Estados poderiam tributar serviços de big techs, diz Marcos Pereira
31 de julho de 2025Usucapião como limite temporal para reconhecimento da fraude à execução fiscal
31 de julho de 2025Revela-se bastante comum o cenário no qual Cartórios de Registro de Imóveis exigem, para efetivarem o registro de contratos de cessão de promessa de compra e venda, o pagamento do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis) relativo às transações anteriores não levadas a registro.
Em outras palavras, se um contrato inicial de promessa de compra e venda de um imóvel passar por outras cessões, se exige que o último a levar o título a registro comprove o pagamento ou a desoneração de tantas quantas forem as cessões anteriores.
Com efeito, sabe-se que a incidência do ITBI recai exclusivamente sobre as transações onerosas envolvendo bens imóveis. Todavia, não há como olvidar que não é qualquer transação envolvendo estes mesmos bens que será alvo da incidência tributária.
Nesse sentido, primeiramente, é de se constatar que já se encontra pacificado na doutrina e na jurisprudência, em especial das Cortes Superiores, a não incidência do referido imposto no contrato simples de promessa de compra e venda.
A uma, porque o artigo 156, inciso II, da CF/88, prescreve como um dos fatos geradores do ITBI a “cessão de direitos a sua aquisição”, e não o contrato originário de promessa consistente na mera expectativa de transmissão da propriedade.
Não há, assim, como um contrato de natureza preliminar, sujeito claramente às incertezas e a meras expectativas na concretização do negócio, se configurar em um perfeito título translativo de propriedade de bem imóvel, apto a ser alvo de ITBI.
Mais, é de se extrair a lição civilista por meio da qual se ensina que a propriedade de bens imóveis só se transmite com o devido registro no Cartório, não se falando em transmissão de propriedade com o mero acerto de vontades entres as partes ou mesmo com a elaboração de contrato particular:
Código Civil. Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código.
Logo, de rigor se concluir que, por força legal, um mero contrato particular de promessa de compra e venda não levado a registro não é capaz de, per si, transmitir, por ato inter vivos, qualquer direito real sobre bem imóvel.
Noutro giro, merece especial atenção a questão relativa à incidência do mesmo imposto quando da cessão destes contratos, o que, à primeira vista, poderia indicar a subsunção do negócio à hipótese de incidência descrita pela norma.
Todavia, tomando de empréstimo a mesma fundamentação exposta aqui, o raciocínio parece não ser tão taxativo, uma vez que não será todo contrato de cessão de promessa de compra e venda fato imponível de ITBI.
Esta matéria, inclusive, chegou ao Supremo Tribunal Federal, por meio do ARE 1.294.969 RG/SP, no qual o Município de São Paulo pretendeu reformar o acórdão proferido pela 18ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que havia decidido pela não configuração do ITBI na cessão.
No caso, inicialmente, após conhecer do agravo e consequentemente do recurso extraordinário, o ministro relator, o ministro Fux, entendeu que a matéria já se encontrava pacificada na corte, citando, na assentada, diversos precedentes anteriores, nos quais se havia fixado que o ITBI só recairia quando da efetiva transferência da propriedade, isto é, com o registro imobiliário.
Na ocasião, foi ainda proposta a seguinte tese: “O fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a efetiva transferência da propriedade imobiliária, que se dá mediante o registro” (Tema 1.124).
Por unanimidade, no mérito, foi reafirmada a jurisprudência dominante sobre a matéria e negado provimento ao recurso do Município de São Paulo.
Ocorre que, mais tarde, por ocasião do julgamento de embargos, o tribunal, por maioria, entendeu que a questão colocada gozava de caráter distinto daquela matéria de fundo sobre a qual se assentava toda a jurisprudência citada pelo relator.
É dizer, o tribunal ainda não havia se manifestado expressamente sobre a incidência do tributo nas cessões de contrato, mas tão e simplesmente no contrato originário de promessa de compra e venda.
No entanto, não obstante o recurso extraordinário em questão ainda restar pendente de decisão definitiva, imperioso reconhecer que as premissas firmadas no acórdão anterior permanecem válidas e aplicáveis aos casos análogos, na linha do que é traduzido pelo brocardo latino “ubi eadem ratio, ibi idem jus” (onde houver o mesmo fundamento, haverá o mesmo direito).
Assim, se o fato gerador do ITBI somente se perfectibiliza com o registro imobiliário e não meramente com a entabulação contratual, não há fundamento idôneo a exigir o pagamento do referido imposto também no caso de contrato de cessão, notadamente quando esta não foi levada a registro.
Isto porque, repisando o evidente, somente o registro imobiliário é apto a transmitir direitos sobre bens imóveis e não o mero contrato particular.
Em outras palavras, somente haverá incidência do tributo na cessão do contrato de promessa de compra e venda quando esta for efetivamente levada a registro, não importando quantas forem as cessões anteriores entabuladas, mas não registradas.
Nesse sentido, toma-se licença para se extrair trechos do então voto unânime relatado pelo ministro Fux, a demonstrar de maneira clara como a fundamentação anterior é também perfeitamente aplicável ao caso:
[…] No mérito, afirma, em síntese, ser “exigível o ITBI incidente sobre a cessão dos direitos decorrentes do compromisso de compra e venda noticiado na inicial, negócio intermediário entre a celebração do compromisso em si (negócio originário) e a venda a terceiro comprador (negócio posterior).” Argumenta que, para fins “de incidência do ITBI sobre cessão de direitos decorrentes de compromissos de compra e venda, é absolutamente irrelevante, à luz do disposto pela norma constante do art. 156, II, 3ª parte, da Constituição da República, se tenha levado o respectivo título a registro.”
[…]
Cumpre delimitar a questão controvertida nos autos, qual seja: possibilidade de incidência do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) em cessão de direitos de compra e venda, mesmo sem a transferência de propriedade pelo registro imobiliário.
[…]
O acórdão recorrido, ao manter a sentença concessiva da segurança, consignou que referida obrigação tributária nasce com o registro no cartório de imóveis. Por oportuno, transcrevo trecho do voto condutor:
“Com efeito, o artigo 156, inciso II, da Constituição Federal estabelece a competência tributária para instituir e cobrar o ITBI: ‘Compete aos Municípios instituir impostos sobre: II – transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição’. Assim, a exigência do ITBI ocorre com a transferência efetiva da propriedade, que se dá com o registro imobiliário, não se operando na cessão de direitos, como pretendido pelo Município. (…) Com efeito, é descabida a exigência tributária feita pelo Município, no que tange ao recolhimento do ITBI, vez que a obrigação tributária nasce com o registro imobiliário ; já que não se admite a incidência do tributo sobre bens que não tenham sido transmitidos.” (Doc. 8, p. 3-5, grifei)
Como se observa, o acórdão recorrido está em sintonia com o entendimento pacífico desta Corte no sentido de que, o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, que se dá mediante o competente registro. […]
Nessa linha, aplicando a mesma lógica de fundamentação, eis acórdãos recentes do Tribunal de Justiça de Minas Gerais sobre a matéria em espécie:
Diante de tudo quando dito, ainda que pendente de definição expressa pelo STF, pode-se ver que o caso guarda perfeita sintonia com a fundamentação consignada nos precedentes anteriores produzidos pela mesma Corte.
Logo, adotando a mesma razão de decidir, imperioso reconhecer a não incidência do ITBI nos contratos de cessão de promessa de compra e venda não levadas a registro.
Fonte: Conjur
