A queda brusca do juro básico na última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), de 12,75% ao ano para 11,25%, colocou a caderneta de poupança de novo no jogo das aplicações financeiras. Antes lanterna da renda fixa, o fenômeno poupança agora ameaça a hegemonia dos fundos de investimento, já abalada pelo aumento da rentabilidade dos CDBs desde o fim do ano passado. Mantida a tendência de queda, e de acordo com as projeções do mercado, de uma taxa de juros abaixo de 10% até junho, poucos fundos DI e renda fixa terão desempenho superior ao da caderneta. O pior caso é o dos fundos de varejo, segmento em que as taxas costumam ficar em torno de 4% ao ano, e que hoje já apanham da poupança .
Simulações feitas por uma consultoria indicam que, nos próximos 12 meses, usando a atual projeção de juros futuros, de 9,95%, a poupança renderia 6,39%, empatando com um fundo DI com taxa de 2% ao ano, hoje acessível a poucos investidores. O Valor Data também estimou a Taxa Referencial (TR, que remunera a poupança, acrescida de juros de 0,5% ao mês, ou 6,17% ao ano) equivalente ao juro básico da economia até 9,25% ao ano. O resultado é que apenas os fundos com taxa de 1% ao ano são competitivos. A vantagem da caderneta se dá basicamente pela isenção de imposto e pelo juro fixo de 6,17% ao ano além da TR. O resultado é que, mesmo sem a TR, a poupança ganhará dos fundos com taxa de administração acima de 1% ao ano se os juros caírem para 9,25% ao ano.
A situação não é nova, já foi vivida em 2007, quando os juros bateram os mesmos 11,25% ao ano, mas foi esquecida pouco depois, quando as taxas voltaram a subir por conta da inflação e do aquecimento da economia. A diferença é que, desta vez, o juro abaixo de 10% pode ter vindo para ficar. Isso levanta outra questão: o governo deve fazer algo para reduzir a vantagem da caderneta, para impedir uma saída forte de recursos dos fundos. Além da perda de arrecadação, já que os R$ 523 bilhões aplicados em fundos de renda fixa e DI pagam impostos, enquanto a caderneta, não, o governo perderia um imenso mercado cativo comprador de títulos públicos – que respondem por mais da metade do patrimônio dessas aplicações.
O juro básico da economia poderá chegar a um dígito ainda neste semestre, o afirma o ex-diretor do Banco Central Luiz Fernando Figueiredo, diretor da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid). Segundo ele, o ritmo de redução dependerá fundamentalmente do comportamento da economia, que segundo suas projeções pode fechar o ano com um PIB em queda de 1%. “Nesse caso, todas as adaptações com relação à TR e à poupança serão tomadas mais rapidamente”, diz ele, que não espera uma fuga em massa de recursos da poupança.
Mas o mais importante é que o juro mais baixo pode ter vindo para ficar, afirma Figueiredo. Segundo ele, os fatores que obrigavam o país a ter uma taxa mais alta, como o crescimento desenfreado do crédito e do investimento, devem voltar em um ritmo mais brando, pressionando menos a inflação. E, com o país mantendo bons fundamentos, o resultado será um juro real de equilíbrio – aquele que nem pressiona a inflação, nem trava a economia – abaixo dos 7% a 8% dos últimos anos para 3,5% a 4%. “Estamos no curto prazo em um processo forte de queda dos juros, mas o interessante é que mesmo se a economia se recuperar, a taxa de juro vai continuar baixa, talvez 8%, 9% ao ano, o que nunca se viu no longo prazo.”
O resultado será um ambiente que desestimulará a aplicação de curto prazo, como é o caso dos fundos DI principalmente e, em parte, dos renda fixa. “O investidor não vai mais ter 1% ao mês, como foi em toda nossa história recente”, observa Figueiredo. “Se o juro for a 9% ao ano, isso dá 0,755% bruto que, depois de um imposto de no mínimo 15%, vai dar 0,65% ao mês, e isso sem contar as taxas de administração dos fundos.”
O resultado será um migração natural dos investidores para ativos de maior risco, seja bolsa, fundos multimercados ou crédito privado, diz Figueiredo. “Não será uma fuga, até porque o ambiente de instabilidade no exterior não permite, mas vamos ter uma procura maior, cada investidor buscando um tipo de risco de acordo com seu perfil, como já ocorreu em outros países”, diz.
Já os fundos de renda fixa e DI com taxas de administração mais altas terão de ser repensados, acredita Figueiredo. “Os gestores terão de avaliar seus custos, mas o investidor também terá de observar que esses fundos têm outras vantagens sobre a poupança, como a possibilidade de sacar a qualquer momento sem perder a rentabilidade”, diz. Na caderneta, quem saca fora do dia do “aniversário” perde o ganho do mês.
Antes de uma grande movimentação do mercado, porém, Figueiredo acha que o governo fará tudo para reduzir a vantagem da poupança. “Vamos ter mudanças na TR e depois pensar em outras medidas”, diz ele, que acha difícil mexer nos 6% ao ano de juros ou na isenção fiscal. “Mudar os 6% depende do Congresso, e é sempre uma discussão difícil, mas será inevitável à medida que o país caminhe para ser uma economia normal, com juros mais baixos”, observa. “Pode não ser 8%, pode ser 9%, mas mesmo assim será uma taxa historicamente muito baixa”, diz.
Mas se a queda dos juros e a melhora da poupança é ponto de preocupação dos grandes gestores de fundos, para o setor imobiliário, a notícia é ótima. “Estamos vivendo um momento histórico, nunca vivemos um período com juro abaixo dos 11,25% por muito tempo”, afirma Fábio Nogueira, diretor da Brazilian Mortgages. Ele acredita que o juro menor favorecerá a transferência de recursos de fundos para poupança e aumentará a oferta de recursos para o setor. “Mais que isso, outros ativos imobiliários, como os Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), vão se tornar ainda mais atrativos em relação aos fundos”, diz. Nogueira acredita que a discussão de uma mudança dos juros de 6% ao ano será difícil. “Desde 1966 a caderneta tem essa remuneração, é uma inércia de 43 anos que será difícil de mexer, mas a Taxa Referencial é mais fácil de mudar”, diz.