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29 de julho de 2025A Lei 14.133/2021 deixa evidente uma compilação de institutos jurídicos desenvolvidos primordialmente no sistema de contratações públicas norte-americano e outros da União Europeia, demonstrando a legislação brasileira de licitações é eminentemente estrangeira em muitas de suas bases conceituais. Esta análise demonstra a relevância das origens das ideias e certas descaracterizações que ocorreram no Brasil.
O System for Award Management (SAM) é um banco de dados obrigatório para entidades que realizam contratos federais norte-americanos, integrando verificação de elegibilidade, capacidade financeira, e compliance regulatório, inclusive com o past performance, que seria um equivalente de atestação técnica.
O Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores, brasileiro, tem ideias que foram aproveitadas ao longo dos anos do sistema norte-americano, mas há disparidades a resolver: os níveis de cadastramento no Sicaf possuem vários documentos mas um excesso de documentos continua em requisitos das licitações, como repetição, inclusive, de atestados, uma vez que não há histórico unificado da “vida” do licitante nos contratos, o que se espera que venha com o cadastro unificado previsto nos artigos 87 e 88 da Lei nº 14.133/21.
Aliás, os parágrafos terceiro e quarto desse último artigo inovam na previsão de anotação de desempenho de execução contratual dentro do registro cadastral, o que se espera que seja o ponto de mudança de realidade.
Registro de preços e marketplace de contratações públicas: eficiência
O sistema de registro de preços brasileiro lembra o sistema Schedule MAS (Multiple Award Schedule), norte-americano, que permite contratações de múltiplos fornecedores, em um marketplace, consagrado no GSA Advantage dos EUA, há quase três décadas.
O registro de preços brasileiro já era uma adaptação da ideia americana, mas não avançava na integração do formato de múltiplos fornecedores, efetivamente, nem tinha passos de um verdadeiro marketplace, de modo que se espera que o sistema dos artigos 82 a 86 da Lei nº 14.133/2021 efetive esses passos, com a viabilidade real de múltiplos fornecedores, sob demanda e com escolha e compra em modo online e imediato, como o MAS, com agilidade e flexibilidade nas contratações públicas.
O diálogo competitivo, previsto no artigo 32 da Lei 14.133/2021, é uma inovação inspirada nas contratações negociadas do sistema norte-americano e nas diretivas europeias. Essa modalidade é aplicável quando a Administração não possui meios suficientes para definir as especificações técnicas do objeto a ser contratado, permitindo que empresas com conhecimento de mercado apresentem soluções que atendam às necessidades do ente público, visando inovação e eficiência para projetos com problemas complexos.
Finalmente, no regime dos contratos brasileiros, o conjunto de artigos 105 a 114 da Lei nº 14.133/21 mudou o cenário possibilitando contratos que antes eram padronizados para até 60 meses, passem para 10 ou 15 anos. Aqui se faz uma ressalva dos contratos de 35 anos quando houver receita e o caso for de investimentos e geração de economia.
A mudança na lei aproxima o Brasil da realidade que há anos advinha do Federal Acquisition Regulation (FAR), pelo qual contratos como os viabilizados no sistema GSA Schedule/Multiple Award Schedule (MAS), já tinha dos contratos de longo termo, de até 20 anos, dependendo do objeto. Então, o que se tem é a administração e fornecedores com mais previsibilidade.
Há muitos anos o sistema do Federal Acquisition Regulation (FAR) evidencia a busca pelo que se conhece como best value (melhor valor, em contratação não apenas por preço como o fator decisivo) e lifecycle do objeto (considerar todos os custos do objeto em toda a sua vida útil).
Essas ideias norte-americanas serviram de inspiração para o que se tem agora nas regras dos artigos 6º, inciso XXIII, alínea “c”, 11, inciso I, 18, inciso VIII, e 34, § 1º, da Lei nº 14.133/21. Agora, nem o menor preço será, realmente o menor preço, mas a vantajosidade efetiva, isso sendo customizado nas regras no edital, que parametrizem filtros para essa escolha, de modo que, somente se terá decisão pelo preço quando se considerar também o atendimento da busca pelo melhor resultado.
O seguro-garantia com cláusula de retomada, previsto no artigo 102 da Lei 14.133/2021, é uma medida que visa assegurar a continuidade da execução contratual em caso de inadimplemento, especificamente, para obras e serviços de engenharia.
O mecanismo brasileiro foi inspirado no performance bond, utilizado nos Estados Unidos, que garante a conclusão do contrato por meio de uma seguradora, caso o contratado original não cumpra suas obrigações. Ligado a essa matéria se tem o step-in, que é o acompanhar preventivamente uma obra, por exemplo, e o takeover agreement, que é o termo de assumir a contratação para concluir a obra.
A adoção dessas ideias no Brasil representa um avanço na mitigação de riscos obras paralisadas, mas há distorções verificadas no Brasil. Uma delas é a limitação em valores tão altos, de grande vulto, que deixa a descoberto muitas obras de porte médio e pequeno que não deveriam ficar desconsideradas, porque nelas também se perde muitos recursos públicos, de modo que estados brasileiros já estão baixando limites para o começo de aplicação dessa ferramenta em contratos de porte menor. A outra é esquecer de “importar” a garantia chamada de payment bond, que tem a finalidade de proteger subcontratados, fornecedores e trabalhadores. Isso precisaria ser refletido para o Brasil.
A dispensa de licitação por valor, prevista no artigo 75, incisos I e II, da Lei nº 14.133/2021, permite a contratação direta de bens e serviços e obras de pequeno valor, visando à simplificação e à celeridade dos processos. Essa prática é semelhante ao conceito de micro-purchases nos Estados Unidos, que autoriza aquisições diretas abaixo de certo valor, reduzindo a burocracia e os custos administrativos.
Entretanto, o que se está delineando no Brasil, em parte, é a realização de “mini pregões”, de disputa visível, para muitas das contratações em dispensa de licitação, quando, pela lógica, deveria haver prontidão diferenciada, não um processo que chega a ser próximo de uma licitação. Isso preocupa, sendo evidente um caminho de distanciamento do modelo original de pequenas compras com rapidez e simplicidade, para o que tem se tornado visível na prática brasileira.
A política de preferência por produtos e serviços nacionais, prevista no artigo 26 da Lei nº 14.133/2021, busca fomentar a indústria e o desenvolvimento tecnológico nacional. No entanto, amplitude de variáveis possíveis para bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras, bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis, afastou muito da ideia original desse instituto, além do que, a extensão das preferências a países do Mercosul é uma distorção do princípio original.
Nos Estados Unidos, o Buy American Act estabelece critérios para a aquisição de produtos nacionais, sem extensões a blocos econômicos, mantendo o foco na indústria doméstica, sendo esse mesmo o sentido de muitos outros normativos de tantos outros países dos mais variados continentes, ficando o Brasil, com sua lei “inexplicável”, o único país do mundo que deforma as preferências nacionais para fora do ambiente nacional, uma teratologia, até porque ele nem pode fazer isso, sob alegação de reciprocidade, porque isso dependeria de cada outro país do Mercosul alterar sua legislação. Mas o fato principal é que a inusitada norma da lei brasileira deixou o país em uma situação incomum e contraditória.
A Lei 14.133/2021 incorpora dispositivos que favorecem microempresas e empresas de pequeno porte, em vários pontos do seu texto, em uma integração com as ideias da Lei Complementar nº 123/2916, que foi inspirada no Small Business Act dos Estados Unidos, que estabelece metas de participação para pequenas empresas em contratos federais, inclusive, com a ideia original do que se conhece no Brasil como a solução do empate ficto e a questão de subcontratação das pequenas empresas, por exemplo.
Acontece que o Brasil partiu para um descompasso até mundial, quando resolveu alterar muito ideias originais e criar normas e excessivas condições concorrenciais impregnadas de políticas de equidade nas empresas, que revelam séria dificuldade de sair do papel, pelo subjetivismo, como, ainda, outros benefícios a certos grupos sociais, em burocracia na competição e na execução de contratos, colocando em dificuldades a efetividade das contratações públicas.
Embora o lado social tenha sua relevância, o que o Brasil fez em sua lei começou a ter seus efeitos complexos com judicialização de vários litígios, em especial, com discussões da inviabilidade de aplicações dessas regras socio-econômicas em muitos casos, além do subjetivismo de critérios. Muitos processos ainda chegarão ao Judiciário em razão do excesso que foi incorporado na Lei nº 14.133/21.
As penalidades previstas no artigo 156 da Lei nº 14.133/2021, inclusive a declaração de inidoneidade, são inspiradas em sanções que existiam não apenas na Lei nº 8.666/93 e normas anteriores, mas no Federal Acquisition Regulation (FAR), norte-americano, que há anos já possuía sanções como o debarment e a suspension de fornecedores, mecanismos idealizados para busca de integridade e responsabilidade nas contratações públicas, com o afastamento de empresas que não atendam aos requisitos legais e éticos.
Este artigo não é exaustivo, mas os pontos destacados demonstram que a Lei nº 14.133/2021 importou mecanismos desenvolvidos no exterior ao longo de décadas. Ignorar essa realidade histórica e comparativa e distorções que surgiram apenas na lei brasileira, compromete a eficiência, de modo que a presente análise é um convite à reflexão e ao aprimoramento contínuo, porque o Brasil previsa aprender com a experiência internacional consolidada em prol das contratações públicas.
Fonte: Conjur
