Reequilíbrio econômico-financeiro das concessões de energia na reforma tributária
10 de dezembro de 2025A reforma tributária aprovada pela Emenda Constitucional nº 132/2023 inaugura a maior transformação do sistema de tributos sobre consumo desde a Constituição de 1988. Para milhões de microempreendedores individuais (MEIs), o primeiro impulso pode ser de alívio: suas regras de recolhimento permanecem as mesmas, e o modelo do DAS continua vigente. Mas essa percepção é apenas parcial.
A reforma mexe nos alicerces do sistema ao substituir cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) por dois novos (IBS e CBS) dentro de um modelo de IVA Dual. O MEI, embora preservado em seu regime próprio, não está isolado; ele integra cadeias produtivas que serão profundamente reconfiguradas. É aí que surgem os efeitos indiretos, e frequentemente silenciosos.
A manutenção do pagamento fixo pelo DAS garante estabilidade e simplicidade. Entretanto, o MEI passará a enfrentar um desafio competitivo relevante: ele não gera créditos de IBS e CBS para compradores pessoas jurídicas. Como o regime não se submete ao IVA Dual, clientes empresariais não poderão se creditar dessas aquisições, ao contrário do que ocorre quando compram de empresas tributadas pelo Simples Nacional ou pelo regime normal. Esse detalhe técnico pode influenciar decisões de contratação no mercado B2B. Para grandes empresas, crédito tributário é cálculo, não preferência — e isso coloca o MEI em desvantagem estratégica.
Outra fragilidade estrutural é o limite de faturamento, hoje em R$ 81 mil por ano. Embora a reforma não tenha alterado esse ponto, é amplamente reconhecido que o teto está defasado diante da inflação acumulada e do crescimento dos pequenos negócios. Sem revisão, o país continuará produzindo a “armadilha do crescimento”: basta o microempreendedor elevar ligeiramente sua receita para ser obrigado a migrar para o Simples Nacional, enfrentando um salto abrupto de carga tributária. Há propostas para elevar esse limite para R$ 144 mil, mas a reforma, por si só, não corrigiu essa distorção urgente.
A criação do IBS e da CBS também altera a dinâmica federativa. O MEI não será impactado diretamente na forma de recolhimento, mas o ambiente regulatório muda. A unificação das legislações estaduais e municipais sob um Comitê Gestor tende a reduzir disparidades regionais e a chamada “guerra fiscal”. Para o microempreendedor, isso indica menos conflitos interpretativos e maior uniformidade nas regras. Ainda assim, a fiscalização tende a ser mais rigorosa. Com bases de dados integradas, cruzamento automático de informações e padrões unificados de nota fiscal, inconsistências no faturamento do MEI poderão ser identificadas com maior precisão, não por perseguição, mas porque o sistema passa a operar de forma mais transparente.
As atividades mais expostas a esse novo cenário são as que vendem para outras empresas, em especial prestadores de serviços e comércios B2B. Como seus compradores não terão crédito de IBS/CBS, muitos podem preferir fornecedores que geram créditos. Já o MEI que vende ao consumidor final (B2C) mantém vantagens relativas, pois o consumidor não se credita de imposto.
Para que o MEI continue sendo um instrumento de inclusão produtiva, e não um regime de mera sobrevivência, ajustes legislativos serão indispensáveis. A atualização imediata do limite de faturamento é o primeiro passo. Também será fundamental criar um mecanismo simplificado que permita ao comprador PJ se creditar de parte do IBS/CBS quando contratar um MEI, compensando a desvantagem competitiva. Outro ponto crítico é suavizar a transição: o salto entre MEI e Simples Nacional precisa ser reformulado para não penalizar quem cresce. Além disso, programas de educação aplicada serão essenciais para orientar microempreendedores sobre o novo ambiente fiscal digital.
A reforma tributária não altera o imposto fixo do MEI, mas altera tudo ao seu redor. Ao redesenhar a lógica de créditos, as cadeias produtivas, a fiscalização e os incentivos, cria um cenário em que o microempreendedor pode perder espaço se o Congresso não avançar na legislação complementar. O Brasil tem hoje mais de 15 milhões de MEIs, a maior política de formalização da história do país. Proteger sua competitividade é proteger a base econômica que sustenta o empreendedorismo popular.
A reforma promete simplificação e eficiência. Para que essa promessa alcance também os microempreendedores, será preciso transformar a simplicidade do MEI em verdadeira vantagem competitiva. O futuro desse regime dependerá da capacidade do país de ajustar suas regras com inteligência, rapidez e sensibilidade social.
Fonte: Conjur
