Somente uma grave crise externa teria o poder de abortar a decolagem da Selic anunciada pelo Banco Central. Tido como inexorável até a última semana de janeiro, o aperto monetário já está sendo colocado em dúvida pelo pregão que mais o incentivou, o de juros futuros da BM&F. Apesar da severa ata do Copom divulgada na quinta-feira e dos indicadores (IPCA e IGP-DI de janeiro) de inflação acima das expectativas anunciados na sexta-feira, os juros futuros caem pesadamente. O contrato mais negociado, para o fim do ano, cedeu, nos dois dias, de 10,34% para 10,23%. Os investidores temem uma nova rodada de desaceleração econômica global. E isso engavetaria os planos do Copom.
O mercado financeiro pode estar sendo o agente desencadeador do mal que mais teme. Mas, pela natureza do capital de sempre buscar proteção, não há como evitar. Após a crise detonada para valer em setembro de 2008 e da recuperação experimentada um ano depois, o pesadelo mais horripilante dos agentes era a possibilidade de uma recaída séria. Como em 1937, o medo era de que os estímulos monetários e fiscais fossem retirados antes da hora, precipitando o segundo mergulho. Ainda não há clareza sobre isso, mas o que se sabe já é assustador. A conta da gastança anticrise já está sendo cobrada impiedosamente e bem antes do que se esperava. Para pagá-la, os países periféricos, endividados e sob ameaça de insolvência terão de fazer o movimento mais abjurado pelos mercados: a famosa recessão corretiva. Trata-se de um movimento que pode se espraiar mundo afora. E só o medo de que isso possa ocorrer, acaba precipitando tomada de decisões antirrisco que tornam inevitável o ajuste mais doloroso.
Trata-se de um paradoxo. As suas três etapas são explicitadas pelo economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal: 1) A aversão ao risco tem como base o medo de que alguns países não tenham condições de pagar os seus compromissos externos devido a altos padrões de endividamento e aos níveis elevados de déficits públicos; 2) A única forma de suplantar essa dúvida seria reduzir os seus déficits e reverter a tendência de crescimento da dívida; 3) Mas foi exatamente essa dinâmica de elevação do déficit e aumento da dívida que fez com que o pior fosse evitado e a recuperação das economias se desse mais rapidamente do que o esperado. “O mercado estaria empurrando os países para uma reversão das políticas fiscais expansionistas antes do que seria o desejável”, diz o economista.
O medo de calote de dívidas soberanas tem motivação real? Embora as quedas estejam vendo magnificadas pelos hedge funds, a situação europeia, embora se concentre em três países (Grécia, Portugal e Espanha) não é nada confortável. A crise dos PIGS (agora com um “i” só, já que a Irlanda, em forte e convincente processo de ajuste fiscal, está sendo substituída pela Itália) parece dar razão justamente ao criador desse acrônimo, o professor da City University School, Andrew Clare. Em artigo de 2008, defendeu a saída dos PIGS da Zona do Euro. Esta seria maléfica aos países periféricos. Só beneficiaria a Alemanha.
O fato é que fica muito difícil a eles fazer os ajustes necessários se mantidos na camisa-de-força do Euro. Os déficits devem ser combatidos ou com recessões de custos sociais hoje insuportáveis ou por diminuição das dívidas via desvalorização cambial ou inflação. Sob às regras do Euro, não dá. No caso mais problemático, o da Grécia, cujo déficit fiscal já bateu em 12,7%, parece haver apenas duas opções, ambas destinadas a fragilizar ainda mais a moeda única europeia: ou os outros países da comunidade adquirem a dívida ou o país sai da união. “A Irlanda não deveria estar dentro desse bolo por estar fazendo o dever de casa, mesmo com os dados ruins, e a Itália não deveria estar aí porque não tem nem dados nem uma dinâmica que a aproxime da Grécia”, diz Souza Leal. Mas como o mercado precisa de um “i” para compor o acrônimo, ora serve um país, ora outro.
A busca por dólar persistirá globalmente enquanto houver ameaça de defaults. Isso vale também em relação ao real. Mas no acumulado da semana passada até que a valorização da moeda americana foi tênue, de apenas 0,32%. Isso não desestimula os hedge funds a incrementarem a montagem de posições compradas em dólar nos pregões de derivativos cambiais da BM&F. Estão vendo potencial de ganhos lá na frente. No início do mês, eles “realizaram” vigorosamente os lucros (8,15%) de janeiro, reduzindo a posição comprada de US$ 7,43 bilhões no dia 29 para US$ 3,46 bilhões no dia 1. De lá para cá, só altas: US$ 3,58 bilhões no dia 2, US$ 4,32 bilhões no dia 3 e US$ 5,26 bilhões no dia 4.