A semana é de agenda lotada para o investidor. São 204 assembleias gerais de companhias abertas de hoje até o dia 30, ou seja, em seis dias úteis. O investidor interessado em ir aos encontros enfrentará, portanto, alguns desafios se tiver uma carteira minimamente variada. Só nos dias 29 e 30, são 120 assembleias. Sinal de que as companhias ainda não têm grande interesse na participação dos acionistas, já que facilitar não parece ter sido uma preocupação na hora de marcar a data.
As recentes iniciativas de regulação e autorregulação que preparam o país para a expansão das companhias de capital pulverizado destoam da realidade que ainda predomina no mercado nacional. O Brasil ainda é um país com companhias de donos bem definidos, que dirigem as empresa pela sua vontade e que não dependem do voto dos minoritários.
A concentração das assembleias no fim da temporada, que vai de fevereiro a abril, é apenas um exemplo da falta de apreço do mercado pelo ambiente máximo da democracia empresarial. Das mais de 200 assembleias dos próximos dias, 56 são de empresas do Novo Mercado – em que todos os acionistas podem votar.
A excessiva concentração também indica que os investidores não estão suficientemente incomodados com essa dificuldade, logo, estão pouco interessados em participar. E alguns elementos ajudam a entender a falta de apetite por esses encontros.
As assembleias ainda são ambientes de grande formalidade. De dar sono no mais animado dos acionistas. Rituais de aprovação de temas impressos numa lista, sem debate prévio.
Esse clima é ainda mais forte nas empresas tradicionais, que mantêm uma estrutura de capital com ações ordinárias e preferenciais – e são a grande maioria do mercado. Com os controladores de posse da maioria das ações com direito a voto, essas empresas ainda não encontraram razões suficientes para tentar atrair os investidores para as assembleias. Afinal, não precisam deles para aprovar as decisões.
Além disso, há alguns entraves logísticos. A Lei das Sociedades por Ações determina que, exceto por “motivo de força maior”, a assembleia deve ocorrer na sede social da companhia. Das 675 empresas registradas na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), pouco menos da metade está nos estados do Rio de Janeiro e São Paulo, principais centros financeiros do país. A metade restante está espalhada em outros 20 estados da federação.
A exceção mais recente de assembleia fora da sede foi a da Oi, em 2006. Na tentativa frustrada de reestruturação do grupo, o encontro foi realizado na casa de show carioca Scala, devido ao público esperado para o encontro. A empresa enviou 800 mil cartas para os acionistas, donos de ações por conta dos antigos planos de expansão da telefonia. Cerca de 400 pessoas compareceram e 10 mil responderam ao pedido de voto.
Portanto, participar das assembleias também implica gastos com deslocamento. E esse custo pode ser relevante, especialmente, se for para as 525,6 mil pessoas físicas que aplicam na bolsa e hoje respondem por um terço do volume negociado no mercado.
Isso tudo ajuda a entender, mas não justifica os acionistas não se preocuparem com o futuro de suas aplicações.
Nem mesmo assuntos de extrema relevância esquentam esses encontros. Recentemente, o Valor participou da assembleia da Sadia em que foi apresentado relatório da auditoria BDO Trevisan, chamada para apurar as responsabilidades pela contratação de derivativos que causaram grandes perdas à companhia.
Os acionistas não se animaram a comparecer nem diante da gravidade do tema. O quórum do encontro foi de 63% das ações ordinárias. Além da família, a reunião teve apenas a presença da Previ, Caixa de Previdência do Banco do Brasil, e de um único minoritário. Apesar de a liquidez da companhia estar concentrada nas ações preferenciais – que dão direito a participar da assembleia, embora não permitam o voto – , há 22,6% das ações ordinárias distribuídas no mercado. Das preferenciais, 68% estão com minoritários.
A apresentação da BDO Trevisan não sofreu questionamento objetivo, apesar de Previ e do minoritário lá presente terem se queixado do excesso de “sumarização” do relatório, o que o tornava pouco conclusivo quanto à responsabilidade dos executivos sobre as operações.
No caso da Sadia, a assembleia ocorreu em Concórdia, interior de Santa Catarina. Também foi lá que ficou o relatório da BDO Trevisan, para os acionistas que quisessem consultá-lo. O custo médio para ir até o encontro, para aqueles que conseguiram limitar a permanência na região a apenas um dia (já que a pequena quantidade de voos dificulta ida e volta no mesmo dia), era de R$ 1,5 mil. Este, pelo menos, foi o gasto do Valor.
E o investidor ainda corria risco, se quisesse ficar um único dia, de dar com a cara na porta para ver em detalhes o relatório da BDO Trevisan. O Valor, como acionista, teve acesso apenas a trechos. Ao chegar na sede da empresa soube que a íntegra ficou disponível até a sexta-feira anterior à assembleia (ocorrida numa segunda-feira), apesar de o edital de convocação não trazer informação sobre a data limite. Ou seja, para estudar o assunto e participar da reunião era preciso ou permanecer três noites ou ir duas vezes à Concórdia.
Há esforços evidentes que ajudarão a modificar a realidade das assembleias. Porém, a evolução não ocorrerá do dia para noite, especialmente pela elevada concentração de companhias com controlador definido no mercado brasileiro, que sustentam a estrutura societária com ações preferenciais.
Estudo realizado pelo professor Alexandre Di Miceli, do Centro de Estudos em Governança (CEG) da Fipecafi, mostra que existem apenas 37 empresas no mercado brasileiro sem a figura de um controlador definido, ou seja, 9,6% do total de companhias listadas. Em apenas cinco, os três maiores sócios têm menos de 25% do capital.
Quando se observa a relevância dessas empresas para o mercado, a participação é ainda menor. Elas representaram 5,2% da receita das companhias em 2008 e 6,0% do valor de mercado da Bovespa.
Maria Helena Santana, presidente da CVM, acredita que o Brasil só terá um aumento das companhias sem controlador com a retomada da atividade no mercado de capitais. Sem funcionar como financiador, não há estímulo para as empresas adotarem esse formato.
Duas iniciativas importantes do regulador devem contribuir para facilitar a vida do acionista. No ano passado, a CVM emitiu entendimento que permite o uso de procuração eletrônica para o voto dos acionistas, o que ajudará a conciliar as agendas lotadas da temporada e eliminar os custos com deslocamento. Esse formato, porém, elimina o debate no encontro. Mesmo se quisesse enviar um procurador no lugar, o acionista precisaria contratar um advogado e, portanto, gastar. Pela Lei das S.As., o representante precisa ser outro acionista, um administrador da empresa ou um advogado.
Neste mês, a CVM colocou em audiência pública regra que obriga a divulgação de manual com detalhe sobre o tema da assembleia, a oferta de procuração pela empresa e ainda regula a concorrência para indicação de membros do conselho pelos minoritários.