Transformar a receita de economia doméstica da vovó em regra contábil. A ideia em discussão na elite do universo da contabilidade é como fazer as companhias, especialmente os bancos, pouparem mais em tempos de bonança para terem um colchão de segurança para épocas ruins.
Esse é o assunto que mais tem tomado tempo nos debates do Comitê da Crise Financeira criado em dezembro pelos dois principais reguladores de normas contábeis do mundo, o Iasb, que emite as normas do padrão internacional IFRS, e o Fasb, que cuida das regras americanas.
O objetivo desse grupo, formado principalmente por agentes de mercado que não são contadores, é oferecer um relatório com sugestões ao Iasb e ao Fasb de como a contabilidade pode contribuir para prevenir ou detectar precocemente as crises.
A questão foi parar no universo contábil porque a economia desejada seria feita por meio de uma reserva ou provisão. Hoje, em Nova York, o comitê da crise tratará mais uma vez da questão em seu terceiro encontro, que avaliará a possibilidade de fornecer um pré-relatório para a reunião do G-20 que ocorrerá em abril. A agenda do comitê prevê mais três encontros até julho.
O tema, porém, está longe do consenso, contou Nelson Carvalho, brasileiro que participa do comitê. Professor da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras – Fipecafi (Universidade de São Paulo), o especialista integrava do Iasb até dezembro. No Brasil, é membro do Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
A discussão sobre a economia durante os ciclos positivos, chamada de provisionamento dinâmico ou anticíclico, parte dos reguladores do sistema financeiro e economistas, mas enfrenta forte resistência dos especialistas em contabilidade. A inspiração vem do modelo espanhol.
“Não temos mandato para reformar o sistema financeiro”, destacou Carvalho logo na explicação sobre os objetivos do comitê da crise financeira. Depois, ao comentar a proposta da provisão, aponta suas preocupações: “Não se deve provisionar perdas não incorridas. No mundo contábil, é o mesmo que manipulação de balanço”.
No entanto, nem quem assiste de perto aos debates e nem o professor consegue dizer atualmente as chances de que uma recomendação como essa seja de fato entregue ao Fasb e ao Iasb. O relatório final do grupo só será entregue aos comitês de normas contábeis em meados do ano e não há como estimar se e em quanto tempo as sugestões serão transformadas em regras.
Os economistas entendem que transformar o conservadorismo em regra contábil resolveria as dificuldades de se regular o tema em cada país e ainda criaria um padrão de conduta, mantendo os balanços mundo afora comparáveis e menos voláteis.
Carvalho conta que há outros dois assuntos relevantes que têm concentrado atenção no comitê. Um deles é o já famoso conceito do valor justo, que aplica a marcação a mercado para instrumentos financeiros de bancos e companhias não financeiras. De acordo com o professor, há uma acomodação de humores e um entendimento maior sobre a importância do conceito. No entanto, para os especialistas, há uma certa frustração, pois existe a consciência de que é preciso melhorar sua métrica e aplicação.
É possível que haja uma recomendação de flexibilização da aplicação e de desenvolvimento de novas metodologias, apropriadas à contabilidade. Aplicar o valor justo ao balanço significa colocar a mercado o registro de bens e instrumentos que sejam negociáveis e buscar outros métodos matemáticos financeiros para registro daqueles para o qual não há mercado ativo.
Por fim, a outra discussão do comitê, menos acalorada, mas profunda é a reformulação do modo de apresentação dos balanços. De acordo com Nelson Carvalho está em consideração a dividir as contas das demonstrações financeiras em três grupos: atividade principal do negócio, atividade de financiamento e atividade de investimento. Dessa forma, os leitores e usuários de balanços conseguiriam ver de forma mais transparente a origem dos ganhos das companhias. “É muito mais difícil para quem produz o balanço, mas muito mais amigável para quem lê.”
Grupo Anticrise
Membros do comitê da crise financeira
Johan Bogle, fundador da Vanguard (Estados Unidos)
Jerry Corrigan, do Goldman Sachs e ex-presidente do Federal Reserve de Nova York (Estados Unidos)
Fermin del Valle, ex-presidente do Ifac – Federação Internacional de Contadores (Argentina)
Jane Diplock, presidente do conselho da Iosco, instituição que reúne as principais comissões de valores mobiliários do mundo (Nova Zelândia)
Raudline Etienne, diretora de investimentos do New York State Common Retirement Fund (Estados Unidos)
Stephen Haddrill, diretor geral da Associação Britânica de Seguradoras (Reino Unido)
Toru Hashimoto, ex-presidente do conselho da Deutsche Securities Limited (Japão)
Nobuo Inabal, ex-diretor executivo do Bank of Japan (Japão)
Gene Ludwig, ex-diretor da controladoria de câmbio dos Estados Unidos
Yezdi Malegam, membro da diretoria do National Reserve Bank of India (Índia)
Klaus-Peter Müller, presidente do conselho de supervisão do Commerzbank (Alemanha)
Don Nicolaisen, ex-diretor de contabilidade da US Securities and Exchange Commission (Estados Unidos)
Wiseman Nkuhluk, presidente do comitê de auditoria da AngloGold Ashanti; ex-assessor econômico do presidente da República da África do Sul (África do Sul)
Tommaso Padoa-Schioppa, ex-ministro da finanças (Itália)
Lucas Papademos, vice-presidente do Banco Central Europeu
Michel Prada, ex-presidente do conselho da Autoridade dos Mercados Financeiros (França)
Membros Observadores
Comitê de Supervisão Bancária da Basiléia
Comitê das Comissões de Valores Mobiliários da Europa
Fórum Financeiro de Estabilidade
Associação Internacional de Seguradoras
Agência Supervisora Financeira Japonesa
SEC – Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos
Nelson Carvalho (Brazil)
Dennis Chookaszian, presidente do conselho da FASAC (Estados Unidos)
Agenda de reuniões do comitê de crise
– 20 de janeiro – Londres
– 13 de fevereiro – Nova York
– 5 de março – Nova York
– 20 de abril – Londres
– 22 de maio – Londres
– 10 de julho – Nova York