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SÃO PAULO e BUENOS AIRES – A presidente argentina Cristina Kirchner está tomando medidas populistas para distrair o povo e tirar do foco das atenções notícias negativas sobre a economia do país. Essa é a opinião de especialistas sobre a expropriação da espanhola Repsol determinada na segunda-feira pela Argentina, num momento em que o país também retoma com o Reino Unido a polêmica sobre a posse das Ilhas Malvinas.
— Comprar brigas com as duas monarquias é uma forma de exacerbar o nacionalismo argentino. Essa é a continuação do peronismo — avaliou o especialista em direito internacional Fernando Zilveti, professor da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP).
— A Argentina vai de mal a pior, e Cristina está tentando tapar o sol com a peneira. Ela quer encobrir os problemas argentinos e distrair o povo — reforça o cientista político americano David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília (UnB), acrescentando que tanto a expropriação da petroleira espanhola quanto a retomada do caso das Malvinas “estão sendo feitos para encobrir os problemas argentinos”.
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O cientista político critica fortemente a expropriação da empresa espanhola do país latino-americano. Para ele, reestatizar representa um regresso no tempo.
— Não há por que privatizar e, depois, estatizar novamente. No mundo, todo a privatização se mostrou boa. As empresas têm expansão, tornam-se mais eficientes, enxutas e, consequentemente, trazem incremento à economia.
Expropriação pode atingir outras empresas
Segundo Fleischer, se a Espanha levar a fundo o caso da Repsol, corre o risco de ter outras grandes empresas instaladas na Argentina expropriadas.
— Não dá para garantir, mas há em território argentino a Telefónica e o Santander, entre outras empresas, que agora podem ser prejudicadas — avaliou ele.
Para Zilveti, da FGV-SP, também existe esse risco. Ele afirma que haveria no país vizinho um excessivo desrespeito à iniciativa privada e à segurança jurídica.
— Eles arrumam motivo para brigar. Acho, inclusive, que as empresas brasileiras têm de ficar atentas neste momento — alertou.
Antes do anúncio da expropriação da Repsol-YPF, segunda-feira passada, o governo da presidente Cristina Kirchner estava mergulhado numa delicada crise interna, provocada pelo crescimento de um escândalo de corrupção envolvendo o vice-presidente do país, Amado Boudou. O chamado “Boudougate”, caso sobre a suposta ajuda dada pelo vice argentino a um empresário amigo para adquirir a maior empresa gráfica do país, a Ciccone, era manchete dos principais jornais argentinos quase todos os dias. A Justiça está avançando em suas investigações, e Boudou foi obrigado a fazer um pronunciamento ao país na quinta-feira da Semana Santa, para tentar explicar o imbróglio em que está metido.
Há dois dias, não se fala mais no assunto. A estatização de 51% das ações da Repsol passou a ser a questão mais importante a ser debatida por governo e oposição. Ontem, os senadores da oposição argentina, que até a semana passada pediam explicações públicas ao vice-presidente, passaram a tarde participando de uma discussão com autoridades do Executivo sobre a expropriação da Repsol.
A crise com a Espanha também ofuscou os problemas que o governo vem enfrentando no setor ferroviário. A tragédia de fevereiro passado na estação portenha de Once, que provocou a morte de 51 pessoas, está sendo investigada pelos tribunais portenhos. Esta semana, o juiz federal Claudio Bonadio convocou os ex-secretários de Transportes, Ricardo Jaime (que enfrenta outros processos judiciais por suspeita de corrupção) e Juan Pablo Schiavi para interrogá-los como suspeitos de serem responsáveis pela falta de controles e manutenção no setor.
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O caso de Boudou e a tragédia ferroviária contribuíram a criar um clima de mau humor entre muitos argentinos, que já vinham se queixando pela escalada da inflação e pela eliminação de subsídios nas tarifas de luz, água e gás. As primeiras pesquisas feitas por meios de comunicação locais mostraram que mais de 50% da população está de acordo com a recuperação da Repsol. No entanto, um percentual similar tem dúvidas sobre o sucesso desta operação, a solução dos problemas energéticos e, principalmente, as consequências que o país sofrerá no cenário internacional.