Não bastassem os descalabros nas contas públicas, que colocaram em xeque a capacidade do governo em cumprir as metas fiscais em 2014, o Brasil também se vê às voltas com um crescente rombo nas transações correntes, contabilidade pela qual são listados os dólares que entram e saem do país. Apenas em outubro, essa conta ficou no vermelho em US$ 8,131 bilhões, superando as projeções do próprio Banco Central (BC), que estimava um déficit de US$ 6,6 bilhões para o mês. Nunca o país teve um desequilíbrio tão grande nessa conta no mês, indicou a autoridade monetária. Pior do que isso. O resultado negativo, tal qual nas contas públicas, tem sido crescente. E, ao menos por ora, nada indica que nos próximos meses esse rombo deverá diminuir.
Nos últimos 12 meses, até agosto, essa conta estava negativa em US$ 78,275 bilhões. Em setembro, o buraco já havia aumentado em US$ 5,116 bilhões. Após os números de outubro, o déficit cravou US$ 84,4 bilhões – o maior desde 1947. Os resultados negativos são ainda mais preocupantes porque se repetem mesmo em meio a um quadro de desaceleração na economia. Em tese, quando um país nota a queda do Produto Interno Bruto (PIB), como ocorreu com o Brasil nos dois primeiros trimestres do ano, o rombo nas transações correntes diminui. Isso porque o que mais pesa para essa conta é a balança comercial. E, quando um país cresce menos, ele tende a importar também menos, porque a demanda das famílias já não é tão elevada. Não foi o que aconteceu dessa vez no país.
Mesmo com a economia andando de lado, as importações continuaram a superar as exportações. No ano, o rombo na balança comercial já chega a US$ 1,873 bilhões. É ainda mais preocupante se notar que a projeção do BC era que a balança registrasse superávit no ano de US$ 3 bilhões. Mas, faltando apenas dois meses para fechar o ano, é muito pouco provável que esse número seja alcançado. O que pesa contra a balança é que os resultados têm sido cada vez mais desfavoráveis, o que torna difícil manter o otimismo para o futuro.
O rombo nessa conta vem crescendo bem acima do esperado tanto pelo BC quanto pelos analistas do mercado financeiro. Em outubro, as importações superaram as exportações em US$ 1,2 bilhão. Significa uma expansão de 33% sobre os resultados já ruins registrados em setembro, de um déficit de US$ 900 milhões. A comparação com outubro de 2013 é ainda pior: o rombo havia sido de US$ 230 milhões, quatro vezes menor do que o registrado no mês passado.
REFLEXOS O que explica esses maus resultados é a queda de preços nos mercados internacionais dos principais produtos vendidos pelo país ao exterior, sobretudo commodities. “Embora tenha mantido o mesmo volume de exportações (sobre 2013), os preços recuaram de forma significativa neste ano”, justificou o chefe do Departamento Econômico do BC, Tulio Maciel, acrescentando que, em média, esses itens ficaram 4,2% mais baratos em 2014. Mas há produtos que tiveram perdas bem maiores, como lembrou Maciel. “O preço do minério de ferro recuou 20% de janeiro a outubro; a soja, 5%”, listou. Também as importações recuaram 4,2% em valor, no mesmo período. Mas, no caso das importações, houve queda tanto nos preços quanto nas quantidades, reforçou o diretor do BC.
O problema é que essa situação tende a se repetir nos próximos meses, o que praticamente enterra a possibilidade do Brasil em conter o crescente déficit nas transações correntes. Prova disso é que o próprio BC estima para novembro um rombo de US$ 8 bilhões nessa conta, praticamente repetindo o resultado de outubro, que já havia sido o pior da história. Tal montante significaria um incremento de 56,8% para o rombo registrado em novembro de 2013. E praticamente sacramentaria o fracasso do governo em conseguir atingir a projeção do próprio BC de terminar o ano com déficit de US$ 80 bilhões nas transações correntes.
Isso porque, em novembro, essa conta chegaria a US$ 78,7 bilhões. Com isso, caso houvesse rombo maior que US$ 1,3 bilhão em dezembro, a projeção seria descumprida. E, a julgar pelos números de anos recentes, é pouco provável que o déficit seja tão baixo. Nos últimos cinco anos, a conta sempre fechou no vermelho. Em média, com rombo de US$ 6,6 bilhões. Mas o BC mantém o otimismo. “Em geral, dezembro tem registrado superávit, porque sempre tem uma sazonalidade favorável”, disse Maciel.
Seja qual for o resultado, o Brasil ainda permanecerá no topo dos países emergentes com maior déficit externo, conforme projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). E, mesmo tendo conseguido cobrir boa parte dessa conta com Investimentos Estrangeiros Diretos (IED), que somaram US$ 51,1 bilhões no ano, ainda terá um quadro de financiamento externo preocupante, assinalou a economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif. “O déficit externo elevado mostra que o Brasil é uma economia que tem excessos. Então, enquanto o mundo ainda quiser nos financiar, tudo bem. Agora, obviamente, se tiver um mal estar lá fora, nós estaremos numa posição bastante vulnerável”, sinalizou. Nos últimos 12 meses até outubro, o déficit externo atingiu 3,73% do PIB, o pior resultado desde fevereiro de 2002.