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21 de junho de 2024A supressão ou substituição automática das garantias dos coobrigados, diante da aprovação do plano de recuperação judicial (PRJ), é um dos temas de maior relevância no âmbito do direito recuperacional, e vem sendo corriqueiramente debatido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A Lei Federal nº 11.101/2005 — Lei de Recuperação e Falências (LREF) — tratou expressamente desse assunto em mais de uma oportunidade, como se pode observar dos seus artigos 49, p. 1º e 50, p. 1º.
O primeiro dispositivo citado afirma que “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”.
Na mesma linha, o artigo 50, parágrafo 1º assevera que a supressão, substituição ou alienação das garantias dos coobrigados das dívidas do devedor dependem de autorização expressa por parte do credor titular.
Esses dispositivos enaltecem uma preocupação do mercado com o estabelecimento de maiores cautelas aos credores, diante da então criação do regime de insolvência delimitado pela LREF, de modo a constituírem uma salvaguarda em contraposição às flexibilizações propiciadas pelo princípio da preservação da empresa, previsto no artigo 47 da lei.
Nesse sentido, Leonardo Marques ensina que o mercado impôs a manutenção das garantias contratuais para que o novo regime jurídico da insolvência, então instituído pela LREF, fosse aceito, com a finalidade de preservar a concessão do crédito com mais segurança jurídica.
Assim, o sistema atual prevê uma proteção adicional aos créditos que possuem coobrigados avalistas e fiadores, pois não serão impactados pelo stay period, caso o devedor seja beneficiado com o deferimento de uma recuperação judicial.
A consequência lógica dessas regras é uma maior proteção aos detentores de crédito, o que acaba por diminuir o spread bancário nacional e o risco do investidor, sendo esta algumas das razões de ser das normas citadas.
Por outro lado, o artigo 6º, II da LREF aduz que o deferimento do processamento da recuperação judicial implica na “suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência”.
A interpretação dessa regra poderia conduzir à errônea conclusão de que haveria a suspensão das execuções contra os sócios que fossem devedores solidários ou coobrigados das dívidas do devedor em recuperação judicial.
Todavia, essa não é a interpretação mais correta do dispositivo legal em referência. De tal forma que, segundo o professor Marcelo Sacramone, dizem respeito aos sócios que são ilimitadamente responsáveis, como ocorre nas sociedades em nome coletivo, em comandita simples e por ações, já que, em tais situações, a falência será estendida a tais sócios, pois respondem ilimitadamente pelas obrigações da sociedade.
O professor Sergio Campinho, por seu turno, leciona:
“A recuperação judicial não afeta os direitos creditórios detidos em face de coobrigados, fiadores e obrigados de regresso em geral, podendo o respectivo titular exercê-los em sua plenitude, sem qualquer limitação acarretada por tal estado” (grifo do articulista).
Portanto, como se percebe das lições citadas, a doutrina caminha no sentido de que a recuperação judicial não pode atingir os direitos creditórios contra os coobrigados, sejam eles fiadores ou avalistas, de modo que os meios de constrição patrimonial devem seguir normalmente contra esses, ainda que deferido o processamento da recuperação judicial.
Diante de tais considerações legais e doutrinárias, o STJ entendeu por bem aprovar duas súmulas que trataram do assunto, sendo a principal a de nº 581, que aduz a “recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das ações e execuções ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória”.
Desta forma, restou consolidado no STJ a possibilidade da continuidade das ações e execuções de credores com garantia cambial, real ou fidejussória, contra coobrigados do devedor em recuperação judicial, já que os bens dos garantidores não estariam sujeitos ao processo recuperacional.
Seguindo essa linha, o STJ também sedimentou o entendimento, por intermédio da sua súmula 480, de que não compete ao juízo da recuperação judicial decretar a indisponibilidade de bens não sujeitos ao PRJ, como é o caso das garantias reais e cambiais, reforçando o entendimento de que as execuções a ela relacionadas não seriam afetadas pelo stay period.
Mesmo diante do que disposto na súmula 480 do STJ, era comum verificar PRJs em que havia a menção expressa no sentido da renúncia das garantias que os credores detinham contra os coobrigados, enfraquecendo a proteção fornecida ao crédito.
Comentando esse tipo de cláusula, Marcelo Sacramone ensina que até pode haver tais renúncias nos planos. Contudo, essa disposição de direito não poderia se aplicar aos credores que expressamente não a aprovassem, restassem ausentes ou a ela fossem contrários.
Isso por que os artigos 49, p. 1º e 50, p. 1º da LREF são muito claros ao proteger autonomamente as garantias que os credores possuem contra os coobrigados do devedor, não podendo prevalecer a previsão do PRJ, ainda que contra os interesses dos titulares do direito.
A saída para tal situação, ainda segundo Sacramone, seria a concordância expressa do credor com tal renúncia, já que a ninguém é dado o direito de dispor sobre algo que não lhe pertence, sob pena dessa renúncia ser tida como absolutamente ineficaz em relação ao titular do direito.
Dentro da lógica dos ensinamentos ora expostos, condensando as disposições das Súmulas 581 e 480 do STJ, bem como o que prenunciam os artigos 49, p. 1º e 50, p. 1º, todos da LREF, o STJ produziu um interessante entendimento, abordando questões relacionadas com novação, plano de recuperação judicial e coobrigados.
No informativo 805, veiculado em março de 2024, o STJ decidiu que:
“A cláusula que estende a novação aos coobrigados, oriunda da aprovação do plano de recuperação judicial da devedora principal, não é eficaz em relação aos credores ausentes da assembleia geral, aos que abstiveram-se de votar ou se posicionaram contra tal disposição, restando intactas, para esses, as garantias de seu crédito e seu direito de execução fora do âmbito da recuperação judicial.” (AgInt nos EDcl no CC 172.379-PE, rel. ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 2ª Seção, por unanimidade, julgado em 5/3/2024, DJe 7/3/2024) (grifo do articulista).
Segundo o Tribunal da Cidadania, portanto, em concordância com as lições do professor Marcelo Sacramone, a cláusula de renúncia das garantias não se estende aos credores que não compareceram à Assembleia Geral de Credores, aos que se abstiveram e aos que foram contrários a tal disposição, sendo contra eles ineficaz, possibilitando a continuidade plena das ações e execuções contra os devedores solidários, nos moldes do que já consolidado na Súmula 581, STJ.
A saída para essas situações pode estar prevista no parágrafo único do artigo 67, da LREF, que previu a figura do credor colaborador, de modo que aquele que continuar a fornecer bens e serviços tidos como essenciais durante a recuperação judicial pode ter um tratamento diferenciado em relação ao seu crédito tido como concursal, por já existente no momento do deferimento do processamento da RJ.
Deste modo, em negociações individuais, ao assinar o termo de credor colaborador, o devedor e seus sócios podem prever a revogação das garantias dos coobrigados, em contraposição ao tratamento diferenciado do credor que continuar a fornecer bens ou serviços tidos como essenciais à atividade do recuperando, tudo consoante a autorização do art. 67, parágrafo único da LREF.
Assim, nos casos de credores que possuírem, por exemplo, avais ou fiança contra os sócios da devedora, o caminho pode ser a tratativa individual em relação a cada um desses colaboradores, com a assinatura do termo respectivo, nos moldes do artigo 67, parágrafo único da LREF, prevendo-se condições de pagamento diferenciadas, concessão de novas garantias, e a liberação dos avais e fianças então existentes contra os coobrigados, em contraposição às disposições diferenciadas fornecidas.