser desde logo levadas a efeito, até porque o trâmite processual é lento e modorrento, diferente da fome e da miserabilidade que afronta a dignidade de milhões de brasileiros vítimas desse imbróglio.
Caso as investigações sejam mais robustas e aprofundadas, pode-se chegar ao enigma dos “créditos consignados para aposentados e pensionistas“, em que algumas instituições financeiras lucram à custa de estômagos vazios e abuso da vulnerabilidade de inúmeros brasileiros. Acinte que se tornou corriqueiro no país, especialmente no dia a dia dos Procons e demais órgãos (agora também os Núcleos de Apoio aos Superendividados) que denunciam tais “violências financeiras” há tempos.
Relembrando um excelente jurista, ao lado do “Poder” Executivo, “Poder” Legislativo e “Poder” Judiciário” – esses extremamente regulados e impactados na legalidade constitucional – há um poder “paralelo”, com pouca regulação e que domina os outros. Ei-lo, CF, artigo 173, § 4º: “a lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros”. Enfim, a própria Constituição assume a conclusão de que o ‘poder econômico’ é “Poder“, podendo ser abusivo. Contudo, remete para lei infraconstitucional eventual limitação, ao contrário dos demais poderes em que os “freios” estão escancarados no próprio Texto Constitucional.
A Constituição ao definir a seguridade social como conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade firma como escopo central a garantia dos “direitos relativos à saúde, à previdência e assistência social“, anotando como principal objetivo a irredutibilidade do valor dos benefícios (CF, 194, inciso IV). A Lei 8.213/91, além de estabelecer como princípio ‘a irredutibilidade do valor dos benefícios de forma a preservar-lhes o poder aquisitivo’, veda sobre os benefícios a penhora, arresto ou sequestro, estabelecendo como nula eventual cessão ou alienação (artigo 114). Permitindo, porém, descontos em hipóteses fechadas, contemplando-se nesse rol as (1) mensalidades para associações e demais entidades de aposentados, desde que reconhecidas legalmente, mediante autorização do filiado, (2) bem como pagamentos de empréstimos e financiamentos concedidos por instituições financeiras, expressamente autorizadas pelo beneficiário até o limite de 45% do benefício (artigo 115, incisos V e VI, respectivamente).
Já o Decreto 3.048/99, com as atualizações sobrevindas pelo Decreto 10.410/20, ao permitir descontos nos estipêndios dos beneficiários a favor de associações e entidades de representação (artigo 154, inciso V), condicionou, além da autorização do filiado, o funcionamento e constituição da agremiação, a conveniência administrativa, a segurança das operações, o interesse dos beneficiados e o interesse público (§ 1º). Ainda estabeleceu no §1º – A o modo da autorização do segurado: prévia – pessoal – específica, com reavaliação desta autorização a cada três anos (§1º-B). E não fosse isso, trouxe como atribuição do INSS avaliar periodicamente a quantidade de reclamações de beneficiários, ações judiciais, processos de órgãos de controle e impacto em sua rede de atendimento para dar continuidade às entabulações com referidas entidades.
Enfim, mencionado decreto embute ao INSS diversos deveres a serem cumpridos, com destaque: 1 – dever de segurança; 2 – dever de fiscalização; 3 – dever de proteção do beneficiário; 4 – dever de cuidado; 5 – dever de avaliação de riscos. E com maior destaque o dever de probidade (já que reconhece em sua redação a possibilidade de irregularidades), assim como o dever de prevenção ao superendividamento que compõe o “interesse público” na evitabilidade da exclusão social e manutenção do mínimo existencial (Lei 14.181/21).
É evidente que mesmo não havendo relação de consumo direta entre beneficiários e INSS e beneficiários e associações ou entidades, há sempre o ‘reflexo indireto’ desses vínculos, com externalidades negativas para aqueles que dependem de benefícios previdenciários para sobreviver, especialmente quando tais estipêndios se inserem na renda familiar. E não fosse isso, a legitimidade procedimental exige o respeito ao princípio matriz da boa-fé.
Como os benefícios previdenciários, conforme a legalidade constitucional, atendem direitos fundamentais, o Estado (por meio do INSS) está total e integralmente obrigado à promoção dos aposentados e pensionistas que são, notadamente, consumidores, já que se trata de relação jurídica fundamental. Mas as notícias de fraudes existentes, não apenas em descontos para associações, como em contratos de crédito consignado (número de ações civis públicas já ajuizadas, especialmente pelo Ministério Público), escancaram o reiterado descumprimento desses deveres pelo órgão previdenciário.
Se o Estado não pode ser o “garante universal”, ao menos ele não pode propiciar aviltamentos a interesses jurídicos tuteláveis ao descumprir os deveres lhe tocados pela legislação ou mesmo ser co-partícipe de agentes privados que causem lesão, valendo como exemplo o ‘dano de superendividamento’ aos vulneráveis e hipervulneráveis, que fere os “malum prohibitum constitucional“: exclusão social e ofensa ao mínimo existencial do consumidor.
Confirmadas as fraudes, além das providências penais que o caso encerra, as sanções à improbidade administrativa tornam-se remédio essencial para a promoção dos vulneráveis e hipervulneráveis atacados nesta circunstância. A improbidade administrativa representa “ilícito constitucionalmente qualificado”, assim como fator de desequilíbrio crucial na relação entre o poder público e os administrados, especialmente no que diz respeito à proteção dos aposentados, consumidores.
Em contexto em que as transações governamentais e a gestão de recursos públicos estão na “mira” de ações que visam o enriquecimento ilícito, o combate à improbidade administrativa torna-se não só retrospectivo, mas necessariamente preventivo e pedagógico. Essa percepção abrange a gama de condutas que, ao serem praticadas por agentes públicos, comprometem a integridade do serviço público e, consequentemente, os direitos de diversas camadas da sociedade. Em outras palavras: a eficácia das ações governamentais e a confiança do público na administração pública dependem em grande medida do combate à improbidade.
Ambientes assim são férteis para os chamados “capitalismo companheiro” e “capitalismo de quadrilhas” e, via de consequência, a prática ímproba (e ainda corrupta) contribui fatalmente para o enfraquecimento do poder da lei. Nestas condições o Estado é servil a grupos reduzidos, a setores de interesses ‘parceiros’, beneficiados que são com o dirigismo estatal. Enquanto os grupos sociais desorganizados (grande massa que são os pagadores de impostos) cumprem deveres tributários, os grupos sociais organizados (grandes empresas, apadrinhados, lobbies) recebem parte da arrecadação.
Quando agentes públicos se desviam das funções, provocam não apenas perdas financeiras, mas também tumultos nos direitos que garantem a dignidade e a segurança social de milhões. Por meio da fiscalização e do controle social, a prevenção à improbidade administrativa fortalece a democracia, legitima as instituições e assegura que os recursos destinados ao bem-estar da população sejam utilizados de forma ética e transparente. Essa noção subsiste mesmo se considerarmos o advento da reforma da lei de improbidade administrativa, que não aceita ações e omissões derivadas da vontade livre e consciente de lesar o patrimônio público ou enriquecer-se ilicitamente, especialmente às custas dos vulneráveis.
Portanto, a conexão entre a improbidade administrativa e a proteção dos direitos de consumidores e aposentados não é meramente teórica; ela se manifesta nas realidades cotidianas, onde práticas desonestas e corruptas podem resultar em margens de lucro ilícitas que atentam contra a qualidade de serviços essenciais. Trata-se do abuso do poder delegado para atendimento a interesse próprio, em detrimento ao patrimônio e confiança de quem vive em condições de quase exclusão.
Tudo isso frente à condição humana do beneficiário da previdência.
A fraqueza dos aposentados e pensionistas resulta não só do status econômico, por vezes precarizado pela limitada renda gerada pelos baixos estipêndios, mas também da falta de acesso à informação e às estruturas de apoio que poderiam resguardá-los contra ilícitos e perdas. Essas condições os tornam alvos preferenciais para fraudes e explorações, pois a inerente vulnerabilidade (cognitiva, digital, psíquica e social) claramente é forte obstáculo que dificulta a contestação de injustiças, impondo o empobrecimento desmesurado e a passividade.
Aposentados e pensionistas representam elo frágil na cadeia da proteção social, frequentemente relegados a posições de desamparo e abandono quando as instituições responsáveis pela “administração de seus direitos” falham. Verdadeiro “abus faiblesse”. A improbidade administrativa assume forma particularmente nociva nesta situação, pois, quando agentes públicos se envolvem em atos qualificadamente ilícitos, a realidade dos invisibilizados é severamente afetada. Programas sociais essenciais, pensões e benefícios à saúde são diretamente comprometidos, o que, em última análise, desequilibra a segurança financeira e existencial das gerações mais velhas. Portanto, a vigilância em relação à improbidade administrativa deve se intensificar para garantir que aqueles que dedicaram suas vidas ao serviço da sociedade não sejam mais um capítulo triste na narrativa da desconfiança pública.
A luta contra a improbidade é imperativo fundamental e legal, visando a restauração da fé pública, o fortalecimento das instituições e a construção de ambiente onde os cidadãos possam desfrutar plenamente de seus direitos, sem o temor de injustiças e danos perpetrados por aqueles que deveriam servir ao interesse público.
Fonte: Conjur
