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26 de setembro de 2025Em 19/9/2025, a União propôs ação declaratória de constitucionalidade (ADC) buscando afastar as controvérsias envolvendo a base de cálculo do PIS e da Cofins. A petição, subscrita pelo presidente da República, pela Advocacia-Geral da União e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, visa a declaração de constitucionalidade de dispositivos das Leis nº 9.718/1998, nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.
O pedido não se restringe a confirmar a higidez dos dispositivos, já que também pleiteia medida cautelar para suspender todos os processos em curso, inclusive aqueles com decisão já proferida, que discutam a inclusão de determinados tributos e créditos presumidos na base das contribuições.
Os temas objeto da ADC correspondem a três relevantes teses tributárias em trâmite no Supremo Tribunal Federal:
a) Tema 118 – inclusão do ISS na base de cálculo do PIS/Cofins;
b) Tema 843– inclusão do crédito presumido de ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins;
c) Tema 1.067 – inclusão do PIS e da Cofins em suas próprias bases.
A relevância da questão é evidente: além da insegurança jurídica decorrente de decisões contraditórias, a Receita Federal estima impacto fiscal de R$ 117,6 bilhões.
A União argumenta que a receita bruta ou faturamento, definidos pela Constituição como base de cálculo do PIS e da Cofins, não comportam exclusões de despesas ou tributos, salvo quando expressamente autorizadas em lei. Em razão disso, a inclusão do ISS, do próprio PIS/Cofins em suas bases de cálculo, bem como do crédito presumido de ICMS, estaria em conformidade com a ordem constitucional.
Em seguida, com fundamento no artigo 21, da Lei nº 9.868/1999, a União requereu a concessão de medida cautelar para suspender todos os processos em curso — inclusive aqueles com decisões já proferidas — até o exame definitivo da ADC. Para a União, a continuidade das demandas representa risco de instabilidade institucional (periculum in mora), além de contrariar a plausibilidade jurídica de sua tese (fumus boni iuris).
Por fim, o pedido relaciona-se também à reforma tributária já aprovada (EC nº 132/2023 e LC nº 214/2025), que proíbe, para o futuro, a inclusão de tributos na base de outros tributos (artigo 156-A, IX, e artigo 195, § 17, da CRFB/1988). Para o Executivo, esse novo marco evidencia que, até a implementação plena do IBS e da CBS, cabe ao Supremo Tribunal Federal preservar a estabilidade do sistema e pacificar a jurisprudência no regime atual.
A discussão em torno da ação declaratória de constitucionalidade proposta pela União traz à tona um dos temas mais sensíveis e recorrentes do contencioso tributário: a inclusão de tributos na base de cálculo de outros tributos. Não se trata de uma questão meramente técnica, mas de um debate que alcança princípios constitucionais fundamentais, como a segurança jurídica, a coerência do sistema tributário e a própria definição do que se entende por receita ou faturamento.
Vale lembrar que o Supremo Tribunal Federal já firmou, no Tema 69 da Repercussão Geral, que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins por não se caracterizar como receita ou faturamento.
Por coerência lógica e jurídica, o mesmo raciocínio deve ser estendido ao ISS e a outros tributos, sob pena de criar distinções artificiais e inconsistentes. O próprio tribunal também decidiu que faturamento corresponde a riqueza própria, incorporada ao patrimônio do contribuinte, e não valores que apenas transitam pelo caixa da empresa com destinação obrigatória ao Fisco (RE 240.785, de relatoria do ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, DJe 16/12/2014). Nesse contexto, incluir tributos na base de cálculo das contribuições significa desvirtuar a materialidade constitucional.
Como se não bastasse, a pretensão da União de suspender nacionalmente todos os processos, inclusive aqueles com decisões já proferidas, afronta diretamente a segurança jurídica, pilar essencial do Estado Democrático de Direito (artigo 5º, inciso XXXVI, da CRFB/1988). Longe de gerar pacificação, tal medida tende a ampliar a desconfiança dos contribuintes na justiça e fragilizar a previsibilidade das relações jurídicas.
Além disso, embora apresentada como uma busca por estabilidade, a ADC revela uma motivação essencialmente fiscal. Trata-se, na verdade, de uma tentativa de resguardar receitas bilionárias, ainda que em detrimento da coerência constitucional e da competitividade empresarial. Ainda que possa proporcionar um alívio momentâneo às contas públicas, essa postura gera distorções relevantes e compromete a segurança estrutural do sistema no longo prazo.
Por fim, há uma contradição evidente em relação à reforma tributária já aprovada. A União sustenta que, em razão do advento da Emenda Constitucional nº 132/2023, que determinou a extinção do PIS/Cofins a partir de 2027 (artigo 126, inciso II, do ADCT), não é “razoável que a convivência entre Fisco e contribuintes permaneça marcada por uma verdadeira mixórdia de demandas, perpetuando a insegurança jurídica e comprometendo a previsibilidade necessária às relações econômicas”.
Diante disso, segundo a União, o que se busca com a ação é uma decisão do STF capaz de pacificar o ambiente de negócios do país quanto à composição da base de incidência das contribuições ao PIS e à Cofins.
Contudo, esse argumento é equivocado, pois, se o próprio constituinte derivado já reconheceu, de forma inequívoca, que a inclusão de tributos na base de outros tributos é prática nociva e incompatível com um sistema racional (artigo 156-A, IX, e artigo 195, § 17, da CRFB/1988), insistir em mantê-la até 2027 não promove pacificação, mas apenas reforça a insegurança jurídica e compromete a coerência do ordenamento.
Deveras, tal postura beneficia exclusivamente o Fisco, ao preservar receitas indevidas, em claro detrimento dos contribuintes que permanecerão suportando uma carga tributária indevida e inconstitucional.
A ADC proposta pela União representa um dos mais relevantes embates tributários da década. Sua eventual procedência significaria a consolidação de uma leitura maximalista da base de cálculo do PIS e da Cofins, em frontal contradição com o entendimento firmado pelo STF no Tema 69 da Repercussão Geral.
O debate transcende a mera definição de um critério contábil ou metodológico, envolvendo a própria coerência estrutural do sistema constitucional tributário. O Supremo Tribunal Federal terá que decidir entre duas perspectivas opostas: de um lado, a preservação de receitas públicas imediatas; de outro, a observância aos preceitos constitucionais e aos direitos fundamentais dos contribuintes.
As consequências, todavia, não se limitam à esfera arrecadatória. A decisão terá impacto direto na confiança dos contribuintes nas instituições, na previsibilidade das relações econômicas e na estabilidade das normas tributárias. Eventual acolhimento dos argumentos da União reforçaria a percepção de que a busca por receitas de curto prazo pode se sobrepor à coerência das normas constitucionais, agravando a já elevada insegurança jurídica.
Por outro lado, a reafirmação do entendimento consolidado no Tema 69 significará não apenas a proteção de direitos individuais, mas também o fortalecimento do Estado Democrático de Direito, a valorização da segurança jurídica e a sinalização de que a reforma tributária aprovada representa um marco de racionalidade e não um ponto de retrocesso. Ao STF caberá, portanto, decidir se o futuro do sistema tributário brasileiro será pautado pela coerência constitucional e pela previsibilidade, ou pela manutenção de práticas arrecadatórias incompatíveis com o próprio texto constitucional.
Fonte: Conjur
