Ausência de medidas econômicas efetivas sob Temer e desencanto da população com política mantêm incertezas sobre país, destacam publicações.
No dia em que o Senado deverá aprovar o impeachment de Dilma Rousseff, jornais no exterior destacam que o afastamento definitivo da presidente está longe de resolver os problemas do país.
Para o jornal americano The Washington Post, o longo processo de impeachment, que se estende por nove meses, pode servir apenas para \”alienar mais ainda eleitores desencantados com o sistema político\”.
A publicação afirma que o processo desorganizou a esquerda no país – como exemplo disso, cita a baixa adesão aos protestos pró-Dilma em Brasília nesta semana e a postura \”desapaixonada\” de congressistas do PT em defesa da presidente afastada.
O jornal aponta que o presidente interino, Michel Temer, se revelou tão impopular quanto Dilma – segundo pesquisa Ibope de julho, apenas 13% dos brasileiros consideravam o governo bom ou ótimo.
Diz ainda que o atual processo expôs fraquezas no sistema político do país, em que o presidente depende de acordos com \”inúmeros partidos sem ideologia clara\”, em arranjos que \”incentivam a corrupção\”.
Para a publicação americana, um \”vácuo de poder\” está se abrindo na política nacional – e sendo preenchido por siglas menores de esquerda e candidatos evangélicos.
Em texto sobre as perspectivas econômicas do país, o Wall Street Journal afirma que \”investidores podem estar dando muito crédito a políticos do país e desconsiderando os problemas\”.
O diário lembra que o real se apreciou mais de 8% ante o dólar – é a moeda que mais se valorizou no mundo neste ano – e o Ibovespa avançou 9,9% desde o afastamento provisório de Dilma em maio, mas desde então Temer \”fez muito pouco\” para enfrentar o rombo nas contas públicas do país.
Afirma que propostas neste sentido – como uma possível reforma da Previdência e um limite constitucional aos gastos públicos – provavelmente não passarão no Congresso, enquanto as \”primeiras ações\” de Temer no cargo vão em sentido oposto: carência a Estados endividados com a União e \”aumentos para servidores públicos muito bem pagos\”.
\”É difícil imaginar uma medida pior\”, disse ao jornal Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica no governo Luiz Inácio Lula da Silva e diretor-presidente do centro de ensino e pesquisa Insper.
Em texto de opinião na revista Fortune, João Augusto de Castro Neves, diretor de América Latina da consultoria Eurasia Group, diz que o impeachment não irá solucionar \”meses de turbulência política e econômica\”.
O consultor descreve a permanência, no Brasil, de um cenário de \”tempestade perfeita\”: economia global menos favorável, recessão profunda, desequilíbrio fiscal, escândalo de corrupção em curso e o usual embate político.
Ele afirma que os dois principais desafios de uma eventual gestão Temer serão reordenar as finanças e recuperar a confiança de investidores, em meio à \”sombra\” da Operação Lava Jato. \”Com poucos fundos públicos à disposição, Temer terá que recorrer ao setor privado para elevar investimentos e estimular uma recuperação econômica.\”
O Clarín, da Argentina, destaca um artigo do editor de política internacional do jornal, Marcelo Cantelmi, para quem o Brasil caminha para um \”buraco negro\” ao \”contornar as eleições\”.
O jornalista diz considerar que Dilma reagiu tardiamente à queda na economia e que o Congresso barrou medidas de austeridade que ela tentou implementar em 2015, e afirma que \”todos são culpados\” pela situação atual.
\”Aqui são todos culpados. Mas o erro institucional de ter tirado Rousseff à força deste modo e o precedente inquietante de fragilidade democrática que derrama sobre a região têm um só agravante. O de não ter aprofundado o caminho para convocar eleições antecipadas, que elegeriam um governo eleito para pilotar uma tempestade que não terminartá amanhã e se agravará inevitavelmente\”, conclui.