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9 de setembro de 2025A expressão federalismo fiscal é consagrada na doutrina jurídica voltada à receita tributária, o que está correto, embora o objeto possa ser realocado no grande panorama do federalismo financeiro, analisado neste texto.
O objeto muda se ampliarmos o foco para o federalismo financeiro, matéria de estudo do Direito Financeiro, que analisa como o Estado organiza (orçamento) e compartilha (federalismo) a arrecadação (receita), o gasto (despesa) e o crédito (dívida) públicos, e como essas operações são fiscalizadas (controle público). Nesse sentido, é correto o uso de federalismo fiscal como expressão da arrecadação tributária, mas é incompleto para a análise de todo o fenômeno da repartição financeira existente em um país.
Existe o federalismo financeiro voltado à arrecadação, que pode ser dividido em fiscal, que diz respeito à tributação, e o patrimonial, voltado às receitas decorrentes da exploração direta dos bens e serviços públicos.
Por força da EC 132, o federalismo fiscal está cada vez mais concentrado no Brasil, em razão da instituição de um único órgão, o Comitê Gestor, para regular o principal tributo sobre o consumo, o IBS, que surgirá em decorrência da extinção programada do ICMS e do ISS, cuja competência arrecadatória é fracionada para cada estado e município. Mesmo sendo o Comitê Gestor um órgão formado por Estados e municípios, há concentração federativa, pois o que antes era autônomo para cada ente federado, regulado por leis complementares nacionais, passou a ser gerido por um único órgão centralizado, incumbido de realizar transferências obrigatórias para cada unidade.
Por outro lado, o federalismo patrimonial é desconcentrado, pois sua principal fonte, as receitas de royalties de petróleo, gás e minérios, embora seja receita da União, é repartida com os entes federados por meio de transferências obrigatórias. Ainda aqui se verifica concentração no que se refere aos royalties decorrentes da exploração de petróleo marítimo, pois há repartição apenas com os Estados e alguns municípios costeiros, o que é objeto de diversas ADIs em julgamento no STF.
Mesmo com a desconcentração do federalismo patrimonial, pode-se afirmar que o federalismo brasileiro na arrecadação é fortemente concentrado (centrípeto), pois o montante de receitas patrimoniais é infinitamente menor que o de receitas tributárias, com a tônica da arrecadação tributária nas contribuições, fortemente concentradas na União, cuja receita é escassamente transferida.
Existe o federalismo financeiro da despesa, referente aos gastos públicos, que é desconcentrado, pois cada unidade federada tem ampla margem de discricionariedade para a alocação dos recursos auferidos, visando cumprir suas finalidades constitucionais. Existem iniciativas que impõem padrões mínimos para esses gastos em todas as unidades federadas, como se vê na imposição, pela União, de um Piso Nacional da Enfermagem, porém, mesmo com tais iniciativas centralizadoras, pode-se afirmar que, no âmbito das despesas, o federalismo brasileiro é desconcentrado (centrífugo).
Há o federalismo do crédito público, isto é, aquele voltado para operações com o sistema financeiro, e que, sob outro prisma, pode-se considerar como o federalismo da dívida pública. Aqui surge uma peculiaridade, pois, embora cada ente tenha sua capacidade de crédito para pagamento das dívidas contraídas e é responsável por elas, o que aponta para um perfil descentralizado, existe forte controle desse endividamento pela União, que impõe limites para essas operações por meio do Senado, e o controla via Secretaria do Tesouro Nacional, o que se revela bastante centralizador. Logo, a despeito de ser descentralizado o federalismo do crédito/dívida pública, é fortemente centralizado no que se refere ao seu controle.
É também peculiar o federalismo financeiro voltado ao controle de contas, pois a União e cada estado tem seu Tribunal de Contas, sendo que estes, como regra, também atuam na fiscalização de contas dos municípios localizados em seus territórios, à exceção dos estados do Pará, Goiás e Bahia, que possuem Tribunais (estaduais) de Contas dos Municípios específicos para essa atividade, bem como dois municípios que possuem Tribunais de Contas próprios, o Tribunal de Contas do Município de São Paulo e o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro. Aqui se pode afirmar a existência de um federalismo descentralizado na União e nos estados, e concentrador nos municípios, pois vinculado aos Estados.
Sob esse panorama, não é possível afirmar ser ou não concentrador o federalismo financeiro brasileiro, pois seria tentar unir diferentes realidades, algo como querer obter um único resultado ao somar laranjas com maçãs. Pode-se afirmar que o federalismo financeiro brasileiro é: (1) concentrador no âmbito (1.a) da receita tributária, (1.b) do controle da dívida/crédito e (1.c) do controle de contas dos municípios; e é (2) desconcentrado no âmbito (2.a) da receita patrimonial, (2.b) da despesa; (2.c) da dívida/crédito e (2.d) do controle de contas da União e dos Estados.
Essa classificação pode ser útil ou inútil, a depender do objeto a ser analisado, conforme bem exposto por Genaro Carrió, em seu clássico Notas sobre Derecho y Lengaje, mas seguramente será útil na análise da cláusula pétrea do federalismo sob o impacto da EC 132, da reforma tributária. No caso, a cláusula pétrea federativa é mais ampla do que o restrito âmbito do federalismo financeiro, o qual, como demonstrado, é mais amplo que o do federalismo fiscal.
Fonte: Conjur
