A União Química Farmacêutica Nacional veio se unir à lista de no mínimo 13 empresas brasileiras, pequenas e médias, que entraram na Justiça contra os bancos por conta de perdas nos contratos de derivativos cambiais fechados antes da maxidesvalorização do real do fim do ano passado, segundo um levantamento feito pelo Valor. É um número pequeno, considerando-se que mais de 800 empresas podem ter sido afetadas. No Brasil, as maiores posições eram da Votorantim, Aracruz e Sadia, mas nenhum delas questionou seus contratos na Justiça. “Não houve uma grande onda de ações na Justiça e, na sua maior parte, os contratos de derivativos foram validados”, diz Fernando R. de Almeida Prado, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Segundo o advogado, as companhias que optaram pela via judicial “não têm obtido decisões especialmente favoráveis, mas têm conseguido adiar temporariamente os pagamentos de forma a ter fôlego para negociar com os bancos”. Por enquanto, houve somente um julgamento de mérito na primeira instância da Justiça, em Santa Catarina, e a decisão foi favorável ao banco.
Mas, de 14 ações levantadas pelo escritório Wald e Associados Advogados e pelo Valor em Santa Catarina, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul, 8 obtiveram liminares autorizando a suspensão do pagamento das dívidas sem que os nomes das companhias fossem para a lista de inadimplentes. O resto das ações teve liminares indeferidas ou deferidas e depois derrubadas. Mas, mesmo com liminar, a maioria das empresas teve de depositar valores em juízo como caução, mesmo que não tenha sido o valor total da dívida. Isso traz aperto de caixa e insegurança às companhias, que muitas vezes têm seus ativos alienados e acabam forçadas a negociar.
“A Justiça está se deparando com uma situação inovadora, pois não havia questionamentos desse tipo antes de setembro”, diz Almeida Prado. Segundo ele, há duas teses principais defendidas pelas empresas. A primeira é a de desequilíbrio nos contratos – os bancos tinham suas perdas limitadas e as empresas, não. A outra é a teoria da imprevisão – a valorização do dólar, que foi do nível de R$ 1,55 para R$ 2,40 em razão da quebra do Lehman Brothers e do congelamento no crédito mundial, seria um evento imprevisível, gerador de desequilíbrio, o que autorizaria a revisão dos contratos. Outras empresas sustentam ainda que os bancos teriam oferecido as operações com derivativos a clientes sem o perfil adequado e não teriam explicado adequadamente os riscos envolvidos, o que autorizaria a anulação dos contratos por violação à boa-fé.
Foi a teoria da imprevisão que foi alegada pela Cisframa em uma ação judicial que tentou anular um contrato de Adiantamentos de Contratos de Câmbio vinculado a uma operação a termo de dólar com o HSBC. Mas a ação foi julgada improcedente pela juíza Janine Stiehler Martins, da primeira instância da Justiça em Santa Catarina. Segundo ela, “a ‘imprevisão’ alegada estava ‘prevista’ nos instrumentos contratuais”. Em sua decisão, ela diz ainda que “não restou identificada qualquer cláusula que colocasse limites de perdas financeiras tão somente no que concerne unicamente a uma das partes”. Ainda segundo a juíza, esses são justamente os “fundamentos para indeferir qualquer revisão ou mesmo resolução do contrato.”
O advogado Eduardo de Barros, do escritório Maran, Gehlen & Advogados Associados, vê vitórias das empresas, principalmente quando os contratos foram claramente não-equânimes. Ele defende uma companhia do setor alimentício do Paraná que conseguiu uma liminar contra o HSBC sem a necessidade de depósito de caução. “Os prejuízos do banco estavam travados e os da empresa, não”, afirma.
Os advogados que defendem os bancos dizem que as empresas ganharam por anos com os contratos de derivativos e não reclamavam na época. Alegam também que os contratos foram assinados e eram soberanos. “Enquanto o real se encontrava valorizado e eram credoras dos bancos, as empresas cumpriram os mesmos contratos que ora questionam em virtude de terem se tornado devedoras, o que reduz as chances de êxito das ações em curso”, dizem os advogados Alexandre de M. Wald e André de Luizi Correia, sócios do escritório Wald e Associados Advogados, em artigo no Valor.
A liminar da empresa do setor alimentício contra o HSBC já foi a julgamento na quarta-feira no Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) e a relatora, Rosana Andriguetto de Carvalho, negou o pedido de suspensão. O julgamento foi adiado, pois um dos dois outros juízes que julgará a ação pediu vista do processo. Outra ação da mesma empresa do setor alimentício movida contra o Santander obteve uma liminar impedindo o banco de cobrar a dívida, mas ela foi derrubada. “A desigualdade não era tão gritante nesse caso”, argumenta Barros, que diz que hoje a empresa está negociando com o Santander e pode chegar a um acordo em breve.