Para tentar evitar ou minimizar efeitos de um conflito de interesse do banco coordenador de uma oferta pública na formação de preços dos papéis da emissora, a Associação Nacional de Bancos de Investimentos (Anbid) definiu, na última reunião de diretoria, no dia 17 de março, regra de autorregulação do mercado de capitais que vale a partir de hoje mas só serão testadas nos próximos IPOs.
“A Anbid busca estimular o aperfeiçoamento do mercado e começamos no ano passado a examinar regras para proteger o investidor e dar mais transparência ao relacionamento do coordenador com a emissora”, diz Alberto Kiraly, vice-presidente e coordenador da Comissão de Finanças Corporativas da associação.
O coordenador líder é responsável pelo processo de formação de preço da ação junto a investidores (bookbuilding) para realizar a oferta pública, mas essa instituição pode também ser financiadora desse processo ou de projetos que ajudam a empresa a se tornar mais atraente aos olhos do mercado, processo chamado de “equity kicker”. Consequentemente, ajuda a valorizar as ações, e sua receita comissionada aumenta conforme aumenta a captação.
Mas muitas ofertas públicas entre 2005 e 2007 tiveram esse recursos – mas o preço inicial das ações não se mostrou sustentável no decorrer dos pregões. Por isso, com base na experiência internacional, a entidade definiu que toda operação em que o banco atuante como um dos líderes da oferta tiver participação acionária superior a 10% na empresa emissora ou estiver recebendo em decorrência do IPO um volume de recursos superior a 20% do montante captado, terá que ser dividida com uma outra instituição financeira independente.
“Apenas com uma participação acima 10% do capital é que o banco passa a ter condição de ter assento no conselho e influir na gestão da companhia. Já no volume de receita com o IPO, consideramos que abaixo de 20% não é material suficiente para uma situação de conflito”, explica Kiraly.
Ele lembra que são poucos os bancos que têm participação acionária nas empresas, mas quando estão presentes principalmente via fundo de private equity, são fatias relevantes, entre 30% e 80%. Já no caso das participação nas receitas de IPOs, a Anbid identificou três casos em que o volume destinado ao coordenador da oferta ficou acima de 50% da captação. O executivo prefere não citar as companhias, mas entre os casos mais citados no mercado brasileiro com “ágio” nas ações estão Agrenco e Inpar.
“Não achamos que o equity kicker é negativo. Tem um papel importante, já que permite às companhias retomar estratégia de crescimento, mas queremos dar mais transparência ao mecanismo”, diz Kiraly. “Como a instituição vai permanecer em vínculo com empresa, com ações em seu poder, obviamente vai estar olhando o longo prazo e uma operação que realmente possibilite crescimento da empresa”, acredita o executivo.
Para a Comissão de Valores Mobiliários, “todas as iniciativas da autorregulação que possam aperfeiçoar o ambiente de mercado, sobretudo quando se procura enfrentar preocupações com a existência de conflito de interesses na atuação dos líderes das ofertas públicas”, recebem apoio da autarquia. O posicionamento da reguladora do mercado brasileiro é acompanhar a implementação das regras da Anbid e seus efeitos, para verificar a eventual necessidade de adotar alguma medida regulatória.
“Toda e qualquer regra para evitar um conflito de interesse é válida, e está em linha com o que acontece no mercado internacional”, diz Larissa Teixeira, sócia do escritório Teixeira, Martins Advogados. “O que é fundamental é que o investidor tenha acesso claro a essas informações. O lock-up poderia ser até superior a 25% da participação do banco como forma de evitar conflito de interesse.”
Entretanto, para Ricardo Almeida, professor do Ibmec, incluir outro coordenador na oferta não garante que o conflito está resolvido. “O coordenador sem relacionamento não forma opinião dos compradores que estão na ponta do banco relacionado. O que extinguiria este problema é ter uma ação do lado do comprador, e não do fornecedor”, avalia. Isso significa uma avaliação de preço (valuation) pelos fundos de investimento e fundos de pensão que pretendem comprar o papel. “Eles podem fazer uma avaliação acurada e isenta para saber se o preço está inflado ou se as dívidas se justificam em bons projetos, por exemplo.”
Expor no prospecto esse vínculo e a destinação de recursos já era exigido desde o ano passado, mas não de forma transparente o suficiente. Tanto que a própria Anbid fez um levantamento sobre o número de empresas que utilizou o chamado equity kicker, ou financiamento pré-IPO, mas não foi possível ter uma lista clara de quando um empréstimo foi destinado ao processo de abertura de capital e quanto da captação iria para o caixa da instituição financeira, para a quitação de empréstimos.