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Ano : 2007 Autor : Dra. Karina Borges da Silva

A penhora on line na execução civil e fiscal

A penhora eletrônica é uma forma ágil de cumprimento de constrição judicial através da comunicação direta dos órgãos judiciários com o Banco Central por meio de convênio para uso do sistema BacenJud.

De fato, a penhora on line difundiu-se com maior predominância nas execuções trabalhistas desde 2002/2003, inclusive porque o sistema BacenJud1.0 tornou-se meio obrigatório de comunicação das decisões judiciais trabalhistas em bloqueios financeiros.

Com a versão BacenJud 2.0, e a edição de leis que positivam a penhora eletrônica, a LC 118/2005, referente ao Código Tributário Nacional, e a Lei 11.382/06, sobre o Código de Processo Civil, os magistrados estaduais e federais também passaram a utilizar o sistema de constrição eletrônica.

Breve Histórico da Penhora On Line

A versão inicial do sistema BacenJud, desenvolvido pelo Banco Central em 2000, apresentava inúmeras falhas que foram relativizadas em 2005 com a versão 2.0. do software. Uma das falhas mais comuns era a constrição de todas as contas que constavam na pesquisa do CPF e CNPJ do executado, além de bloquear valores acima do título executivo, configurando o excesso de execução. Ademais, a emissão e cumprimento da ordem judicial eram realizados em até 24 horas, porém o desbloqueio dos demais valores e contas não acontecia na mesma velocidade.

Apesar do STJ (Superior Tribunal de Justiça) ter assinado o Convênio BacenJud com o Banco Central antes do TST (Tribunal Superior do Trabalho), em 2001, os problemas causados pela versão 1.0 não eram vistos com bons olhos além da seara trabalhista. Todavia, com a versão mais atualizada do sistema, os magistrados estaduais e federais também passaram a utilizar com uma freqüência maior  o sistema de constrição eletrônica. Em 2006, o TJ/SP, a exemplo do TST em 2003, editou uma Portaria para tornar obrigatória a constrição por meio eletrônico.

O sistema de penhora eletrônica causou várias críticas ao longo desses anos, além das causadas pela limitação do BacenJud 1.0 que, no mínimo, acarretava excesso de execução. Entretanto, a maior crítica era pelo falta de previsão legislativa específica sobre o tema, pois tudo era baseado nas assinaturas de convênios entre tribunais e o Banco Central. Posteriormente, o TST e alguns outros tribunais editaram provimentos e portarias para  regulamentação de uso da penhora por meio eletrônico, porém estas determinações não eram a forma adequada de suprir adequadamente a omissão legislativa sobre o tema.

Positivação da Penhora Eletrônica: CTN e CPC

Desde 2005 estas duas questões sofreram profundas modificações: houve o aprimoramento do software na versão 2.0, bem como a edição de duas leis que positivaram a penhora on line quanto ao processo executivo fiscal e cível. A Lei Complementar nº 118/2005, normatizou a penhora no art. 185-A do Código Tributário Nacional, enquanto que o Código de Processo Civil passou a tratar do tema a partir da Lei 11.382/06, com o art. 655-A, conforme transcrições que seguem:

Art. 185-A, caput, CTN -  Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus bens e direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial.

Art. 655-A, caput, CPC- Para possibilitar a penhora de dinheiro em depósito ou aplicação financeira, o juiz, a requerimento do exeqüente, requisitará à autoridade supervisora do sistema bancário, preferencialmente por meio eletrônico, informações sobre a existência de ativos em nome do executado, podendo no mesmo ato determinar sua indisponibilidade, até o valor indicado na execução.

Os dispositivos sobre a penhora eletrônica do CTN e CPC mantêm pontos em comum ao determinarem a  via eletrônica como meio preferencial para o cumprimento e comunicação da ordem judicial de constrição. Porém, uma análise literal mais detalhada demonstra que cada dispositivo tem sua maneira peculiar de prescrever a forma, o momento e até  mesmo o grau de extensão da realização do bloqueio patrimonial.

As diferenças de ambas legislações não se referem apenas quanto tipo de processo executivo: o CTN para execução fiscal, e CPC para seara cível, até mesmo porque este último é utilizado de forma subsidiária nas ações fiscais no que não contrarie a Lei de Execuções Fiscais (Lei  6886/80).

Preliminarmente, já se pode apontar que o CTN prevê a aplicação da constrição eletrônica como recurso excepcional, ou seja, aplicável após a devida realização de infrutíferas diligências. Todavia, o CPC permite que a ordem de bloqueio possa ser realizada no mesmo ato em que o juiz diligencia para obter as informações financeiras, ou seja, há uma ordem antecipada à resposta de informação de existência de bens.

Penhora On Line Imobiliária e de Veículos:

Por um lado, a parte inicial do art. 185-A do CTN demonstra uma certa parcimônia no momento de aplicação da constrição, porém a segunda parte do caput tenta compensar essa espera quando determina que o deferimento da constrição atingirá simultaneamente todos os direitos patrimoniais do devedor. Enfim, além de ocorrer uma penhora de ativos financeiros, haverá também uma penhora on line veicular e imobiliária.

Ainda que o art. 655-A do CPC refira-se especificamente à penhora eletrônica específica de dinheiro e depósito, também há disposição no art. 615-A que permite uma forma antecipada de obstaculizar a livre disposição de bens móveis e imóveis do executado.  Não há bloqueio eletrônico, mas uma averbação realizada a critério do exeqüente por meio de certidão comprobatória de ajuizamento de execução, conforme transcrição que segue:

Art. 615-A.  O exeqüente poderá, no ato da distribuição, obter certidão comprobatória do ajuizamento da execução, com identificação das partes e valor da causa, para fins de averbação no registro de imóveis, registro de veículos ou registro de outros bens sujeitos à penhora ou arresto.

§ 1o  O exeqüente deverá comunicar ao juízo as averbações efetivadas, no prazo de 10 (dez) dias de sua concretização.

§ 2o  Formalizada penhora sobre bens suficientes para cobrir o valor da dívida, será determinado o cancelamento das averbações de que trata este artigo relativas àqueles que não tenham sido penhorados.

§ 3o  Presume-se em fraude à execução a alienação ou oneração de bens efetuada após a averbação (art. 593).

§ 4o  O exeqüente que promover averbação manifestamente indevida indenizará a parte contrária, nos termos do § 2o do art. 18 desta Lei, processando-se o incidente em autos apartados.

§ 5o  Os tribunais poderão expedir instruções sobre o cumprimento deste artigo.”

Embora o caput do referido artigo não faça expressa menção de uso de meio eletrônico, o inciso §5 deixa em aberto esta possibilidade futura. Nada impede que as instruções expedidas pelos tribunais disponham sobre o envio de ordens de averbação eletrônica para cartórios a pedido do exeqüente.

Em todo caso, resta claro que a viabilidade da penhora on line de ativos financeiros se deve necessariamente mais pela informatização em si do que pela existência de dispositivo legal, justamente porque foi a criação de um software e assinatura dos convênios do sistema BacenJud que antecedeu a positivação da penhora eletrônica numa diferença de quase 5 anos.

Logo, a penhora eletrônica de veículos e imóveis ainda demorará em se disseminar porque não existe um sistema informatizado e de integração entre todos os órgãos de registro e cartórios do país. Nesse sentido, O CNJ (Conselho Nacional de Justiça) coordena um projeto com o DENATRAN (Departamento Nacional de Trânsito) para realização de penhora on line de veículos, cuja implantação poderá iniciar neste ano. Todavia, a consulta e o bloqueio eletrônico de imóveis já funciona em alguns Estados.

Em São Paulo, desde fevereiro de 2006, os juízes podem realizar bloqueios on line através de certificação digital, e, desde 2005,  o sistema de “Ofício Eletrônico” une os 18 Cartórios de Registro da Capital. O sistema está em fase inicial, mas já permite acesso de consultas on line para juízes trabalhistas, Receita Federal, INSS, Procuradores do Estado e Município, Procuradores da Fazenda Nacional. A meta de longo prazo é a criação de um cadastro nacional de imóveis.

A efetividade do sistema BacenJud decorre justamente da unicidade de recepção das ordens judiciais. Todas as ordens eletrônicas são destinadas para um único órgão: o Banco Central, e não para cada agência bancária. Esta centralização fez  muitos operadores de direito questionarem a supressão de jurisdição, já que as contas localizadas em um determinado Estado eram constritas por ordem judicial emanada por juiz de jurisdição diversa. Nesse sentido, a seara trabalhista tratou do tema em primeiro lugar, declarando que não havia incompetência de jurisdição.

Requisitos da Indisponibilidade e Limitação da Informação:

O §1 do art. 655-A, do CPC, delimita as informações que podem ser requeridas e fornecidas por ordem judicial eletrônica: somente sobre a existência ou não de depósitos, ou aplicações financeiras, até o valor indicado na execução. No § 2º, determina-se que é ônus do devedor provar a impenhorabilidade dos valores encontrados conforme previsto no inciso IV, do art. 649, do CPC ou em outra disposição legal, conforme texto que segue:

Art.655-A, CPC - .......
§ 1o  As informações limitar-se-ão à existência ou não de depósito ou aplicação até o valor indicado na execução.

§ 2o  Compete ao executado comprovar que as quantias depositadas em conta corrente referem-se à hipótese do inciso IV do caput do art. 649 desta Lei ou que estão revestidas de outra forma de impenhorabilidade.

Art. 649, CPC – São absolutamente impenhoráveis:
IV - os vencimentos, subsídios, soldos, salários, remunerações, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal, observado o disposto no § 3o deste artigo;

Já em sede de execução fiscal, o art. 185-A do CTN restringe a indisponibilidade do exercício dos direitos patrimoniais do devedor tributário, após a devida citação, se não houver o pagamento, apresentação de bens à penhora ou impossibilidade de localização dos bens indicados no prazo legal.

 Violações de Garantias Constitucionais e Processuais:

A redação dos dispositivos demonstra acertos e falhas legislativas que se forem aplicadas sem a devida proporcionalidade pela autoridade judiciária poderá acarretar a violação de garantias constitucionais e processuais.

Princípios Constitucionais:

Princípio da Proteção e Intimidade da Pessoa Humana e do Sigilo das Informações e a Quebra do Sigilo Bancário

A proteção constitucional da privacidade e do sigilo das comunicações, previstas nos incisos X e XII do art. 5º, inclui a preservação do sigilo bancário. De acordo com a LC 105/2001, a única hipótese de fornecimento de dados é através de requerimento judicial.

Para alguns juristas não há ofensa aos princípios de privacidade e sigilo, já que a ordem judicial de pesquisa de bens é restrita a apuração de existência ou não de aplicações financeiras e depósitos, pelo CPC, incluindo bens móveis e imóveis, pelo CTN.

As informações fornecidas pelo Bacen, inclusive a confirmação de realização de bloqueio, são enviadas eletronicamente para o juízo requerente, porém a resposta será impressa e constituirá em documentos que serão juntados em processos judiciais materiais (de papel) que, em princípio, podem ser consultados livremente por qualquer interessado.

A remessa e o bloqueio são realizados por meio virtual, mas a documentação dos mesmos constitui registro material palpável e acessível a qualquer pessoa. Logo, a privacidade das finanças de um executado é exposta sem o devido resguardo constitucional.

Princípio do Devido Processo Legal, Contraditório e Ampla Defesa:

Se a ordem judicial de constrição for determinada simultaneamente com a requisição de diligências, conforme prevê o CPC, então haverá supressão de fase executória. Os defensores do uso irrestrito da penhora eletrônica alegam que o direito de defesa do executado se mantém intacto pela ação dos Embargos à Execução.

A questão resume-se à celeridade da constrição versus a morosidade dos trâmites judiciais. A constrição pode ser determinada em 24 horas, mas a análise, o julgamento e toda a tramitação e movimentação da ação de Embargos ainda não é realizada de forma célere dentro dos cartórios e secretarias judiciais.

A decisão é cumprida por via eletrônica, mas a análise da defesa do executado ainda é material, e mesmo que todo o processo executivo fosse digital, sabe-se que toda a sua tramitação também não ocorreria em tempo exíguo. Além disso, a determinação eletrônica de bloqueio deve ser convertida em penhora, caso contrário o ato será de expropriação, o que fere frontalmente o inc. LIV, do art. 5º, da CF.

Violação dos Princípios Processuais:

Princípio da Menor Onerosidade e Excesso de Execução:

Preceitua o art. 620 do CPC que a execução deve se dar da forma menos gravosa para o devedor, sendo assim se o juiz determina a constrição juntamente com o ato de requisição de informações, certamente estaria tolhendo o direito do executado de nomear os bens que poderiam lhe causar menos danos.

 
Após o lançamento da versão 2.0, diminuiu-se a possibilidade do bloqueio eletrônico recair em valores previstos além do determinado no título executivo, bem como a constrição do mesmo valor em mais de uma conta bancária, pois na versão 1.0 a pesquisa e a penhora abrangiam tudo o que era indicado pelo CPF e CNPJ. Na versão atual, o tempo de desbloqueio dos bens também foi reduzido para cerca de 48 horas, pois na versão anterior o desbloqueio levava semanas.

Dessa forma, para muitos a possibilidade do excesso de execução é considerada remota, e mesmo que ocorra, alega-se que a celeridade da ordem de desbloqueio minimizaria os danos. Novamente, esquece-se que a ordem de bloqueio e desbloqueio é eletrônica, mas a movimentação processual ainda não é tão célere quanto se desejaria.

Ademais, aprimoramento do BacenJud permite reduzir a probabilidade de excesso de execução, mas não impede a sua ocorrência. Se a existência do excesso de execução fosse apenas uma questão de ajuste de software, então este excesso nunca ocorreria em processos que utilizam a penhora tradicional.

Aplicação do Princípio da Proporcionalidade na Penhora na Penhora Eletrônica

A mesma lei complementar que inseriu as recentes alterações da Lei de Falências e Concordatas  também trouxe a positivação da penhora on line no CTN, porém, se por um lado, a LC 118/05 busca a  preservação e recuperação da atividade empresarial, em outro sentido as conseqüências da aplicação irrestrita do art. 185-A do CTN pode gerar justamente o efeito oposto.

A constrição judicial imediata do capital de giro empresarial ou da renda de uma pessoa física pode ter conseqüências graves, dependendo do uso e destino que seria dado para o valor bloqueado. Ainda que se possa utilizar a defesa processual para argumentar as hipóteses de impenhorabilidade ou excesso de execução, a demora do desbloqueio pode engessar toda a atividade empresarial.

A indisponibilidade eletrônica derivada de uma única execução pode criar  novos inadimplementos com o bloqueio indevido de valores aplicáveis para o pagamento de salários, obras, cumprimento de contratos e até obrigações tributárias, ou seja, elementos que têm data certa e pré-fixada para serem atendidos, cuja mora ou impossibilidade de pagamento pode gerar outras providências processuais, inclusive novas ações executivas cíveis, fiscais ou trabalhistas.

O princípio da proporcionalidade não tem previsão expressa na norma constitucional, mas a doutrina o conceitua como meio limitador de excessos para permitir a satisfação de um direito através da menor restrição possível. A aplicação da proporcionalidade nas decisões de penhora on line permite que se avalie a circunstância  do caso concreto para que a constrição patrimonial não ultrapasse os limites da execução, gerando onerosidade ao devedor.

Dessa forma, a penhora on line não deve ser aplicada discriminadamente, mas somente em caráter excepcional e subsidiário, quando se verificar a pretensão do devedor em se escusar do adimplemento da obrigação. Nesse sentido, a norma 185- A do CTN demonstra maior  cautela em sua redação do que a previsão do art. 655- A do CPC.

Dra. Karina Borges da Silva - OAB/RS 62.540 - Jornalista DRT nº 977
Advogada Trainee do Staff da Presidência da Édison Freitas de Siqueira S/S


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