O governo começa a preparar a estratégia jurídica para rebater questionamentos sobre a constitucionalidade dos projetos de lei que estabelecem um marco regulatório de exploração de petróleo na camada pré-sal, introduzindo o modelo de partilha e aumentando o controle da União sobre a exploração e produção de petróleo e gás no país. O modelo proposto prevê que a Petrobras será a única operadora dos campos da camada pré-sal, no modelo de partilha, com uma participação mínima de 30% nas novas áreas.
Na avaliação de juristas ouvidos ontem pelo Valor, ao conferir à Petrobras a possibilidade de realizar a pesquisa e lavra do petróleo e assinar contratos de partilha, sem a necessidade de licitação, o governo estaria desrespeitando os princípios constitucionais de livre concorrência e de livre iniciativa, por estabelecer “privilégios”- não estendidos às demais empresas – para a companhia estatal.
A pedido do Valor, um órgão de consultoria jurídica do governo avaliou as críticas feitas. Na visão desses assessores, a ausência de licitação para assinar os contratos de partilha não contraria o que prevê o artigo 37 da Constituição Federal. Esse artigo diz que todas as contratações na administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, Estados ou municípios devem ser feitas por meio de licitação pública, que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.
Ocorre que, na avaliação de assessores jurídicos do governo, o inciso 21 do mesmo artigo estabelece que as licitações são obrigatórias, ressalvados os casos especificados em legislação. Portanto, de acordo com o entendimento dos representantes do governo federal, os projetos de lei sobre o pré-sal estariam regulamentando essa possibilidade de exceção prevista no texto constitucional.
Quanto às alegações de que os projetos seriam inconstitucionais ao autorizar que a União confira à Petrobras o direito de pesquisa e lavra do petróleo sem licitação, os assessores do governo defendem o governo por meio de uma construção de previsões constitucionais. Enquanto o artigo 20 determina que são bens da União os recursos minerais, inclusive o subsolo, o artigo 177 estabelece que constitui monopólio da União a pesquisa e lavra das jazidas de petróleo.
Há ainda a ressalva de que a alteração feita durante o governo Fernando Henrique Cardoso, pela emenda constitucional n 6, de 1995, no artigo 177 da Constituição, teria quebrado a previsão de exclusividade de operações à Petrobras, mas mantido o monopólio da União no que diz respeito à pesquisa e lavra dos recursos minerais. Isto significa que, na visão de fontes do governo, a União teria poderes plenos para designar a atividade como bem entender.
Outro alvo dos juristas quanto à inconstitucionalidade dos projetos foram os critérios de unitização – a divisão do petróleo pertencente à União nas fronteiras dos blocos de pré-sal já licitados. Conforme os projetos do governo, a Agência Nacional do Petróleo (ANP), que atualmente detém a competência para arbitrar a unitização nos contratos de concessão já existentes, poderá contratar a Petrobras para avaliar as jazidas a fim de quantificar o petróleo existente em cada bloco. A controvérsia apontada é que isso confere mais um privilégio à Petrobras e resulta em um conflito de interesse, tendo em vista que a própria Petrobras terá a tarefa de avaliar o tamanho da área que terá direito a explorar.
O governo, por sua vez, justifica que a preferência pela Petrobras para fazer a pesquisa de campo para a unitização decorre do fato de que a empresa é a que melhor tem condições tecnológicas no mundo para a exploração de águas profundas. Segundo as fontes do governo consultadas pelo Valor, o direito das empresas que discordarem do laudo elaborado pela Petrobras está assegurado, pois, assim como ocorre atualmente no sistema de concessões, é possível discutir a avaliação em âmbito administrativo na ANP e, caso necessário, na Justiça.