O Brasil vai acompanhar a decisão do International Accounting Standard Board (IASB) em relação a eventuais alterações nas regras de marcação a mercado de instrumentos financeiros, garantiu o diretor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Eliseu Martins, em debate a respeito do assunto, realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) de São Paulo, no fim de junho.
A crise internacional expôs as falhas das regras de marcação a mercado de instrumentos financeiros. Para cumprir as normas no auge da crise, os bancos se viram em dificuldades porque muitos ativos perderam o referencial de preço ou tiveram as cotações distorcidas pela quase total falta de liquidez. Além disso, a marcação a mercado foi acusada de agravar as perdas das instituições financeiras, aprofundando a crise.
Por conta disso, o Financial Accounting Standard Board (FASB), que regula o mercado americano, suspendeu temporariamente a obrigatoriedade de marcação a mercado dos instrumentos financeiros. A decisão do FASB foi criticada por especialistas no mundo todo. Mas é preciso reconhecer que a regra tem um efeito pró-cíclico, disse o professor Alkimar Moura, da FGV, organizador do debate. “Muitas pessoas dizem que a marcação a mercado acelerou os problemas ao levar os bancos a reavaliar ativos e reconhecer perdas, ampliando as necessidades de capitalização. Não se pode matar o mensageiro, porém”, afirmou.
A discussão sobre a necessidade de mudança das regras está mobilizando especialistas nos Estados Unidos e na Europa, mas “vai bater aqui”, acrescentou Moura para explicar a iniciativa do debate na FGV. Além de Martins e Moura, a discussão reuniu o professor Alexsandro Broedel, da FEA-USP, Diego Fresco, sócio da PricewaterhouseCoopers (PwC) e Ricardo Baldin, auditor-chefe do Itaú Unibanco.
Martins espera que o debate internacional a respeito do assunto resulte em aperfeiçoamentos. “As normas talvez não fossem muito detalhadas e não haviam passado por um teste de estresse”, afirmou.
Os especialistas reunidos pela FGV concordam que dois pontos merecem aperfeiçoamentos. Como sintetizou Broedel, um deles é o que fazer quando a liquidez desaparece e não há mercado para referenciar o preço dos instrumentos financeiros em balanço. O outro é a necessidade de simplificar a classificação dos instrumentos financeiros, reduzindo as categorias em que podem ser enquadrados.
Atualmente, os instrumentos financeiros podem ser classificados para negociação, como disponíveis para a venda e para manutenção em carteira até o vencimento. Os papéis são marcados a mercado quando estão classificados nos dois primeiros grupos, mas o efeito dessa operação afeta o resultado no primeiro caso e o patrimônio no segundo. Já os títulos classificados como mantidos até o vencimento são atualizados pelo valor da curva, “pro rata temporis”.
Os derivativos são todos registrados pelo valor de mercado; se forem destinados a hedge, são contabilizados no resultado, caso contrário, acompanham o resultado do ativo que está sendo protegido. No Brasil, as ações são avaliadas pelo método do custo dentro do grupo de investimento no ativo não circulante.
Acontece que as fronteiras entre as diferentes classificações nem sempre são muito claras e, muitas vezes, os bancos mudam de ideia em relação ao destino dos papéis que possuem em carteira.
Desde maio, o IASB colocou em audiência pública proposta de mudança nas regras da marcação a mercado de instrumentos financeiros, que não por acaso é chamado de “valor justo”, em inglês. Ela faz parte do memorando de entendimento entre a IASB e a FASB que busca uma convergência entre as regras contábeis internacionais e a americana. O público pode fazer comentários à proposta até 28 de setembro. Os comentários serão divulgados no site da IASB e serão debatidos pelo conselho do organismo. Um parecer deve ser divulgado em 2010.
Para a IASB, já está claro que a crise financeira colocou em evidência a necessidade de uma orientação para se medir o valor justo dos ativos quando os mercados estão inativos.
A proposta da IASB em audiência pública tem quatro objetivos. O primeiro é esclarecer a definição do valor justo, considerando que a atual não especifica se a instituição está comprando ou vendendo o ativo e não explicita se a liquidação deve ocorrer na data da marcação ou em data futura. A nova proposta busca esclarecer que o valor justo não deve levar em conta uma operação forçada ou realizada em condições de falta de liquidez.
O segundo objetivo é estabelecer um conjunto único de guias para medir o valor justo, além de simplificar a orientação atual. O terceiro é garantir a transparência do valor justo, com a criação de uma hierarquia de três níveis dos dados usados como referencial para a marcação a mercado. O quarto é aumentar a convergência com as regras americanas.