Tirar de quem supostamente tem maior poder aquisitivo para garantir uma tarifa de ônibus mais baixa. Esta é a proposta da vez para subsidiar a redução das passagens de ônibus.
A ideia, defendida pela Frente Nacional dos Municípios (FNM), prevê que os donos de veículos pagariam um combustível com preço mais alto para garantir a tarifa mais baixa nos coletivos.
Se aprovada, a iniciativa rebaixaria a passagem em Porto Alegre de R$ 2,80 para R$ 1,60, mas elevaria o preço da gasolina de R$ 2,71 para R$ 3,21. A proposta é embasada por um estudo preliminar da Fundação Getúlio Vargas (FGV). A simulação foi apresentada pelo pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da FGV, Samuel Pessôa, em seminário realizado na terça-feira, em São Paulo, e sugere que uma alta de R$ 0,50 no preço da gasolina na capital paulista, por meio da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), poderia reduzir a tarifa dos ônibus na cidade de R$ 3 para R$ 1,20.
Aplicada no sistema de transporte de Porto Alegre, a mesma lógica reduziria as passagens em R$ 1,20. Desde abril, quando uma medida judicial fez com que a tarifa voltasse ao valor de 2012 (R$ 2,85), são buscadas outras formas de baratear o transporte público. Em julho, foi aprovada a redução para R$ 2,80 com isenção do pagamento do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) pelas empresas de ônibus.
Não há previsão de prazo para ideia ser levada ao Congresso
A redução das tarifas de ônibus por meio da cobrança da Cide combina com as atuais políticas de priorização do transporte público sobre o individual. Mas o debate deverá ser árduo, em razão da previsão de aumento de imposto — quem tem carro terá de pagar a conta, o que deve ser uma dor de cabeça para o governo.
O presidente da Associação da Classe Média, Fernando Bertuol, lamenta a possibilidade de retorno da Cide, que não é cobrada desde junho de 2012:
— Batalhamos pela queda da carga tributária. Mas, de novo, a solução passa pelo aumento na carga tributária.
A FGV está desenvolvendo um aplicativo, pelo qual os dados de qualquer município poderão ser usados para simular a tarifa de ônibus, considerando a cobrança da Cide. Presidente da FNP, o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, diz que a ideia está sendo discutida com centrais sindicais e movimentos populares. Ainda não há previsão de quando a proposta poderá se tornar um projeto de lei no Congresso.
Efeito nos índices de preços seria difícil de mensurar
Um dos possíveis efeitos da redução da tarifa e do aumento da gasolina poderiam ser uma alta na demanda por transporte coletivo. O professor do curso de Transporte Terrestre da Ulbra Vilson Vitoria Machado questiona a capacidade das companhias de ônibus de transportarem ainda mais passageiros, em sistemas como o de Porto Alegre, onde, nos horários de pico, os veículos já circulam lotados.
Para o professor de Economia da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador do Índice de Preços ao Consumidor (IPC-Fipe), Rafael Costa Lima, porém, a tarifa menor não necessariamente incentiva a população a usar mais ônibus. Segundo ele, outros fatores precisam ser levados em consideração, como a qualidade do serviço.Como o transporte urbano tem peso maior do que a gasolina nos índices de preços, Lima diz que, em um primeiro momento, haveria queda da inflação com o aumento da Cide. Porém, como a contribuição tem impacto em todos os combustíveis — incluindo diesel e álcool —, a medida teria um efeito colateral indesejado: o aumento no custo de transporte de bens de serviços.
— O preço do frete mais caro traz consequências para o bolso do consumidor. Mas esse é um efeito mais difuso, difícil de mensurar — diz.
Valor defasado pressiona reajustes
Criada para financiar programas de infraestrutura de transportes, a Cide tem desempenhado outro papel importante na economia: evitar que o dragão da inflação alce voos maiores. De olho no aumento de preços, o governo federal reduziu gradativamente a alíquota, até zerá-la em junho de 2012.
A estratégia deu certo e impediu por diversas vezes que reajustes no custo do petróleo no Exterior chegasse às bombas brasileiras. Entretanto, isso não foi suficiente para evitar que o preço do barril continuasse subindo no mercado externo.
De lá para cá, sem a possibilidade de reduzir ainda mais a taxa, já zerada, o governo tratou de impedir que a Petrobras repassasse o aumento de custo para as refinarias. A exceção foi no final de janeiro quando o preço da gasolina avançou 7,83%, e o diesel, 3,94%.
A manutenção artificial do preço dos combustíveis resultou em uma situação incomum. A petrolífera vende combustível mais barato do que compra no mercado internacional. Atualmente, essa diferença, impulsionada em grande parte pela alta do dólar, chega a 20% na gasolina e 31% no diesel.
— O reajuste do início do ano não conseguiu resolver a defasagem entre o preço aqui e lá fora. Com esse cenário, o mercado espera um novo reajuste para setembro. Como a diferença é maior e o impacto na inflação é mais lento, é possível que o governo opte por aumentar o preço do diesel primeiro e só depois a gasolina — projeta o economista Valter de Vito, da Tendências consultoria.
O QUE SUGERE O ESTUDO DA FGV
— O preço da gasolina em São Paulo, na média de R$ 2,699, seria elevado em R$ 0,50, para R$ 3,199.
— O valor da Cide serviria para subsidiar o valor das tarifas de ônibus nos municípios, o que resultaria em uma queda de R$ 3 para R$ 1,80 em São Paulo.
— Na simulação, a medida causaria deflação de 0,026% no Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), beneficiando 78% da população.
— Os números são preliminares e não consideram a alteração da demanda em função da variação de preços.