O momento econômico favorece a valorização do real no médio e longo prazo. Mas a cautela do mercado com relação ao novo governo a ser eleito no Brasil em 2010 vai ajudar a colocar um freio em uma apreciação cambial mais forte. Essa é a visão do americano Richard Madigan, estrategista da área de private banking global do JPMorgan.
Ele avalia que o “risco de transição” do governo Bush para a administração Barack Obama contribuiu de forma determinante para uma maior tensão nos mercados. “Embora eles tivessem dizendo as coisas certas, tivessem muito apoio, eles eram desconhecidos e novos”, explica.
Segundo Madigan, após apreciação tão rápida no último mês, o real pode até cair ligeiramente no curto prazo, por causa de realização de lucros. “Você tem de entregar um pouco para os santos”, brinca. Mas, “no longo prazo e pensando como um investidor estratégico, o momento continua a favorecer um real que se valoriza”, afirmou Madigan durante visita ao Brasil.
Se a “China não quebrar”, o Produto Interno Bruto brasileiro tiver contração de 1,5% a 2% neste ano e recuperação de 1,5% em 2010, como prevê o mercado, Madigan não descarta que as cotações do dólar voltem no longo prazo para próximo dos níveis mínimos de R$ 1,50 atingidos em agosto do ano passado. Na sexta-feira, o dólar fechou a R$ 1,97, uma queda de 1,94% no dia e de 15,60% no ano. Com relação ao pico de R$ 2,5360, de 4 de dezembro do ano passado, a desvalorização do dólar é de 22,32%.
Madigan diz ter visto interesse de clientes brasileiros e de fora do Brasil em trazer dinheiro de médio e longo prazo para investir no país. O apetite maior não é por títulos públicos ou estratégias no mercado futuro. “Não é dinheiro oportunista, que está negociando diferenças de taxas de juros no curto prazo, mas capital que busca comprar participação em empresas ou ações na Bolsa de Valores de São Paulo”, comenta o estrategista.
Para atender a essa demanda, inclusive de brasileiros voltando a investir no Brasil, é que o JPMorgan está crescendo seu negócio de private banking (gestão de fortunas) no país, revela. Segundo Celso Portásio, responsável pela área de private banking do JPMorgan no Brasil, o banco pretende abrir novos escritórios regionais e está criando novos produtos, principalmente fundos multimercado, para atender a uma clientela mais ampla.
O JPMorgan abriu um escritório em Belo Horizonte no ano passado e pretende abrir outros neste ano, além dos já presentes no Rio de Janeiro e Porto Alegre. A queda nas taxas de juros no Brasil ajuda os investidores a procurarem alternativas de investimento e também a acreditarem nas perspectivas de crescimento econômico do país.
Madigan lembra que no mundo todo os investidores estão ficando mais dispostos a tomar risco. “No final do ano passado, o mercado só buscava abrigo para seu dinheiro, como no clássico de Bob Dylan ‘ Shelter From The Storm’ (Abrigo da Tempestade)”, comenta. “Agora parece que a tempestade passou e os investidores voltaram ao mercado para redescobrir preço”, afirma.
Para Madigan, o “o pior já passou, mas o pior se mostrou muito ruim mesmo, beirando o caos”. Ele vê “alguma estabilidade e consolidação nos mercados globais, que nós precisávamos desesperadamente”. Essa maior calmaria, no entanto, não quer dizer que tudo são flores. “Ninguém está falando: vamos nos encher de risco”, afirma.
O crédito continua escasso e a volatilidade continua alta, o que tem feito muitos investidores continuarem reservados com relação a assumir estratégias de curto prazo de “carry trade”. Nessa estratégia, o investidor toma emprestado recursos em moedas com juros baixos e investe em moedas de juros mais altos, ganhando a diferença, mas ficando com o risco cambial. Em momentos de muita volatilidade, o ganho com juros pode ser anulado por perdas cambiais.
Os números da BM&FBovespa confirmam o que Madigan diz. Os investidores externos desmontaram suas posições líquidas compradas em dólar futuro (incluído o cupom cambial DDI) de US$ 14,4 bilhões em 21 de dezembro para US$ 580 milhões no dia 28. Mas estão longe de chegar aos níveis de mais de US$ 15 bilhões vendidos em dólar do ápice do “carry trade” com o real.
Madigan lembra que o dólar vem perdendo valor no mundo todo contra as principais moedas e um pouco dessa fraqueza “é construtivo, é o mercado querendo deixar o paraíso seguro do dólar e se arriscar em outros mercados”. Ele não nega, no entanto, que a moeda americana perdeu sua hegemonia como moeda de reserva, dada a participação crescente de outras moedas no fluxo de comércio e recursos internacional. “Há uma dispersão crescente na forma como os bancos centrais constroem suas reservas”, comenta.
Madigan destaca, no entanto, que do total de mais de US$ 3 trilhões que o mercado de câmbio internacional gira por dia, mais de 60% ainda são referenciados no dólar. “E foi o dólar a moeda procurada na hora do maior temor dos investidores.”
O estrategista considera que “há um grande significado geopolítico” nas discussões entre o Brasil e a China, que pretendem usar suas próprias moedas no fluxo de comércio bilateral. “Você está tirando o dólar dessa equação, sinalizando para os exportadores e para os mercados que o dólar está ficando menos relevante.”
Segundo ele, o banco central chinês pode estar vendendo dólares para comprar não apenas euro ou libra esterlina, mas também reais e até mesmo commodities. Os acordos entre a Petrobras e o governo chinês são uma forma de os chineses usarem suas reservas para ter acesso estratégico ao petróleo no futuro, por exemplo, avalia.
Para Madigan, cerca de doze moedas vão passar a compor as reservas dos bancos centrais no mundo todo, e não apenas as três mais fortes. A forma como o mercado entende o afrouxamento quantitativo praticado pelo Fed, o banco central americano, que vem comprando títulos públicos e injetando liquidez nos bancos, será determinante para definir o futuro da moeda americana, diz.