Ao contrário dos pacotes embrulhados por presidentes americanos, os planos chineses destinados a revigorar a economia costumam produzir bons resultados. Foi assim com o de US$ 585 bilhões lançado em novembro para reverter o desabamento da indústria. Naquele mês, o índice de manufaturas desceu a 38,8, quando qualquer número abaixo de 50 indica contração. O pacote fez com que, mês a mês, a indústria fosse se recuperando até chegar a 49 em fevereiro. Foi pela eficácia das injeções de capital chinesas na economia que o anúncio de que o governo da China prepara mais um pacotão de estímulo desencadeou ontem euforia geral nos mercados globais. Os pregões domésticos sentiram a nova onda de otimismo vinda do outro lado do mundo. O dólar caiu 1,7% e voltou a ser cotado pelo mesmo preço de sexta-feira, os R$ 2,37 de encerramento de fevereiro. A notícia alvissareira provocou uma cisão na curva futura de juros: enquanto os contratos mais curtos caíram, os longos subiram.
A direção díspare denuncia a preparação das carteiras para o caso, ainda altamente improvável, de a crise sofrer uma rápida distensão por causa dos estímulos chineses. Nessa hipótese, enquanto o Copom tenderia a manter os seus planos de curto prazo, alteraria os de longo. A flexibilização monetária seria de curto prazo, enquanto um olhar mais severo já começaria a ser lançado para a inflação de 2010. No entender do economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, apesar da incerteza ser muito grande em relação aos próximos dois anos, não parece haver riscos importantes de descontrole inflacionário no ano que vem. Pelo diagnóstico da consultoria, a atividade deve continuar abaixo do potencial, o que significa que a demanda não deverá ser inflacionária. Ao mesmo tempo, o câmbio tende a ficar estável, sem que a conta corrente apresente problemas de financiamento.
Com demanda fraca e câmbio estável, não há razão para se supor inflação muito acima da meta em 2010. “Apenas um agravamento da crise que pudesse significar uma nova rodada de depreciação cambial poderia trazer alguma pressão. Isso aconteceria num cenário onde outubro do ano passado se repetisse ou que a eleição presidencial de 2010 trouxesse mais volatilidade cambial”, diz Vale. Mas há uma complicação no horizonte: o teste da despolitização do BC se dará num ano de eleição, sem a presença de Henrique Meirelles como seu presidente. Por isso, também são grandes, na opinião de Vale, as chances de um BC mais acomodativo ao longo dos dois próximos anos.
Mas essas considerações não afetam, ou não deveriam afetar, o Copom marcado para quarta-feira. O DI mais curto, com vencimento em abril, recuou 0,04 ponto, para 11,89%, enquanto o contrato para maio cedeu 0,05 ponto, a 11,70%. O CDI para a virada do ano subiu de 10,67% para 10,68%. E a taxa para janeiro de 2011 (ou seja, a última Selic do governo Lula) avançou de 10,97% pata 11,07%. Com essa nova feição da curva futura, o mercado descarta completamente a possibilidade de a Selic descer a um dígito este ano ou em 2010. Isso só aconteceria se o sucessor de Meirelles, após a sua desincompatibilização, fosse um desenvolvimentista. Nota técnica emitida ontem pelo IPEA mostrou o que isso significa. Assinado pelo diretor de Estudos Macroeconômicos, João Sicsú, o documento mostra ser possível um corte drástico da Selic, dos atuais 12,75% para 7%, sem efeitos negativos sobre a inflação. A baixa, se gradual, proporcionaria uma economia de despesa de R$ 30 bilhões, capaz de compensar a perda de arrecadação para este ano, estimada em R$ 25 bilhões. Além de quebrar as expectativas empresariais negativas desencadeadas pela crise externa, a redução de 5,75 pontos aumentaria os recursos a disposição do governo para investimentos anticrise.
O dólar foi empurrado ontem para baixo por três fatores de peso. O primeiro foi a esperança de atenuação da crise pelo pacote chinês. O segundo, a divulgação pelo BC do fluxo cambial de fevereiro, positivo pela primeira vez em cinco meses. O terceiro foi a entrada, registrada logo cedo no Sisbacen, de US$ 800 milhões em capital estrangeiro de investimento financeiro. Não teve como os hedge funds “comprados” em dólar futuro segurarem a queda, apesar de uma contradição nos dados do BC notada pelo corretor Sidnei Nehme, diretor da NGO Câmbio. Se o superávit cambial de fevereiro foi de US$ 841 milhões, se o BC só vendeu à vista no mês US$ 326 milhões e se os bancos terminaram janeiro carregando posições compradas à vista de US$ 701 milhões, então esta posição no final de fevereiro deveria ser de US$ 1,868 bilhão, e não de US$ 953,6 milhões como está no site do BC. “Onde foram parar esses US$ 914,4 milhões?”, pergunta Nehme.