As últimas semanas foram fartas de manifestações do setor privado sobre a 15ª Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP-15), em dezembro, na Dinamarca, o encontro de lideranças que poderá decidir a velocidade com que o mundo entrará na chamada “economia de baixo carbono” a partir de 2012.
No Brasil, essa fila começou a ser puxada no final do mês passado, quando um grupo de 22 empresas encabeçadas pela Vale (entre elas Aracruz, Votorantim, OAS, Grupo Orsa e Pão de Açúcar) lançou a “Carta Aberta ao Brasil sobre Mudanças Climáticas”, manifesto no qual assume compromissos de redução de emissões e cobra do governo um papel de liderança nessa discussão.
Ao documento, concebido em conjunto com o Fórum Amazônia Sustentável e o Instituto Ethos, seguiram-se uma série de outros, de conteúdo semelhante, como o do CEBDS (Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável), assinado por empresas como Bradesco, Gerdau, Nestlé, Philips e Petrobras, entre outras. Ou o da Aliança Brasileira pelo Clima, que teve como signatários 14 entidades representativas do agronegócio e da bioenergia.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) também divulgam nos próximos dias um documento conjunto com a posição oficial da indústria sobre as questões que serão debatidas na COP-15.
Tantas manifestações e pedidos de assinatura chegaram a confundir os próprios empresários, que a partir de determinado momento não sabiam mais qual documento estava “valendo” ou qual era o “quente”, segundo relatou um deles.
No exterior, os manifestos de maior peso ocorreram na semana passada, durante as reuniões paralelas à do G-20. Em Nova York, um grupo de mais de 400 CEOs de grandes nomes da indústria global (Alcoa, Shell, Santander, Adidas, Ericsson etc.) entregaram ao secretário geral da ONU, Ban Ki-Moon, um documento com posições consensuais do empresariado sobre a COP-15.
Outros documentos semelhantes também foram divulgados nos Estados Unidos, Europa e Ásia, como os do World Economic Forum e o do Grupo de Líderes Corporativos sobre Mudanças Climáticas. “Todo mundo diz que os brasileiros sempre deixam as coisas para a última hora. Desta vez, todos deixaram”, resumiu à Folha o físico José Goldemberg.
Questão econômica
O que explica tamanho (e inédito) interesse do setor privado por uma questão ambiental, segundo os especialistas, é o fato de que ela passou definitivamente a ser, também, uma questão econômica.
“Grande parte das empresas está assumindo que o padrão de desenvolvimento vai mudar para uma economia de baixo carbono. E sabem que, para sobreviver nesse ambiente, terão de participar de uma corrida de inovação tecnológica que demandará enormes investimentos”, diz o presidente do Instituto Ethos, Ricardo Young. “Nos países em que ainda não há uma definição clara sobre metas de redução, caso do Brasil e dos EUA, as empresas ficam agoniadas, pois simplesmente desconhecem o tamanho do desafio que têm pela frente.”
Cada segmento empresarial tem preocupações específicas. As grandes multinacionais, por exemplo, podem enfrentar assimetrias na questão do carbono por conta das legislações específicas de cada governo, assim como ocorre hoje com as questões tributárias, agregando mais um elemento ao seu planejamento estratégico.
O setor financeiro aguarda com expectativa uma possível migração de bilhões de dólares em recursos para novos setores da economia, especialmente os ligados a energias de fontes renováveis. No agronegócio, o drama é ainda maior, uma vez que as mudanças climáticas têm influência direta nas zonas agricultáveis e nas safras.
“Claro que há entidades e empresas que aproveitam essa “moda” das questões climáticas de maneira oportunista, que assinam um documento somente para posar bem na foto. De qualquer maneira, elas estão se expondo publicamente a questionamentos sobre sua responsabilidade nessas questões. E um dia serão cobradas em função dessa atitude. Ou seja, esse é um movimento importante”, afirma o coordenador do Programa de Mudanças Climáticas e Energia do WWF-Brasil, Carlos Rittl.
O economista José Eli da Veiga, da USP, acrescenta que muitas das propostas encabeçadas pelo setor privado revelam, nos detalhes, o interesse de que as novas tecnologias a serem adotadas estejam em linha com seus próprios interesses comerciais. “Essas manifestações são bastante heterogêneas, e é preciso cuidado para separar o joio do trigo”, ilustra.
A influência das manifestações empresariais sobre as decisões de cada governo na COP-15 ainda é uma incógnita, uma vez que grande parte dos países, entre eles o Brasil, vem preferindo deixar para a última hora seu posicionamento oficial sobre metas de redução e os mecanismos para alcançá-las.
No caso brasileiro, há quem acredite que a manifestação das empresas será positiva, inclusive para uma meta mais agressiva de redução das emissões, com apoio do setor privado. “Até então as expectativas em relação ao Brasil eram de uma posição muito mais focada na questão do desmatamento. Essa convergência do setor empresarial mostra que podemos ir além”, diz, Marina Grossi, diretora do CEBDS.