A crise financeira internacional provocou o retorno do protecionismo que parecia ter sido eliminado das relações comerciais. As restrições ao livre fluxo de mercadorias crescem paralelamente à ameaça à livre circulação de capitais e ao livre trânsito de trabalhadores. Longe de constituir o único efeito colateral de um colapso que se revela cada vez mais complexo, o neoprotecionismo representa um espectro com potencial de colocar em xeque o processo de globalização.
Especialistas temem que, ao se popularizar como um discurso pronto em resposta à desaceleração da atividade econômica e ao dramático aumento do desemprego, o neoprotecionismo permaneça mais tempo do que o desejado. Nesse caso, justificam, poderia – como na crise de 1929 – fermentar o colapso econômico a ponto de produzir uma indigesta crise política.
Mesmo os menos catastrofistas, que duvidam do poder destrutivo da atual crise, admitem que a prosperidade dos últimos dez anos dará lugar a um comércio mais tímido. Se, por um lado, tal fenômeno altera o ritmo de diminuição da pobreza do mundo, por outro, dará lugar a um fluxo mais regrado de comércio e menor frenético de transferência de capitais. \”A volta do livre comércio será mais regrada. E a aprovação da Rodada Doha, uma das maiores esperanças do Brasil para aumentar as suas exportações, vai demorar a sair\”, afirma o economista-chefe da Confederação Nacional do Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas. Segundo ele, o protecionismo tem se consolidado de forma velada, sem contrariar as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC). Os países, afirma Freitas, vão recorrer cada vez mais a exigências ambientais ou fitossanitárias, como ao etanol na União Europeia e à carne na Rússia.
O economista ressalta que a novidade da atual crise foi a criação do protecionismo financeiro, motivado pela escassez de crédito no mercado financeiro internacional. \”Os governos vão estimular seus bancos centrais a emprestar mais aos próprios países. Esse é o maior problema. As empresas com planos de investimentos robustos vão sentir falta de crédito no mercado, porque os bancos estarão orientados a ajudar as companhias locais\”, ressalta.
Embora os efeitos colaterais da crise estejam evidentes, o mesmo não se pode dizer da realidade pós-colapso. Para o professor de economia e presidente do Instituto Desemprego Zero, José Carlos de Assis, da crise vai emergir uma nova globalização, marcada pelo que classifica de proteção estratégica às indústrias, maior cooperação entre as nações e maior restrição à especulação financeira. \”A globalização financeira vai mudar completamente. Os países vão vigiar suas economias porque sabem que não dá mais para dar espaço à especulação. O princípio da globalização pós-crise será cooperação\”, avalia Assis.
Para o professor de Economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Antônio Corrêa de Lacerda, uma maior integração global será resgatada aos poucos, mas não nos níveis do período anterior à crise que eclodiu com a queda do banco americano Lehman Brothers, em setembro de 2008.
Apesar do freio ao livre comércio no período de crise – e a provável adoção de regras para as futuras negociações – para o economista e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Reinaldo Gonçalves, a globalização vai voltar com força total quando a crise passar. E mais: os volumes dos negócios serão bem maiores do que os atuais e poderão provocar outra crise financeira no futuro.