Atualização do valor dos bens imóveis: será que vale a pena?
3 de outubro de 2024Desjudicialização do processo de usucapião da propriedade pela via extrajudicial
4 de outubro de 2024Em duas decisões deste ano, uma no Agravo em Recurso Extraordinário (ARE 1.485.056/GO), e outra no recurso extraordinário em face de acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul (RE/MS 1.449.120), o Supremo Tribunal Federal trouxe importantes esclarecimentos sobre a aplicação do princípio constitucional da não incidência do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização de capital social.
Essa discussão é parte importante nos planejamentos sucessórios, nos movimentos societários e patrimoniais de sociedades e de pessoas físicas que fazem transferências imobiliárias e que vinham sofrendo com a interpretação equivocada dos tribunais sobre a regra prevista no artigo 156, §2º, I, da Constituição e o Tema 796 do STF.
De forma resumida, cabe esclarecer que o ITBI é um tributo municipal que incide sobre a transmissão de bens imóveis. No entanto, a Constituição prevê que essa tributação não se aplica aos bens que são incorporados ao patrimônio de uma pessoa jurídica quando estamos diante de uma integralização de capital social.
Entretanto, com fundamento no Tema 796, os municípios, de forma equivocada, passaram a cobrar referido tributo sobre o valor do imóvel na parcela excedente ao valor do capital social. Em outras palavras, passou a cobrar o ITBI sobre a diferença do valor venal do imóvel versus valor da integralização. Abaixo o exemplo:
Valor venal do imóvel: R$ 100 mil
Valor da integralização: R$ 10 mil
Diferença passível de ITBI: R$ 90 mil (interpretação equivocada)
Vale ainda esclarecer que, no caso concreto originário do Tema 796, abaixo transcrito, a diferença do valor adicional que autorizou a cobrança não foi a diferença citada acima, mas sim, o valor caracterizado como ágio de subscrição de capital, valor esse que adentra ao patrimônio líquido das sociedades como reserva de capital.
Tema: 796 – Alcance da imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor total desses bens excederem o limite do capital social a ser integralizado.
Inclusive, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), também de forma equivocada, passou a decidir em massa a favor do fisco, com o mesmo embasamento errado, inclusive obstando o seguimento dos recursos extraordinários, conforme abaixo:
“AGRAVO INTERNO – Decisão monocrática que negou seguimento ao recurso extraordinário. – A questão referente ao alcance da imunidade tributária do ITBI, prevista no art. 156, § 2º, I, da Constituição, sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica, quando o valor total desses bens excederem o limite do capital social a ser integralizado, é idêntica à matéria examinada pela Suprema Corte no leading case, RE n. 796.376/SC – Tema n. 796/STF. – Demais questões rebatidas que não se encontram submetidas à sistemática de recursos repetitivos – impugnação por recurso próprio. Nega-se provimento ao recurso.” (TJ-SP; Agravo Interno Cível 2331076-32.2023.8.26.0000; Relator (a): Torres de Carvalho(Pres. Seção de Direito Público); Órgão Julgador: Câmara Especial de Presidentes; Foro das Execuções Fiscais Municipais – Vara das Execuções Fiscais Municipais; Data do Julgamento: 12/09/2024; Data de Registro: 12/09/2024).
“AGRAVO DE INSTRUMENTO – Mandado de Segurança – ITBI – Integralização de cota parte de imóvel ao capital social de pessoa jurídica – Decisão que indeferiu liminar para suspender a exigibilidade do crédito tributário – Elementos que acenam à possibilidade de lançado do imposto sobre a diferença apurada entre o valor integralizado ao capital social e o valor do bem imóvel – Imunidade tributária parcial – Precedentes desta Corte e do STF (RE nº 796.376 – Tema nº 796) – Probabilidade do direito não demonstrada de plano – Decisão mantida – Recurso desprovido.” (TJ-SP; Agravo de Instrumento 2112548-94.2024.8.26.0000; Relator (a): Octavio Machado de Barros; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro de Bebedouro – 3ª Vara; Data do Julgamento: 29/08/2024; Data de Registro: 02/09/2024)
Na tentativa de corrigir esse equívoco na interpretação dos municípios e instâncias inferiores, o próprio STF trouxe importantes esclarecimentos nas decisões acima mencionadas.
Abaixo as ementas:
“APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANÇA. ITBI. INCIDÊNCIA ENTRE A DIFERENÇA DO VALOR DO BEM DECLARADO PELO CONTRIBUINTE EM SUA DECLARAÇÃO DE IRPF, E CONSEQUENTEMENTE O VALOR INTEGRALIZADO, E O VALOR AVALIADO PELO MUNICÍPIO QUANDO DA INTEGRALIZAÇÃO DO CAPITAL SOCIAL. NÃO CABIMENTO. ISENÇÃO DEVIDA. 1. É uma faculdade da parte quando da integralização do capital social por meio da transferência de bem imóvel, fazê-lo pelo exato valor constante da declaração do IRPF ou pelo valor de mercado. 2. Não há que se falar na cobrança de ITBI em relação à diferença do valor do bem declarado pelo contribuinte e o valor avaliado pelo município, pois ao contribuinte faculta-se deliberar por um ou por outro. Apelação cível conhecida e provida. Sentença reformada.” ARE 1485056 / GO – GOIÁS RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO Relator(a): Min. EDSON FACHIN Julgamento: 29/04/2024 Publicação: 30/04/2024.
“EMENTA – APELAÇÃO CÍVEL – MANDADO DE SEGURANÇA – INTEGRALIZAÇÃO DE IMÓVEL AO CAPITAL SOCIAL DA EMPRESA – IMUNIDADE – ITBI – ANULAÇÃO DO LANÇAMENTO – SENTENÇA MODIFICADA – RECURSO PROVIDO. A imunidade de ITBI abrange a diferença entre o valor de incorporação e o valor de mercado, mormente quando todo o valor é destinado à realização de capital, sem formação de reserva, nos termos do art. 156, §2º, I, da Constituição Federal”. (eDOC 7, p. 1) RE 1449120 / MS – MATO GROSSO DO SUL RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. GILMAR MENDES Julgamento: 13/06/2024 – Publicação: 14/06/2024
Na primeira das decisões, o STF reconheceu a faculdade de o contribuinte integralizar o capital da sociedade pelo valor que constar de sua declaração de rendas, consoante o disposto no artigo 23 da Lei Federal n.º 9.249/1.995, sem que possa ser tributado pela diferença entre esse valor e o valor venal do bem.
E na segunda delas, o ministro Gilmar Mendes deixa claro que a situação fática no caso que originou o Tema 796 é muito específica, não podendo ser aplicada a todas as operações de integralização de capital como pretendem os municípios:
“Com efeito, a controvérsia trazida na espécie não é a mesma que conduziu à tese firmada no referido paradigma, no sentido de que a imunidade do § 2º do art. 156 da Constituição da Federal não alcança a diferença entre o valor do imóvel e o do capital integralizado, uma vez que, naquele processo discutia-se o valor excedente destinado à criação de capital de reserva”.
Em resumo, o STF deixou claro que em momento algum o Tema 796 facultou aos municípios a cobrança de ITBI sobre a diferença do valor declarado e do valor avaliado pelo município. Tal questão sequer foi objeto de análise e de debates no julgamento do Tema 796, o qual cingiu-se ao exame de um caso específico, em que se criou uma reserva de capital com a diferença entre o valor integralizado ao capital e o valor venal.
As decisões acima são um alento para os contribuintes, que podem a partir delas fundamentarem os pedidos perante os respectivos tribunais na intenção de buscar a correta interpretação e aplicação do Tema 796.
Fonte: Conjur