Brasil, Rússia, Índia e China (os Bric) estão comprando dólares ao ritmo mais acelerado desde o congelamento dos mercados de crédito, em setembro do ano passado, para proteger suas exportações, apesar de os líderes desses países estarem considerando alternativas à moeda americana.
Os Bric, termo cunhado pelo economista-chefe do Goldman Sachs, Jim O’Neill, em 2001, aumentaram as suas reservas em moeda estrangeira em mais de US$ 60 bilhões em maio, de forma a limitar a valorização de suas moedas, uma vez que a recessão global, a primeira desde a Segunda Guerra Mundial, restringiu as exportações, segundo mostram dados compilados por bancos centrais e estrategistas.
O Brasil foi o país que mais comprou dólares no ano passado, as reservas da Índia foram as que cresceram mais desde janeiro de 2008 e a Rússia acumulou a maior quantia de moedas estrangeiras desde julho de 2008.
Embora os líderes de Rússia, China e Brasil sugiram a substituição do dólar, as compras dos bancos centrais mostram o quanto esses países continuam dependentes da moeda de reserva mundial. A Rússia está propondo que os Bric estudem a criação de uma nova unidade de câmbio na sua reunião em Yekaterimburgo em 16 de junho. China e Brasil disseram no mês passado que poderão procurar formas de substituir o dólar no comércio entre os dois países.
“Os bancos centrais estrangeiros não querem ver suas moedas valorizadas de forma inexorável”, disse Daniel Tenengauzer, diretor de estratégia para câmbio e dívida dos mercados emergentes do Bank of America-Merrill Lynch em Nova York. “Isso pioraria as já fracas perspectivas fora dos EUA e teria o potencial de aumentar o risco de caos nos mercados de capital, se o dólar parecesse estar se encaminhando para um declínio desordenado”, complementou.
Os ativos das reservas internacionais dos Brics, com exclusão do ouro, totalizam US$ 2,8 trilhões, uma alta de 7,8% em relação a um ano atrás, e representam 42% do total mundial, segundo dados compilados pela Bloomberg.
Real, rublo e rúpia se valorizaram e o índice do dólar negociado na bolsa ICE Futures de Nova York apresentou o seu maior declínio de 24 anos no mês passado, uma vez que os sinais de que a recessão mundial pode estar desacelerando levou os investidores a procurarem alternativas mais rentáveis que a moeda dos EUA. US$ 26,1 bilhões líquidos entraram nos fundos de ações dos mercados emergentes este ano, disse em 4 de junho a EPFR Global, que monitora US$ 11 trilhões em todo o mundo.
O real se valorizou 11,2% no mês passado; o rublo, 6,9% e a rúpia, 6,4%. O yuan teve uma apreciação de 21% entre julho de 2005, quando o governo permitiu a o câmbio da moeda, e julho de 2008. A China vem impedindo o fortalecimento da moeda desde então, uma vez que a economia desacelerou.
O Índice do Dólar, que monitora o câmbio da moeda americana contra o euro, o iene, a libra esterlina, o dólar canadense, o franco suíço e a coroa sueca, perdeu 6,4% no mês passado, o maior declínio desde março de 1985. O índice subiu 0,9% hoje.
O presidente russo, Dmitry Medvedev, propôs em 5 de junho que os países usassem uma combinação de moedas regionais de reserva para reduzir a dependência do dólar.
O presidente do banco central da China, Zhou Xiaochuan, sugeriu em março o uso de uma unidade de contabilidade do Fundo Monetário Internacional (FMI), conhecida como Direitos Especiais de Saque (DES), como uma alternativa. O seu colega indiano, Duvvuri Subbarao, não comentou esse plano. O primeiro vice-diretor executivo do FMI, John Lipsky, disse em 6 de junho que é possível tomar essa atitude “revolucionária” com o correr do tempo.
No mês passado, a China, o maior importador mundial de soja e minério de ferro, e o Brasil, que tem entre os seus principais produtos de exportação soja, metais e petróleo, começaram a estudar uma proposta para se afastar do dólar, usando o yuan e o real.
“O que estamos vendo é uma expressão pública de descontentamento com o dólar, mas ninguém sabe o que precisa ser feito especificamente”, disse Elina Ribakova, economista-chefe em Moscou do Citigroup Inc.
O Brasil, o único dos quatro países a especificar as suas compras em dólar, adquiriu US$ 2,8 bilhões em moeda americana em maio. A Rússia comprou pelo menos US$ 17 bilhões em moedas estrangeiras, enquanto as reservas da Índia cresceram US$ 10,6 bilhões, segundo mostram dados dos bancos centrais. A China pode ter comprado US$ 30 bilhões em moeda estrangeira no mês passado, segundo estima a empresa de pesquisa SJS Markets Ltd., sediada em Hong Kong.
No fim de 2008, o dólar respondia por 64% das reservas dos bancos centrais, uma alta em relação aos 62,8% de junho de 2008, segundo o FMI.
Um declínio mais acentuado do dólar prejudicaria as exportações dos Bric, desvalorizaria suas reservas e agravaria a crise mundial de crédito, disse Mitul Kotecha, diretor de estratégia cambial em Hong Kong da Calyon, braço de banco de investimento do Credit Agricole.
“Seria dar um tiro no próprio pé vender os ativos dos Estados Unidos e se afastar dos dólares com rapidez excessiva”, disse Kotecha. “Por mais que ouçamos isso em termos de retórica, os bancos centrais têm tanta exposição que serão muito cautelosos.”