Na cena de novela, bagunçar a sala, quebrar pratos ou jogar um vaso na parede é uma delícia, libertador. Afinal, não é o ator quem arruma. Na vida real, seria bom pensar muito antes de começar – ou não. Com as contas públicas brasileiras aconteceu como nas novelas. O ex-ministro da Fazenda, Guido Mantega, bagunçou tudo sem se preocupar com a arrumação. Catar os cacos e colar os pedaços ficou para o Joaquim Levy fazer.
O ajuste fiscal é esse remendo, colagem, arrumação. Para colocar tudo no lugar de novo, não dá para ficar sem um pedaço de alguma coisa. As medidas que dependem da aprovação do Congresso Nacional são como aqueles cacos que escorregam para debaixo do sofá e ninguém quer se levantar para ajudar. Há também aqueles que não vemos e nos cortamos sem querer – aqui estão as pedaladas fiscais, artifícios montados pela gestão de Mantega para escapar da responsabilidade pelos buracos nas contas.
Com band-aid nos dedos e caminhando com lupa para não deixar nenhuma peça para trás, Joaquim Levy tenta remontar a estrutura fiscal do Brasil. Sobre as partes inacessíveis que estão debaixo do sofá político, o ministro já avisou: se não se mexerem, ou enquanto emburrarem no lugar, o governo vai arrancar uma peça sobressalente de outro canto – aumentando impostos.
A recuperação da confiança, da credibilidade e, consequentemente, da economia, depende do resultado final dessa armação. Num primeiro momento, vai ser impossível esconder os remendos e disfarçar as lascas perdidas. Mas não há como escapar da tarefa. A bagunça foi tamanha que, provavelmente, o ministro Levy ainda não cobriu toda a área por onde os pedaços se espalharam.
A meta de superávit primário assumida pelo governo para este ano – uma economia de 1,2% do PIB para reequilibrar o endividamento público – é apenas o esqueleto desse restauro. Para criar corpo e musculatura, a economia brasileira não pode prescindir deste processo, que está apenas no começo. O compromisso de agora não é suficiente nem para recolher os cacos esparramados por Guido Mantega e sua equipe nos últimos quatro anos.
O que Joaquim Levy fez até agora foi mapear a bagunça, colher os pedaços maiores e negociar a primeira colagem. E tudo isso usando uma lanterna, afinal, não dá para exagerar na iluminação – a conta de luz está muito cara.
Para não comprometer a continuidade do trabalho, o país foi obrigado a parar. Ninguém pode se mexer (a não ser os políticos do sofá!), ninguém consome, ninguém investe, ninguém cresce. Ao contrário, fomos nós (a não ser os políticos do sofá), que perdemos o vaso que foi jogado na parede e os pratos que foram ao chão.
Quem estiver começando a ficar com medo do ajuste fiscal, é bom lembrar: o Brasil precisar temer a lambança fiscal, principalmente se o autor da bagunça for isento da limpeza.