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10 de dezembro de 2025I. Introdução: Quando o Órgão de Controle Passa a Legislar
O Tribunal de Contas da União (TCU) exarou recentemente o Acórdão nº 2.670/2025, impondo um limite global de 65% para a soma dos descontos e da utilização de prejuízo fiscal (PF) e base negativa da CSLL (BCN) nas transações tributárias individuais. A decisão, apresentada como medida de controle, representa na realidade uma das mais graves violações institucionais já registradas no campo do Direito Tributário contemporâneo.
A medida não só ultrapassa — de forma inequívoca — a competência constitucional do TCU, como lança o país em um cenário de insegurança jurídica inaceitável, atingindo de modo direto e imediato empresas que negociavam transações tributárias legais, legítimas e baseadas em regras previamente consolidadas.
A situação é ainda mais alarmante porque o próprio órgão responsável pela política pública de transação tributária — a PGFN — recorreu da decisão e explicitou, em documentos oficiais, a profundidade de sua discordância técnica e jurídica.
II. A Lei da Transação Tributária: Estrutura Lógica que o TCU Desconsiderou
A Lei nº 13.988/2020, aprimorada pela Lei nº 14.375/2022, criou um sistema racional para recuperação de créditos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação. A norma estabelece dois momentos distintos e complementares:
- Primeiramente, aplicam-se descontos sobre multas, juros e encargos, limitados a 65% da dívida total (70% em hipóteses específicas, como para empresas em recuperação judicial).
- Em seguida, sobre o saldo remanescente, permite-se a utilização de créditos de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL para amortização, até 70%.
A lei, portanto, é clara:
há dois limites autônomos — um para descontos, outro para uso de PF/BCN — e ambos coexistem sem qualquer restrição cumulativa.
A interpretação do TCU, ao criar uma “trava global”, não encontra qualquer eco no texto legal. Na prática, o Tribunal reescreveu a lei. E mais: substituiu o juízo de conveniência e oportunidade do órgão técnico responsável — a PGFN — por uma limitação inexistente no ordenamento jurídico.
III. A Inconstitucionalidade do Acórdão nº 2.670/2025
O acórdão viola frontalmente princípios estruturantes do Estado de Direito.
- Violação do Princípio da Legalidade (arts. 37 e 150, I, CF)
No Direito Tributário, a legalidade é absoluta. Onde a lei diz “70% do saldo remanescente”, nenhum órgão pode dizer “até 65% do valor total da dívida”. O TCU atuou como legislador. Atribuiu a si competência que não possui. Transformou controle em criação normativa.
Essa postura, além de juridicamente nula, afronta a própria supremacia da lei. - Usurpação da Competência do Ministério da Fazenda e da PGFN
A Constituição, no art. 131, §3º, confere à PGFN a função de gerir a cobrança da dívida ativa, celebrar transações e avaliar sua conveniência e vantajosidade. O TCU, ao restringir mecanismos de negociação, invade a esfera técnica do órgão jurídico da Fazenda Nacional.
O Tribunal não pode substituir o administrador público no mérito do ato administrativo. - Afronta à Segurança Jurídica e à Proteção da Confiança (art. 5º, XXXVI, CF)
Importante ter presente que centenas de Empresas Brasileiras, que há meses negociavam suas transações, e mesmo a PGFN, foram surpreendidas com notificações informando que uso de PF/BCN estava proibido, e que agora está determinado pelo TCU a reformulação integral das transações em andamento, onde contribuintes utilizavam os saldos de Prejuízo Acumulado e da Base Negativa de CSLLL, para abater de seus saldos devedores, tal qual já fazem no cálculo do próprio IRPJ e da CSLL. O Crédito, o ativo do contribuinte, de um minuto para outro, deixou de ser apropriado como moeda legal de redução de tributos.
O TCU e seus Ministros esqueceram que neste momento representam o “Estado”, enquanto do outro lado está o Contribuinte, que simplesmente é notificado que a PGFN e a Lei da Transação e o arts. 171 do CTN foram afastados da negociação em tramite, e que todas prerrogativas legais lhe foram retiradas, mediante inusitada alteração das regras já consolidadas.
Estamos presenciando uma complexa violação da confiança que os Contribuintes atribuíam à PGFN e a Fazenda Nacional, porquanto esta foi absolutamente desautorizada pelo TCU. – ONDE FICA A SEGURANÇA JURÍDICA! – Isto é um grito, não uma pergunta.
A Transação Individual, iniciada pelo REFIS, REFIS II, PAES, PAEX, e Transações, consiste em uma política pública iniciada em 2004 que reduziu litígios e arrecadou bilhões em créditos antes irrecuperáveis. O art. 171 do CTN foi mudado para contemplar esta espécie de negociação, exatamente para assegurar SEGURANÇA JURÍDICA. Por conseguinte, além de partir de órgão ilegítimo -TCU – esta liminar ilegal não pode destruir uma Política Fiscal eficiente, sem causar consequências econômicas nefastas além da insegurança jurídica. - O equívoco da “renúncia de receita”
O TCU alega tratar-se de renúncia de receita. Mas a própria Lei da Transação Tributária é a lei específica exigida pelo art. 14 da LRF. E mais: prejuízo fiscal não é “benefício tributário”. É um ativo do contribuinte. A lei apenas permitiu seu uso para antecipar receita, convertendo crédito incerto em pagamento efetivo.
Transformar ativo patrimonial do contribuinte em “renúncia” é um erro conceitual grave.
IV. Consequências Econômicas: Ameaça Real à Sobrevivência das Empresas
A decisão do TCU afeta especialmente empresas em reestruturação ou em recuperação judicial. Para muitas delas, a transação tributária é condição objetiva de sobrevivência.
Limitar artificialmente os mecanismos legais de extinção do passivo tributário inviabiliza planos de recuperação já negociados; impede obtenção de certidões de regularidade fiscal; pode levar ao fechamento de empresas e à perda de milhares de empregos; compromete a arrecadação futura e a própria política pública criada pelo legislador.
A transação tributária não é “favor” ao contribuinte. É instrumento moderno e racional de arrecadação. Desmontá-la é um retrocesso histórico.
Trata-se de interferência indevida sobre caso concreto, com efeitos imediatos e potencialmente devastadores sobre atividade produtiva real.
VI. A Via Judicial Adequada: O Mandado de Segurança Individual e ADIN
Portanto, nos parece adequado alertar a PGFN, as Federações de Industria e Comércio, aos Governadores e Deputados, além do contribuinte lesado, que diante da ilegalidade e dos efeitos concretos sobre o contribuinte, o remédio constitucional mais adequado é o Mandado de Segurança e a ADIN .
Embora PGFN seja vítima, no caso a PGFN, que cumpre a Ordem do TCU, para efeitos de MS é a Autoridade Coatora, pois ela é que esta notificando os contribuintes da cassação da prerrogativa há anos concedida, quando aplica o acórdão do TCU e impede o uso de PF/BCN ou exige reformulação da proposta.
Todavia, sob o ponto de vista e legitimidade de Federações, Governadores e Presidentes de Assembleias, seria muito justificado o ajuizamento de ADIN contra o acórdão do TCU, porque no caso eivado de caráter normativo e mesmo decefeito vinculante geral, ainda que não seja lei formal.
No caso o Fumus boni iuris consiste da violação clara ao texto legal (art. 11 da Lei nº 13.988/2020 e o art. 171 do CTN); da inovação normativa inconstitucional do TCU; no reconhecimento público da própria PGFN de que discorda da decisão.
O Periculum in mora, consiste do risco imediato à continuidade das atividades empresariais; da iminente retomada de execuções fiscais; perda de certidão de regularidade; da inviabilização de planos de recuperação judicial; do prejuízo à economia local e ao setor produtivo e- principalmente – do descrédito da PGFN que agora está desautorizada a interpretar os normativos até então vigentes.
Certo é que o Acórdão nº 2.670/2025 do TCU não resiste a um exame sério sob a ótica constitucional, administrativa ou tributária. A decisão viola a legalidade; invade competência alheia; desorganiza política pública consolidada; compromete a segurança jurídica; ameaça o tecido produtivo e ignora a estrutura lógica expressa na Lei da Transação Tributária.
O combate jurídico é não apenas possível, mas necessário. Trata-se de defender não apenas empresas isoladas, mas a credibilidade das instituições, a estabilidade das relações entre Estado e contribuinte e a própria modernização do sistema tributário brasileiro.
Como presidente do Instituto de Estudos Econômicos e do Direito do Contribuinte (IEED) e como advogado atuante há décadas na defesa da legalidade tributária, afirmo: decisões como esta não podem prevalecer. O Direito Tributário não admite improviso, nem ativismo normativo. A Constituição não tolera usurpação de competência. E o país não pode conviver com insegurança jurídica institucionalizada.
O momento exige técnica, firmeza e reação jurídica imediata.
Fonte: Édison Freitas de Siqueira
Presidente da Édison Freitas de Siqueira Advs.
