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Ano : 2010 Autor : Dr. Édison Freitas de Siqueira

Conflito de interesses que maquia os números da economia brasileira

Em julho de 2009, veio à tona mais uma das "brilhantes" estratégias governamentais de natureza política-econômica quanto à permanente maquiagem dos números da Receita e do Orçamento Geral da República Federativa do Brasil. Fingindo corrigir um grave erro de mais de 20 anos, a União Federal divulgou ao mercado a exclusão do faturamento da Petrobrás do cálculo do superávit primário. A medida seria de todo acertada não fosse sua intempestividade, e por não contemplar igual exclusão quanto ao faturamento de outras "big" empresas privadas das quais a União é sócia, a exemplo da Eletrobrás, da Eletronorte etc.


A transparência dos números e a divulgação da correção do erro deram inicialmente a impressão de iniciativa da União, quando, na verdade, a circunstância foi consequência de ameaça materializada em denúncia - em trâmite no Tribunal de Contas da União há mais de dois anos e, atualmente, engavetada sob segredo de justiça.


Portanto, não houve avanço, mas estratégia demagógica, adequada à necessidade de bem impressionar ao mercado e não prejudicar a melhor avaliação das ações do Grupo Petrobrás que, por meio de lançamento de ações, pretende obter os recursos necessários ao financiamento da prospecção e comprovação da existência das reservas do pré-sal. Outros aspectos que também ajudaram foi a chegada do ano eleitoral e a necessidade do governo comprovar as informações globais que indicam o "B" do Bric como a melhor opção de todos os mercados.


A estratégia foi oportuna, exatamente porque aproveitou-se da fumaça do período pós-crise. Este fato permitiu ao governo vir a público e fazer um mea culpa, tornando o que seria um escândalo internacional uma ingênua correção de dados bilionários relativos ao cálculo do superávit desde 2001, embora a modificação só tenha contemplado a Petrobras, sem considerar os demais erros da mesma natureza.


A verdade é que a União Federal nunca poderia ter se apropriado de receitas, faturamento ou, simplesmente, informações contábeis das empresas das quais é sócia, minoritária ou majoritária, para rechear e mascarar suas demonstrações de arrecadação fiscal e de superávit primário. Estes dados devem ser 100% transparentes, tanto para os parceiros do mercado mundial como para o Congresso Nacional e o povo brasileiro.


Agir contrariamente a este senso comum, principalmente em períodos pré e pós-crise, é achar que os agentes internacionais de mercado, tais como o Banco Mundial, Bolsas de Valores, Agências de Avaliação de Risco e Investimento continuarão, eternamente, manipulados ou completamente cegos. Se a questão não for resolvida em curto espaço de tempo a partir de uma visão da totalidade das informações que compõem o cálculo do superávit primário, causará insegurança e descrédito que definirão a queda dos preços e cotações dos assets do mercado brasileiro.


Quanto às empresas das quais a União é uma dos sócias, o único valor e informação que o Governo Brasileiro pode divulgar como receita própria são os dividendos e a distribuição de lucros que vier a receber ou as despesas que implementar como investimento ou integralização de capital nas mesmas companhias, a partir de recursos orçamentários da própria União. Sequer os empréstimos ou integralizações de capital feitos pelos Bancos BNDES, BNDESPAR, Caixa Econômica Federal ou pelos 32 maiores Fundos de Previdência Privados (todos controlados pela União), podem ser considerados como despesa ou investimento da República.


Quando isto ocorre há evidente mascaramento de informações prestadas ao mercado mundial, ainda que a ação venha acompanhada ou não de autorização do Tribunal de Contas da União ou acobertada pela legislação brasileira. O que importa ao mercado são os números reais. Bolhas e maquiagens cada vez mais estão sendo consideradas anomalias de um período de desregulamentação e impunidade que está chegando ao seu fim.


Outro exemplo que deve ser tratado, a exemplo do caso da Petrobras, é o Grupo Eletrobrás, constituído por mais de uma dezena de empresas absolutamente privadas, regidas pela lei das sociedades anônimas, e possuindo ações negociadas na Nyse e na Bovespa. A Eletrobrás e a Petrobras possuem milhares de sócios brasileiros e estrangeiros, muitos deles proprietários de ações com direito a voto e com influência na gestão da Cia. Entre os sócios de destaque encontram-se, ao lado da União, o BNDES, o BNDESPAR e dezenas de investidores norte-americanos representados ou não pelos Grupos Citigroup , JP Morgan Chase e Brandes. Em conjunto, os sócios estrangeiros com direito a voto dentro da Eletrobrás detêm mais de 20% do total das ações. Só a Brandes detém 8,5%.


A exclusão dos números da Petrobras nos critérios de apuração do superávit ou dos investimentos e do déficit primário brasileiro não resolve a questão enquanto permanecerem os números do grupo Eletrobrás e das outras "big" empresas brasileiras das quais a União é sócia. Aliás, a Eletrobrás deverá, em breve, se tornar a maior empresa do setor na América Latina, prevendo capitalização por meio da emissão de ações próprias e de empresas subsidiárias num montante inicial no valor de 6.5 bilhões de dólares.


É necessário que o mercado e os órgãos de governo deixem de usar a palavra estatal para camuflar a apropriação de números de empresas privadas, como se fosse coisa pública. Isto prejudica a imagem das empresas brasileiras no mercado internacional, tornando nossa economia suscetível à "bolhas" e manipulações.


A palavra estatal tem sido usada, inclusive, para encobrir o não pagamento de dividendos aos acionistas minoritários da Eletrobrás há mais de 20 anos e, ainda, possibilitar a absurda classificação de Nível II na Nyse quanto a uma Cia que não cumpre a lei e obrigações com seus acionistas. Os valores encobertos são tão significativos que, para dar legalidade aos números do bilionário passivo e das reservas contábeis destinadas ao pagamento destes dividendos sonegados aos acionistas, bem como das reservas destinadas ao pagamento de milhares de debêntures emitidos, ao final não foram pagos ou convertidas em ações como deliberado e prometido pelos acionistas em assembléia geral extraordinária registrada no Cartório de Registro de Imóveis do Rio de Janeiro e na própria CVM, que foi necessário a criação do Regime Tributário de "Transição" por meio dos arts. 18 a 22 da Lei nº 11.941/09 que instituiu o Refis da crise.


Somente para os sócios americanos e canadenses (Fundo Brandes), o valor de dividendos devidos é superior a 3,5 bilhões de dólares . Além da Brandes, ainda podemos considerar o passivo com outros sócios americanos. P. ex., Kansas Judges and other Employees Retirement System, State Teachers Retirement System of Ohio, Public Employee Retirement System of Idaho, Teacher Retirement System of Texas, State of Connecticut Retirement Plans and Trust, Virgina Retirement System e até até mesmo fundos de desenvolvimento da agricultura das Nações Unidas. Todos não recebem dividendos há mais de 20 anos, em que pese a classificação de Nível II na Nyse.


São estas as circunstâncias que demonstram o total conflito de interesses das instituições que controlam o mercado mobiliário e financeiro brasileiro, tornando maquiagem e estratégia uma técnica de gestão nacional.


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