Apesar de recente e acompanhada de incertezas mundo afora, a alta do dólar começa a mudar as perspectivas dos setores industriais e comerciais. Se confirmada no médio e longo prazos, a desvalorização do real vai dar fôlego a setores altamente desfavorecidos pelo período de dólar barato. Enquanto isso, quem importa está adotando cautela, e pode segurar as encomendas na busca de preços mais competitivos.
Essa é a principal orientação da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Porto Alegre (CDL- Porto Alegre). Após uma reunião com foco na atual cotação do dólar, na tarde de ontem, a entidade está recomendando que seus associados aguardem para fazer os pedidos de inverno, já que as compras para a temporada primavera-verão foram finalizadas. O vice-presidente da CDL-Porto Alegre, Alcides Debus, acredita que a alta acentuada não deve permanecer por muito tempo. De acordo com ele, o Banco Central tem ferramentas suficientes para conter um avanço ainda maior da moeda americana. “Imaginamos que antes do fim do ano o dólar deve voltar atrás”, afirma o dirigente.
Já para os setores moveleiro, calçadista e de máquinas e equipamentos, a alta sinaliza a possibilidade de reverter um processo de perda de competitividade. O presidente da Associação das Indústrias de Móveis do Rio Grande do Sul (Movergs), Ivo Cansan, lembra que o real desvalorizado é sinônimo de melhoria na negociação de preços. “Se realmente esse índice de desvalorização do real se confirmar no médio prazo, com certeza vai ser um fator muito positivo para as exportações”, destaca.
A ressalva feita pelo presidente da Movergs é que o possível aumento das exportações vindo com a cotação também pode incidir na demanda por insumos. Cansan revela que já existem comentários do mercado que a alta pode fazer com que matérias-primas, como resinas e polipropileno fiquem escassos para produção. “Como teremos que exportar mais para ganhar mais e podem faltar materiais aqui dentro, a indústria vai se beneficiar ou ser onerada?”, indaga. Para a entidade, o patamar ideal do dólar seria entre R$ 1,70 e R$ 1,80.
A faixa idealizada pela Movergs vai ao encontro da proposta estabelecida pelo Banco Central, como lembra o especialista em commodities da XP Investimento, Tito Gusmão. “Quando o dólar alcançou o teto não agradou os importadores e na baixa não agradou os exportadores, então é preciso chegar numa mediana e parece que o BC fixa isso entre R$ 1,70 e R$ 1,80”, frisa. Gusmão lembra que a cotação nunca vai agradar a todos os setores, e que todos os países estão em busca de uma desvalorização para aquecer seus mercados internos.
O vice-presidente da regional sul da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), Hernane Cauduro, projeta que o patamar mais adequado ao setor seria o dólar valendo entre R$ 2,10 e R$ 2,20. Ele afirma que as negociações de novos equipamentos ainda sofrem com o hiato relacionado à alta repentina, com investidores tímidos para aquisições. A entidade está cuidadosa sobre dar uma visão clara de mercado. Ainda assim, Cauduro observa que o câmbio, da maneira como se apresenta, é bem vindo na luta contra a desindustrialização. “A indústria de máquinas começa a ser um pouco mais competitiva com o câmbio nessa situação.”
Real forte favorece renda, mas volatilidade preocupa segmentos do agronegócio brasileiro
Marcelo Beledeli
Analistas do agronegócio acreditam que o setor não deverá ser muito atingido pela alta no dólar. No setor de grãos, por exemplo, o impacto sobre o custo de produção da safra atual deverá ser muito pequeno, uma vez que grande parte dos insumos necessários já havia sido comprada antecipadamente pelos agricultores.
O analista André Pessôa, sócio-diretor da Agroconsult, prevê problemas localizados, em alguns casos de produtores que compraram defensivos para pagar em abril. Ele destaca o efeito positivo da valorização do câmbio sobre a receita. “A subida do dólar mais do que compensou a queda das cotações das commodities agrícolas”, disse.
Pessôa se mostra apreensivo em relação ao médio prazo, uma vez que a volatilidade gera insegurança nos agricultores, em função do possível descasamento da cotação do dólar entre a compra do insumo e a venda da produção. Ele acredita que a volatilidade, tanto do câmbio como das cotações das commodities, deve permanecer durante os próximos meses, “o que é ruim para o agricultor.”
Um setor que poderá ser beneficiado pela alta do dólar é o de carnes. De acordo com Alex Lopes da Silva, analista da Scot Consultoria, a valorização do real frente à moeda americana foi um dos principais fatores para a redução das exportações do setor em 2011. De acordo com os dados da Abiec, de janeiro a agosto, o volume total de vendas de carne bovina brasileira para o exterior caiu 19,16% em relação ao mesmo período do ano passado, chegando a 718,1 mil toneladas.
A redução não chegou a se refletir em diminuição de receita, uma vez que a elevação dos preços internacionais fez com que as exportações brasileiras rendessem US$ 3,464 bilhões, 3,29% a mais do que nos oito primeiros meses de 2010. No entanto, isso significa uma menor procura do mercado pela carne nacional. “O Brasil tinha a vantagem de apresentar uma carne de qualidade, grande volume de produção e preço barato. Com a valorização do real, perdemos um desses tripés, justamente numa época em que a crise na Europa e Estados Unidos reduz as compras dessas regiões”, explica Lopes da Silva.
Segundo o analista, embora o aumento do dólar possa contribuir para as retomar as exportações de carne, ele ocorre em um momento desfavorável para as vendas. “Logo chegará o inverno no hemisfério Norte, quando alguns portos congelam e não podem receber produtos, e também ocorrem férias escolares. Isso pode anular alguns efeitos benéficos do novo câmbio, impedindo o aumento do volume exportado.”
Em relação aos fertilizantes, caso a alta do dólar se mantenha, isso deverá prejudicar ainda mais os agricultores, que já enfrenta