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18 de abril de 2024O advogado-geral da União, André Mendonça, trabalha com um leque de assuntos, desde a reforma da Previdência, dos textos do desarmamento até os acordos de leniência.
Especialista em direito público pela Universidade de Brasília, ele é mestre e doutor pela Universidade de Salamanca, onde desenvolveu trabalhos sobre corrupção e Estado de direito. O atual foco de Mendonça, porém, são mesmo os tratados entre a União e as empresas infratoras, na tentativa de recuperar os recursos fraudados.
“Se nós pegarmos os acordos de leniência que já fechamos, Controladoria-Geral da União (CGU) e AGU, estamos próximos a R$ 10 bilhões”, disse Mendonça, durante o programa CB.Poder, uma parceria entre a TV Brasília e o Correio Braziliense.
A ideia é recuperar R$ 25 bilhões nos próximos dois anos. “Hoje, nós temos cerca de 20 acordos em andamento e a maioria desses acordos já não abrangem a Lava-Jato”, disse Mendonça, que é pastor presbiteriano.
A seguir, os principais trechos da entrevista:
Nos primeiros seis meses da gestão do presidente Jair Bolsonaro, quais foram os principais resultados dos grupos de combate à corrupção?
Nós assinamos dois acordos de leniência e dois marcos importantes. Primeiro, porque celebramos um acordo com a Braskem, no valor de cerca de R$ 2,87 bilhões, um acordo que já havia sido costurado com o Ministério Público Federal, com o Departamento de Justiça americano e com a Suíça. O porquê da importância desse acordo é que nós tínhamos um questionamento judicial no Tribunal da 2ª Região de que o Ministério Público não tinha legitimidade para fazer os acordos de leniência, então a nossa atitude, desde o ano passado, foi de buscar o Departamento de Justiça americano para dar uma legitimidade interna para aquilo que já havia sido construído nesses dois países. Mas, mais do que isso, assinamos, há uma semana, um acordo de leniência com uma empresa francesa, a Technip, também agora com o Departamento de Justiça, CGU, AGU e Ministério Público Federal. Então, foi a primeira vez que as três grandes instituições brasileiras que se dedicam ao combate à corrupção firmam um acordo global que abrange a maior autoridade do mundo no combate à corrupção, que é o Departamento de Justiça.
Quais são os valores em relação a esses acordos?
Esse último acordo foi de cerca de R$ 1 bilhão internalizados no Brasil, um pouco mais desse valor iria para os Estados Unidos, mas, se nós pegarmos os acordos de leniência que já fechamos, CGU e AGU, estamos próximos de R$ 10 bilhões.
Só a Lava-Jato ou estende?
Estende. Hoje, temos cerca de 20 acordos em andamento, e a maioria já não abrange a Lava-Jato. Nós temos a estimativa de, com esses acordos, alcançarmos, somando-se a esses cerca de R$ 10 bilhões, R$ 25 bilhões nos próximos dois anos.
São outras operações ou são decorrentes da Lava-Jato?
São decorrentes de uma cultura que se instalou no país, a partir da lei anticorrupção, de que as empresas vão delatar ou entregar os ilícitos que ocorreram no seio corporativo delas na relação com o poder público. Na Lava-Jato, havia uma operação em andamento, e no curso das investigações, as empresas vêm e procuram para colaborar. Esses novos casos, alguns antigos ainda, mas os novos casos já têm uma característica diferente, não há investigação. A empresa, no seu programa de integridade, descobre o ilícito, no compliance dela, faz as investigações internas, demite os envolvidos e procura as autoridades públicas para entregar as provas.
O senhor pode citar os casos especificamente?
Eu não posso citar o nome das empresas, porque isso ainda está sob sigilo. Mas posso dizer o seguinte: não se restringem às construtoras mais, são empresas de outros ramos, que têm relação com o poder público, que estão vindo procurar as autoridades para colaborar com as investigações.
Então, hoje temos uma outra cultura no país em relação ao combate à corrupção, já é uma esperança?
Eu diria que é um caminho sem volta, porque nós vivíamos um momento no Brasil pré-Lava-Jato, em que o empresariado tinha a perspectiva de descobrir, mas ‘ninguém pode saber, porque isso pode me prejudicar’. Com a Lava-Jato, percebeu-se o que já era notado em outros países, como os Estados Unidos: descobrir e deixar colaborar, porque pode ser pior manter isso oculto. O que temos de avançar hoje é numa crescente de incentivos legais para que as empresas, ao descobrir, tenham muito mais interesse em colaborar do que em ocultar. Isso tem a tendência de quebrar um sistema de corrupção e tem a perspectiva de fazer com que o empresariado se torne parceiro para a construção de um país onde os negócios são realizados com integridade.
É complicado unir promessas de campanha com o respeito à Constituição, como foi o caso do decreto das armas?
Há um referendo de 2005 em que dois terços da população dizem que querem ter o direito de possuir armas de fogo. Em 2018, uma das principais bandeiras de campanha do presidente foi trazer a possibilidade de a população ter o direito de possuir armas de fogo. Inicia-se o governo, e essa, logicamente, seria uma das temáticas a serem enfrentadas. Faz-se um decreto só, para a questão da posse, o direito de ter a arma em casa. Avança-se, em um segundo momento, para tratar também da questão do porte. Edita-se, então, um decreto unindo a questão da posse e do porte. Logo na primeira semana, surgem alguns questionamentos sobre
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inconstitucionalidade desse segundo decreto. O próprio presidente foi a público e disse que, se tem alguma questão de inconstitucionalidade, nós vamos rever, e a AGU preparou um dossiê com todos os questionamentos, análise ante a Casa Civil, à Subchefia de Assuntos Jurídicos, e estudamos o que nós temos que rever à luz dos questionamentos que nos foram feitos enquanto sociedade. E se edita, dias depois, um outro decreto buscando sanar aquilo que nós consideramos como questionável no aspecto legal e constitucional. Nós estávamos ali preparados para fazer a defesa dos questionamentos que havia no STF (Supremo Tribunal Federal) nesse sentido, com segurança da constitucionalidade desse decreto já revisado à luz dos questionamentos. Dias antes do julgamento que estava marcado no plenário, nós fomos informados pela Casa Civil de que o Legislativo e o Executivo tinham costurado o acordo de tentar trazer uma maior harmonia entre o que eles pensavam.
Como vai ser daqui para frente?
O que nos foi passado dessa costura política é a questão da posse: vai ficar basicamente no decreto. Haverá uma questão que vai tratar especificamente da posse em área rural, que está para ser votada; uma outra legislação específica só para tratar de caçadores e colecionadores, os chamados CACS; e na questão do porte de arma, em que há divergências políticas, além do decreto presidencial, o próprio Executivo deve encaminhar para o Legislativo um projeto de lei para procurar harmonizar os interesses entre um poder e outro.
A reforma da Previdência será questionada na Justiça?
O projeto, no seu encaminhamento ao Congresso, foi submetido a uma análise de constitucionalidade por parte da PGFN, que é um órgão de direção superior da AGU, antes de ser encaminhado ao parlamento. Ali, nós já tínhamos uma segurança da constitucionalidade, mas o projeto sofre alterações no curso legislativo e, em função disso, vão sendo feitas costuras e vão sendo inseridas, alteradas e modificadas composições do seu original. Do que temos visto até agora, tem havido uma tramitação não só regular na sua forma do processo legislativo, mas no mérito e no conteúdo também: respeito a direitos adquiridos, a situações de transição. Então, a nossa expectativa é de que, como tem havido um debate diferente de outras tentativas de reforma, mais programático e menos ideológico, que toda a discussão na Câmara e no Senado vai ser num nível superior, e isso também vai se refletir no Judiciário. Ou seja, nós não teremos, na minha avaliação, o mesmo nível de discussão, ou teremos um nível mais qualificado de discussão dos debates que possam surgir no Judiciário.
Há, porém, uma pressão muito grande, como no caso dos policiais…
Todo questionamento de interesses que não são atendidos tem o impacto ou uma propensão a gerar discussão judicial. Logicamente que classes específicas vão ficar insatisfeitas, umas mais, outras menos, e, ao ficarem mais insatisfeitas, a propensão de uma ação judicial é evidente. A grande questão é que não necessariamente o interesse não atendido signifique um indício de ilegalidade ou de inconstitucionalidade.
Mas a reforma da Previdência envolve o Judiciário…
Envolve o país. A grande questão é o país que eu quero para os próximos 20, 30, 40 anos: um país que garanta a Previdência para todos ou um país que tenha privilégio para poucos, e a grande maioria da população não vai ter esse direito. Eventualmente, nenhum de nós, se não tiver a reforma, porque os recursos públicos estão escassos. Salvo engano, se falou ontem (terça-feira) num déficit, na reunião de conselho de governo, de R$ 250 bilhões anuais na Previdência. Em um orçamento de cerca de R$ 1,5 trilhão, o recurso de investimento é de cerca de R$ 50 bilhões, quando chega a isso.
Como o senhor avalia esse imbróglio das gravações envolvendo o ex-juiz Sérgio Moro?
Precisamos lembrar que as sentenças deferidas pelo ministro foram todas elas reafirmadas não só pelo tribunal regional como pelo Superior Tribunal de Justiça. Então, a própria condenação relativa ao ex-presidente Lula foi confirmada, o que demonstra uma atuação exemplar.
O presidente Bolsonaro citou a eventual indicação de um evangélico para o Supremo. O senhor é pastor, estaria aí nessa fila?
Acho que o presidente disse isso mais numa questão de representação social. Por exemplo: tivemos um momento na história em que queríamos ver as mulheres ali, tivemos o privilégio de ter o ministro Joaquim Barbosa compondo o STF. Eu, por exemplo, sonho que um dia tenhamos um deficiente físico compondo o conjunto de ministros. Certamente, vai chegar um dia em que haverá um evangélico também. Notório saber jurídico e reputação ilibada são tudo o que deve ser considerado na escolha de um futuro ministro do Supremo.