A constatação de que empresas exportadoras voltaram a especular no mercado de derivativos, com operações semelhantes às que provocaram crises na Sadia e na Aracruz no ano passado, foi o principal motivo para a circular divulgada na noite de quarta-feira pelo Banco Central, exigindo registro dessas operações, em alguma câmara de compensação (clearing). Mais que precaução, a medida é uma tentativa de conter o movimento, já verificado pelo Banco Central, de reprodução dessas práticas nocivas, de antes da crise.
A legislação não proíbe os chamados “contratos de gaveta” para os derivativos, operações firmadas entre empresas e instituições sem registro oficial. Segundo resume um integrante da equipe econômica, com a circular, número 3.474, divulgada há dois dias, esses contratos ficam proibidos, e terão de ficar à disposição das autoridades fiscalizadoras.
O Valor, em outubro, noticiou o movimento das empresas de venda de moeda estrangeira no mercado futuro e outras operações de risco, assumidas como forma de compensar a excessiva valorização do real em relação ao dólar. Segundo operadores de mercado, nesse mês era possível constatar que as operações de derivativos, envolvendo a venda de dólares pelas empresas no mercado futuro, estavam 10% superiores à média do primeiro semestre, embora ainda abaixo do registrado em 2008. As empresas estariam, porém, dando preferência a instrumentos menos sofisticados, como as opções, mecanismo pelo qual o investidor se compromete a comprar ou vender dólar, numa data futura, a um valor prefixado.
O governo tem indicações de que algumas grandes empresas têm assumidos riscos maiores, o que ameaçaria criar problemas como os da Sadia, Votorantim e Aracruz, vítimas de prejuízo bilionário e motivo de dores de cabeça para os gestores da política econômica, na administração dos efeitos da crise financeira. Sem dados precisos sobre o tamanho do problema, a equipe, segundo um de seus integrantes, resolveu baixar a circular do BC para obrigar os empresários a darem maior transparência às operações e, com isso, adotar medidas para reduzir riscos em caso de mudança no cenário.
O BC estima que há o uso de derivativos em cerca de 5% dos quase US$ 700 milhões mensais captados pelas empresas e bancos no exterior. São instrumentos que podem aumentar o custo das dívidas das empresas em caso de valorização brusca do dólar. No caso das empresas, a Comissão de Valores Mobiliários poderá exigir depósito de garantias, caso constate riscos excessivos nas operações registradas a partir da circular do BC. Se o mesmo acontecer com os bancos, a exigência poderá partir do BC.
Preocupados com a situação dos exportadores, os integrantes da equipe econômica que participam do grupo de Acompanhamento do crescimento (GAC, antes chamado Grupo de Acompanhamento da Crise) preparam também medidas para dar maior competitividade a setores como as indústrias produtoras de máquinas e equipamentos para produção, os chamados bens de capital.
Estão em estudo medidas para facilitar o financiamento do BNDES a esses exportadores, principalmente nas vendas à América latina e à África Ocidental.
Foi a necessidade de reforçar a equipe do Ministério da Fazenda para a formulação dessas propostas um dos principais motivos para a transferência do economista Emílio Garófalo Filho, do Banco Central, à equipe do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Anunciada nesta semana e recebida pelo mercado como sinal de medidas mais duras contra a valorização do real, a mudança de Garófalo estava programada desde junho, mas foi retardada por razões burocráticas. A renitente valorização do real deu mais argumentos a Mantega para garantir a transferência.
Garófalo, grande conhecedor de política financeira internacional, ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, não chegou a participar de discussões anteriores, como a da aplicação de IOF de 2% sobre a entrada de capital estrangeiro no Brasil – se consultado, teria sugerido uma alíquota maior. Ex-consultor da Câmara de Comércio Exterior (Camex), ele, entre suas atribuições, fará as negociações com outros países para adoção do Sistema de Comércio em Moeda Local, já adotado com a Argentina e em elaboração com o Uruguai.