O diretor de política monetária do Banco Central, Mário Torós, disse ontem que o Brasil não deixará de investir em títulos do Tesouro americano, a despeito dos receios de que o dólar vá perder valor em virtude dos maciços estímulos fiscais feitos para reanimar a economia americana. “Estamos absolutamente tranquilos com nossos investimentos nos Estados Unidos”, disse Torós, na apresentação do primeiro relatório do BC sobre a gestão das reservas internacionais.
Há três semanas, o Valor publicou informações de que o BC resgatou, em um prazo de 12 meses, US$ 24,3 bilhões que estavam aplicados em títulos do Tesouro americano, migrando os recursos para papéis de organismos supranacionais, como o BIS (o banco central dos bancos centrais) e o KfW, o banco para crédito e reconstrução da Alemanha. Segundo a reportagem, o BC resgatou investimentos feitos nos Estados Unidos, que haviam se valorizado em função da queda dos juros americanos, e aplicou o dinheiro em ativos que ofereciam maior retorno. Os dados divulgados ontem no relatório confirmam esse movimento. A participação dos títulos emitidos por organismos supranacionais nos ativos das reservas saltou de cerca de 6% para 12% entre 2007 e 2009. Na direção inversa, os títulos soberanos caíram no período.
Esse movimento chegou a ser interpretado por alguns especialistas como uma fuga do dólar. Ontem, Torós deu indicações claras de que o BC não identifica um risco maior no dólar do que em outras moedas. “O dólar vai perder valor para qual moeda? A zona do euro está em uma situação tranquila? O Japão não vai ter problemas?”, pergunta Torós. “Tem que tomar cuidado com essas análises que às vezes são feitas de forma parcial.”
O relatório divulgado pelo BC mostra que, em 2008, um ano de grave crise internacional, as aplicações das reservas tiveram um retorno de 9,3%, bem próximo dos 9,4% observados em 2007. Foi um retorno maior do que a média de 6,2% observada entre 2002 e 2006. Esse retorno é resultado, em parte, das oportunidades de negócio aproveitadas pelo BC no período, além da estratégia de longo prazo colocada em prática no período.
O relatório mostra que de 2005 para cá o BC ampliou de um ano para perto de três anos o prazo médio dos investimentos nas reservas. Isso fez com que o governo tirasse maior vantagem da queda dos juros americanos e alta dos preços dos Treasuries em 2008, quando, em meio à crise, os investidores migraram para ativos de maior qualidade. O BC também colocou em pratica, a partir de 2007, uma estratégia de diminuir depósitos em bancos privados, que estavam mais vulneráveis à crise financeira mundial. O trabalho já estava completo em fins de 2007. “Não tivemos nenhuma perda com depósitos”, informa Torós.
Os dados do BC mostram que essa estratégia mais agressiva não representou, necessariamente, um aumento desproporcional de riscos. Uma medida disso é o chamado VAR, ou valor em risco, uma medida de quanto o patrimônio das reservas esteve sob risco. Um VAR de 1%, por exemplo, significa que 1% dos valores estava sob risco caso houvesse oscilações no mercado. De 2005 para 2006, o VAR caiu de cerca de 3,5% para pouco menos de 1%, o que significa que essa parcela do patrimônio das reservas estava sob risco. A queda foi possível graças à redução da exposição em euros, que, em 2005, fez com que o rendimento das reservas fosse negativo. A partir de então, o VAR voltou a aumentar, voltando à casa de 3,5%, em parte devido ao maior apetite por risco – e em parte porque o mercado ficou mais volátil, o que torna o VAR automaticamente maior. “Foi uma decisão consciente de aumentar o risco para buscar maior retorno, dada a posição privilegiada que tínhamos nas reservas”, diz Torós.
O relatório do BC mostra que, de 2002 para 2006, relação risco retorno das reservas foi mais favorável do que a curva das aplicações debaixo risco do mercado. O retorno das aplicações das reservas foi pouco superior a 6%, com uma volatilidade (medida em desvios padrão) pouco menor do que 4%. Títulos do Japão e do Reino Unido ofereceram retorno parecido com o obtido pelo BC na reservas, mas com riscos superiores a 8%. Papéis americanos tiveram risco menor, mas retorno menor.