O rombo nas contas externas chegou ao maior nível em 11 anos e acendeu um alerta no governo. No fim de abril, o saldo negativo das transações do país com o exterior, no período acumulado em 12 meses, chegou a US$ 70 bilhões, o equivalente a 3,04% do Produto Interno Bruto (PIB), nível em que normalmente esse tipo de desequilíbrio começa a causar preocupação entre os economistas. Havia mais de 10 anos que esse patamar não era atingido. Caso os números continuem a piorar, o Brasil pode ficar bem mais vulnerável a crises internacionais.
Somente em abril, o déficit alcançou US$ 8,3 bilhões. No primeiro quadrimestre, o rombo foi de US$ 32,2 bilhões, quase o dobro do registrado no mesmo período do ano passado, com incremento de US$ 16 bilhões. Para o Banco Central, o problema tem três origens: os gastos crescentes de turistas no exterior, o saldo negativo recorde da balança comercial e o avanço das remessas de lucros e dividendos das empresas multinacionais para fora do país.
A febre das viagens internacionais, patrocinada por passagens e hospedagem baratas e parcelamentos a perder de vista, tem feito o brasileiro sair do país como nunca. Em abril, os turistas nacionais deixaram US$ 2,1 bilhões em solo estrangeiro, um recorde para o mês. Na contramão, os visitantes que procuram o Brasil como destino turístico ou de negócios desembolsaram US$ 583 milhões. Com isso, o saldo de turismo ficou negativo em US$ 1,52 bilhão. Entre janeiro e abril, as despesas feitas por brasileiros no exterior somaram US$ 8,1 bilhões.
“O aumento da massa salarial real e a expansão do emprego também ajudam a explicar esse avanço das viagens”, observou Túlio Maciel, chefe do Departamento Econômico do Banco Central. “Além disso, boa parte dos países de destino ainda se encontram em recuperação, em uma dinâmica econômica mais lenta, e ali os preços podem estar mais em conta”, argumentou.
A cotação do dólar, em contrapartida, não tem estimulado esses passeios. Maciel lembrou que, no ano passado, a divisa foi negociada, em média, a R$ 1,85. Em 2013 esse valor subiu para algo ao redor de R$ 2. Ontem, a moeda norte-americana fechou na maior cotação do ano, em R$ 2,05 na venda. Mesmo com essa valorização, o turista não deixou de gastar lá fora. Em maio, até o dia 20, as despesas somavam US$ 1,4 bilhão.
Situação ruim
O principal motivo do crescimento do rombo das contas externas, no entanto, tem sido o mau desempenho da balança comercial, resultado da perda de competitividade das empresas nacionais frente às concorrentes globais. De janeiro a abril, o Brasil importou US$ 6,1 bilhões a mais do que exportou — um recorde para esse período. “Os dados do setor externo continuam extrapolando qualquer bom senso”, criticou André Perfeito, economista-chefe da corretora Gradual Investimentos. Para o governo, porém, o saldo comercial deve melhorar a partir dos dados de maio, que vão registrar o início do embarque da safra de grãos para o exterior.
Para Felipe Salto, economista da Tendências Consultoria, por todos os ângulos que se analisem as transações com o exterior, a situação está ruim. As remessas de lucros e dividendos feitas por empresas estrangeiras, por exemplo, cresceram 61,45% na comparação entre o primeiro quadrimestre de 2013 e igual período do ano passado. As filiais de multinacionais no Brasil têm enviado recursos para cobrir prejuízos das matrizes, sobretudo daquelas localizadas em países que enfrentam forte crise, como acontece na Europa.
Risco
As condições severas vividas por outras economias acabam também prejudicando o país no sentido inverso. As empresas brasileiras com unidades lá fora, por exemplo, diminuíram as remessas de lucros para o Brasil. De janeiro a abril, esses recursos somam US$ 247 milhões — 85,9% menos que em igual período do ano passado.
Além disso, o investimento estrangeiro direto (IED), destinado ao setor produtivo, chega em ritmo cada vez mais lento. Esse capital, segundo especialistas, vinha sendo determinante, nos últimos anos, para cobrir o rombo das contas externas. No entanto, neste ano, o volume não tem sido suficiente. Até abril, esses capitais somaram US$ 18,9 bilhões — dinheiro suficiente para financiar apenas 57% do déficit. “Estamos vendo um arrefecimento dos fluxos para o Brasil. Outros países têm sido mais atraentes”, disse Salto. Segundo ele, as seguidas intervenções do governo na economia assustaram os investidores, que passaram a atribuir maior risco ao Brasil. Nações como o México, o Chile e a Colômbia, na América Latina, têm se apresentado como opções mais interessantes.