Os “hedge funds”, depois de serem muito machucados pela crise financeira global, tiveram de rever suas práticas, aumentando a transparência, para sobreviver. É o que aponta a pesquisa “Weathering the storm” (Resistindo à tempestade, na tradução livre) realizada pela Ernst & Young, em parceira com a consultoria internacional Greenwich Associates. O estudo envolveu os 100 maiores fundos do mundo, responsáveis pela gestão de US$ 680 bilhões, praticamente metade do setor.
Ao longo de 2008, essas carteiras perderam quase 40% dos ativos sob gestão. Segundo a empresa de pesquisa Barclay Hedge, o volume administrado caiu de US$ 2,136 trilhões no início do ano para US$ 1,297 trilhão em dezembro. Neste ano, os fundos hedge começam a se recuperar. Em setembro, reuniam US$ 1,205 trilhão.
O segmento de fundos hedge no exterior, destaca o sócio da área de serviços financeiros da Ernst & Young, Grégory Gobetti, é muito desenvolvido, mas pouco regulamentado. Essas carteiras, conta, nasceram da necessidade de os investidores buscarem alternativas de aplicação que oferecessem retornos mais atraentes, num ambiente de juros muito baixos.
A Securities and Exchange Commission (SEC, a comissão de valores dos Estados Unidos), em seu site, define os “hedge funds” como fundos que buscam retorno em todos os segmentos de mercado, em qualquer parte do mundo, usando alavancagem ou investimentos especulativos que podem aumentar o risco de perdas. Diferentemente dos fundos mútuos, esses veículos não precisam ser registrados na entidade, em geral emitem cotas em ofertas privadas e divulgam informações se quiserem.
Apesar da flexibilidade, o cerco aos fundos hedge vem se fechando, diz Gobetti. “A crise trouxe pressões para mudanças.” O primeiro passo envolveu a estrutura desses fundos, aponta a pesquisa. Entre as principais iniciativas, destacam-se mudanças nas condições de liquidez e resgates dos fundos, com 40% das respostas, e na estrutura de custos (27%).
A pesquisa mostra que mais da metade das carteiras pesquisadas (56%) havia feito ou planejava mudanças nos prazos de resgate ou custos. Um em cada quatro fundos cortou custos por conta de pressão dos investidores, sendo que metade adotou essa estratégia para atrair recursos. Quase um terço dos gestores optou por restringir e até suspender resgates na crise.
Os “hedge funds”, lembra Gobetti, investem em ativos com pouca ou nenhuma liquidez, justamente para alavancar a performance. Com a crise, acabaram amargando pesados resgates, forçando os gestores a se desfazer de ativos sem liquidez a qualquer preço. “O movimento em massa de saques provocou uma onda de venda de ativos que derrubou os preços e, consequentemente, gerou mais saques, num círculo vicioso.” Isso acabou levando a uma discussão de como dar liquidez para fundos que investem em ativos com baixa negociação.
O resultado, diz, foi a criação de mecanismos para regular o processo de saída dos fundos e incentivos para permanecer na aplicação. Além disso, aumentou a preocupação com o correto apreçamento dos ativos, já que, em geral, eles não são negociados em ambientes públicos.
Do lado dos custos, segundo o sócio da Ernst & Young, a crise aumentou a pressão sobre a rentabilidade dos fundos, provocando o questionamento por parte do investidor das taxas cobradas, especialmente a de administração que incide sobre o patrimônio total. A reação foi que apenas 26% dos fundos reduziram a taxa de performance, cobrada quando o fundo atinge determinado resultado, enquanto que 87% tiveram mudança na taxa de administração.
Os fundos hedge também se viram obrigados a ampliar a transparência. Segundo Gobetti, a crise fez com que os investidores ficassem mais atentos aos riscos. Cerca de 58% dos gestores disseram que estão concentrando esforços no melhor entendimento do risco e outros 22% estão de olho no risco e na performance. O aumento mais significativo no compartilhamento de dados diz respeito à concentração de riscos (por tipo de ativo, setor e mercado), com 95% das respostas, e à alavancagem (71%).
Os gestores mostraram ainda preocupação com o aumento esperado da regulação. Segundo Gobetti, a pesquisa mostrou que os gestores não se opõem à regulação. A expectativa é de maior rigor na supervisão – até para evitar casos de fraudes como o esquema de pirâmide de Bernard Madoff -, mas preocupa a falta de alinhamento da regulação entre EUA, Europa e demais mercados.
Além disso, eles questionam se o novo modelo será eficiente ou se apenas tornará a operação mais pesada. O aumento nos custos regulatórios, na visão dos gestores, coloca em risco a operação de muitos fundos hedge. Entre os principais desafios para o futuro, segundo eles, está a consolidação do setor, com 40% das respostas.