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18 de abril de 2024O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, no julgamento de Apelo em Mandado de Segurança decidiu que precatórios devidos pelo IPERGS, podem compensar dívida do ICMS das empresas devedoras do Estado do Rio Grande do Sul.
O Ilustre Julgador, Dês. Relato Carlos Roberto Lofego Canibal, usou por bem a letra crua da lei para embasar sua decisão. Basicamente, defendeu que a luz do artigo 170 do Código Tributário Nacional, a autorização para compensação é expressa e que, eventual negativa de compensação somente poderia se dar por apego a filigranas subjetivas de quem aprecia os pedidos.
A impossibilidade da dita compensação só traz benefícios à “cadeia credora” do Estado que, diga-se, insiste na utilização de estratagemas escapistas para se eximir de obrigações. Isso que, no caso, são alimentares !
A impossibilidade usurparia dos credores do IPERGS a única forma de se ressarcir de algo, muitas vezes, há muito declarada líquida pela justiça.
Curiosa é a resistência do Estado em resistir ante a compensação. Pois, a luz do bom senso universal, isso só pode trazer vantagens ao Estado. Claro que falamos de um Estado motivado a cumprir sua função junto a sociedade. Mas ao que parece, o calote estatal só pode ser travado coercitivamente.
O que se lamenta, pois a compensação deveria ser albergada já pela via administrativa. Sob pena do própria Estado contribuir para o sem número de demandas “dispensáveis” que hoje assoberbam o Judiciário.
A retórica acerca do assunto já é maculada pelo excesso de redundantes obviedades, como se vê, tanto o é que o STF já saneou o assunto, vejamos:
DECISÃO: Discute-se no presente recurso extraordinário o reconhecimento do direito à utilização de precatório, cedido por terceiro e oriundo de autarquia previdenciária do Estado-membro, para pagamento de tributos estaduais à Fazenda Pública.
2. O acordão recorrido entendeu não ser possível a compensação por não se confundirem o credor do débito fiscal — Estado do Rio Grande do Sul — e o devedor do crédito oponível — a autarquia previdenciária.
3. O fato de o devedor ser diverso do credor não é relevante, vez que ambos integram a Fazenda Pública do mesmo ente federado [Lei n. 6.830/80]. Além disso, a Constituição do Brasil não impôs limitações aos institutos da cessão e da compensação e o poder liberatório de precatórios para pagamento de tributo resulta da própria lei
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Ao tratarmos de interpretação no Direito Tributário, interessa registrar que no Brasil a matéria foi tratada, inicialmente, como ramo do Direito Financeiro, tendo sido adotados termos dessa área que não correspondem aos institutos e conceitos adequados aos tributos. Essa situação provocou alguns juristas que foram os precursores da transformação dos estudos na área. Ao analisarmos algumas características da nossa Constituição Federal, que a princípio parecem triviais, pretendemos demonstrar a sua importância capital na interpretação do Direito Tributário. Quanto ao Direito Tributário, há um título específico cujos dispositivos regulam, pormenorizadamente, a relação tributária. Podemos constatar, por exemplo, que todas as espécies tributárias estão previstas e, em parte substancial delas, com conceitos complexos. Cada espécie tributária tem, na Constituição, a hipótese material da hipótese de incidência já definida. No ordenamento constitucional há uma formulação voltada para o âmbito material, ou seja, o poder de tributar está vinculado a um conteúdo. Assim, constata-se que “o que” pode ser objeto de tributação está na Constituição. Quanto à segunda característica, indicada por Geraldo Ataliba, sobre a “abertura” de nossa Constituição, cabe ressaltar dois significados relevantes. Existe a possibilidade de uma norma decorrer de vários textos, como o princípio da segurança jurídica: utiliza-se os artigos que prevêem a legalidade/Estado de Direito/proteção da irretroatividade/proteção da anterioridade/proteção do ato jurídico perfeito e a coisa julgada. É uma soma dos conteúdos de vários textos particulares para chegar a uma idéia geral, por indução. Uma construção.
Ano : 2008
Autor : Dr. Alfredo Fernando Zart
A Correta Interpretação da Constituição em prol do Contribuinte
Alfredo Augusto Becker apontou para a necessidade de classificar, conceituar analiticamente e utilizar uma linguagem adequada para normas e conceitos. Geraldo Ataliba também preocupava-se com a cientificidade e acrescentou um detalhe importante: olhar para a Constituição. É em relação a este ponto que tratam estas considerações.
O primeiro aspecto a ser considerado é a extensão da nossa Constituição sob o ponto de vista da quantidade de dispositivos. Basta uma leitura rápida para verificarmos que há previsão para quase tudo em seu texto: os direitos e garantias fundamentais, a organização administrativa do Estado, a distribuição de competências entre os Poderes, o Sistema Tributário, a atividade econômica, etc.
E mais, da leitura do subcapítulo referente ao Sistema Tributário, verifica-se que é previsto “como” os tributos devem ser instituídos e, também, “quando” os tributos podem ser cobrados. Trata-se das limitações formais, dos tipos procedimentais e temporais.
Até o “porquê” da instituição dos tributos às vezes está na Constituição, como no caso das contribuições que servem de instrumento para a busca de finalidades, de modo contínuo.
A repercussão dessa constatação é relevante pois, no dia-a-dia do Direito Tributário brasileiro, as respostas devem ser buscadas na Constituição Federal porque ela é o instrumento normativo básico.
Com base nos estudos de Geraldo Ataliba, afirma-se que nossa Constituição se caracteriza por duas qualidades: prevê um sistema constitucional rígido e, por outro lado, é um sistema aberto.
A referência a um sistema rígido é no sentido de que uma parte da Constituição Federal não pode ser objeto de modificação. As cláusulas pétreas não podem ser objeto, sequer, de emenda constitucional, estando fora de discussão. Por outro lado, as regras de competência e de repartição das receitas somente podem ser modificadas através de emenda constitucional, procedimento específico que prevê quorum qualificado para a sua aprovação.
Essa rigidez significa que as questões tributárias são questões constitucionais. Assim, se pretendermos saber o que é renda, por exemplo, é na Constituição que devemos buscar o conceito. Outro exemplo que merece destaque ocorreu no julgamento sobre o conceito de faturamento no caso das contribuições. O Ministro Gilmar Mendes afirmava que faturamento é o que o legislador havia previsto na Lei n. 9.718/98, porém, ao final dos debates, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o conceito de faturamento é o que a Constituição pressupôs.
Isto é decisivo, a Constituição é o ponto de partida. Sendo assim, o aplicador irá verificar, por exemplo, se a Constituição definiu a hipótese de incidência ou não (pode ter definido mais ou menos), se existe regra constitucional que reserve para lei complementar o tratamento de determinada matéria, etc. É importante considerar que, se for o caso da legislação infraconstitucional ser decisiva, em que medida ela irá decidir deve estar definido pela própria Constituição.
O primeiro pode ser constatado no fato do subcapítulo constitucional sobre o Sistema Tributário dispor, expressamente, que nem tudo está ali. No parágrafo 1º do artigo 145 há a previsão: “...respeitados os direitos individuais e nos termos da lei...”, sendo os referidos direitos individuais tratados no início da Constituição, no artigo 5º. Outro exemplo é o artigo 150, que trata das limitações ao poder de tributar, com a seguinte previsão: “Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União...”, estando as referidas garantias nos artigos. 1º, 5º, 6º, entre outros, fora do capítulo específico do Sistema Tributário.
O fato do sistema ser “aberto” significa que ele não é auto-suficiente. O subsistema tributário se abre à Constituição toda e, em algumas situações, à legislação infraconstitucional (por exemplo, o artigo 146 prevê que cabe à lei complementar dispor sobre diversos aspectos da relação tributária). A Constituição, em seu próprio texto já confessa “eu não sei de tudo” e, com o seu próprio texto, diz “eu não cuidei de tudo”.
A reconstrução das limitações ao poder de tributar e de sua extensão depende da estrutura normativa do sistema. Essa abertura significa que o Sistema Tributário protege a esfera privada intensamente, seja porque prevê a dedução de direitos fundamentais e garantias indeterminadas, seja porque assegura a aplicação imediata das normas decorrentes dos direitos e garantias fundamentais (§1º do artigo 5º).*
Em síntese, analisando as qualidades referidas por Geraldo Ataliba, conclui-se que a Constituição é um sistema rígido, mas isso não quer dizer que seja exaustivo e autônomo, que são outras questões.
A segunda faceta da comentada “abertura” de nossa Constituição, essa mais teórica mas não menos relevante, é o fato de que muitas das questões que interessam ao Direito Tributário não estão expressas na Constituição. Normalmente tendemos (positivistas ainda mais) a associar a norma ao texto - a norma se identifica com o texto. Este é um equívoco que deve ser afastado. O conteúdo normativo de uma Constituição não é idêntico ao seu conteúdo de texto.
A norma, conteúdo de sentido que limita a vida das pessoas (proibindo, permitindo ou obrigando), não decorre necessariamente do texto. Há normas implícitas sem texto correspondente na Constituição. A grande quantidade de decisões do STF sobre “razoabilidade”, “proporcionalidade”, e “segurança jurídica” é um exemplo: no texto da nossa Constituição não há dispositivo que proteja essas normas, elas decorrem da lógica do sistema.
O contrário também existe. Às vezes temos um texto por meio do qual é possível construir várias normas, como o inciso I do artigo 150, que diz que só é possível instituir ou aumentar tributo mediante lei. Há farta doutrina sobre esse dispositivo: escreve-se sobre princípio da legalidade estrita, sobre a tipicidade, sobre a proibição de delegação normativa, sobre a proibição de analogia no Direito Tributário, entre outros. Esse exemplo traz um texto que, dependendo do ângulo sob o qual á analisado, revela uma norma diferente, um outro conteúdo normativo.
Com essas breves considerações, ressalta-se que a Constituição Federal deve ser o ponto de partida do aplicador do Direito, mas por não prever tudo, é necessário permanecer num processo de idas e vindas ao seu texto. Estes fatos reforçam a necessidade de cultivarmos a idéia de coerência na aplicação do Direito, com o fim de assegurar instrumentos ao contribuinte para que possa se opor ao Estado.
* AVILA, Humberto. SISTEMA CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO. São Paulo. Saraiva, 2006. p. 109.
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4. Esta Corte fixou jurisprudência na ADI n. 2851, Pleno, Relator o Ministro Carlos Velloso, DJ de 3.12.04, no sentido de que:
“EMENTA: CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITO TRIBUTÁRIO COM DÉBITO DO ESTADO DECORRENTE DE PRECATÓRIO. C.F., art. 100, art. 78, ADCT, introduzido pela EC 30, de 2002.
I. – Constitucionalidade da Lei 1.142, de 2002, do Estado de Rondônia, que autoriza a compensação de crédito tributário com débito da Fazenda do Estado, decorrente de precatório judicial pendente de pagamento, no limite das parcelas vencidas a que se refere o art. 78, ADCT/CF, introduzido pela EC 30, de 2000.
II. – ADI julgada improcedente.”
Dou provimento ao recurso extraordinário, com fundamento no disposto no art. 557, § 1º-A, do CPC. Custas ex lege. Sem honorários.
Publique-se.
Brasília, 28 de agosto de 2007.
Ministro Eros Grau
Relator –
(grifos nossos)
O STF nessa decisão, no papel de “Corte Unificadora” exalta mandamento constitucional autorizador da referida compensação. Ora, mandamentos dessa natureza não são soberanos sobre as demais leis? Que dúvida há sobre a compensação?
Em suma, a triste historia do inadimplemento do Estado em relação a esses pacientes credores (ou seus sucessores, muitas vezes) só reforça a convicção de que o precatório deve ser transformado em uma espécie de “título ao portador”. Por questão de pura justiça em nome da aplicação da legislação vigente.
Dr. Tarso Luiz Hofmeister
Advogado Executivo
