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10 de novembro de 2025O debate sobre os limites da jurisdição constitucional retorna ao centro do palco com dois projetos de lei — um em Brasília, outro em Santa Catarina — que, em esferas distintas da Federação, buscam redefinir o papel do Judiciário na arquitetura democrática. De um lado, o PL nº 3.640/2023, que avança no Congresso, propõe uma “Lei Geral do Controle Concentrado de Constitucionalidade” e busca transformar o Supremo Tribunal Federal no núcleo de um “constitucionalismo dialógico”. De outro, o PL nº 306/2025, na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, que atualiza a legislação processual local para consolidar um modelo técnico conservador, seguro e federativo.
A análise dos textos revela não apenas paradigmas distintos, mas um risco claro: o federal pode levar a uma expansão significativa das competências judiciais, enquanto o estadual, por excesso de cautela, pode renunciar a instrumentos de fortalecimento democrático.
O projeto federal, fruto de comissão de juristas presidida pelo ministro Gilmar Mendes, vai muito além de uma mera consolidação processual. Ele materializa, em parte, a teoria dos “diálogos institucionais”, inspirada no modelo canadense que tem como objetivo fomentar uma “conversa produtiva entre os Poderes”.
No entanto, uma leitura atenta do texto (especialmente dos artigos 47, 49, 50 e 55) sugere que o “diálogo” proposto tende a se desenvolver sob forte protagonismo do Judiciário, com limitada capacidade de resposta por parte do Legislativo.
O projeto confere ao STF poderes explícitos para: proferir decisões aditivas e normativas; homologar “acordos constitucionais” entre Poderes e entes públicos (artigo 55), transformando a corte em uma câmara de mediação de alto nível; e ordenar medidas estruturantes (artigo 54) com monitoramento da administração pública.
Como apontam Samille Lima Alves e Deborah Dettman Matos, o chamado “constitucionalismo responsivo” compreende o controle de constitucionalidade como instrumento de deliberação entre os Poderes. A questão que se coloca, contudo, é em que medida essa deliberação preserva o equilíbrio institucional: ao definir os parâmetros dos acordos e das normas, o STF tende a assumir papel preponderante nesse processo, o que pode reduzir o espaço efetivo de atuação legislativa.
Em direção oposta, o projeto catarinense, elaborado com apoio técnico da OAB-SC, é um exercício de conservadorismo e segurança jurídica. Ele regula com minúcia o procedimento das ações, amplia a legitimidade ativa (para mil cidadãos no plano estadual) e reforça a modulação de efeitos, mas não incorpora o paradigma dialógico. Não há previsão de acordos constitucionais, decisões normativas ou qualquer instrumento de cooperação interinstitucional formalizada.
A opção é compreensível, já que é inspirado em minuta de comissão da OAB-SC. Em um contexto de crescente protagonismo judicial, Santa Catarina parece buscar um modelo de contenção institucional, fundado na separação clássica de Poderes e na autonomia federativa. O projeto reforça essas balizas constitucionais, mas essa escolha implica uma limitação: a ausência de instrumentos capazes de ampliar a legitimidade democrática e favorecer uma interação mais ágil e cooperativa entre o TJ-SC e o Legislativo estadual. Com isso, o modelo catarinense pode revelar-se excessivamente prudente para enfrentar, com flexibilidade, crises constitucionais de maior complexidade.
Ela reflete a tensão central do constitucionalismo brasileiro contemporâneo: como harmonizar a supremacia da Constituição com a legitimidade da representação democrática.
O PL nº 3.640/2023 e seus desafios:
O modelo proposto no plano federal, embora inspirado na ideia de “diálogo institucional”, corre o risco de ampliar de modo excessivo o papel do Supremo Tribunal Federal na conformação das políticas públicas. A previsão de análise de impactos econômicos, sociais e institucionais — prevista de forma implícita nos princípios do art. 3º — pode legitimar um consequencialismo judicial de largo alcance, em que a efetividade se sobreponha à legalidade estrita. Assim, o chamado “diálogo” pode, na prática, consolidar um protagonismo judicial que reduza a margem de deliberação política do Parlamento.
O PL nº 306/2025 e suas limitações:
Por sua vez, o projeto catarinense, ao buscar conter esse avanço e reafirmar a separação de Poderes, opta por um modelo de autocontenção institucional. Essa escolha reforça a estabilidade e a previsibilidade do controle de constitucionalidade estadual, mas deixa de incorporar instrumentos que poderiam promover maior interação entre o Tribunal de Justiça e a Assembleia Legislativa. Em um federalismo cooperativo, a ausência de canais formais de diálogo pode restringir a capacidade de resposta conjunta a desafios constitucionais mais complexos.
Os Projetos de Lei nº 3.640/2023 e nº 306/2025 podem ser compreendidos como respostas distintas a uma mesma tensão institucional: a busca por equilibrar a legitimidade democrática com a efetividade da jurisdição constitucional.
O projeto federal, ao tentar disciplinar o ativismo judicial por meio de mecanismos de diálogo, corre o risco de consolidar e expandir o protagonismo do Supremo Tribunal Federal.
O projeto catarinense, por sua vez, ao enfatizar a técnica e a autonomia federativa, prioriza a segurança institucional, mas deixa de incorporar instrumentos que poderiam fortalecer a interação democrática entre os Poderes.
A tensão entre esses dois modelos — um que busca a integração dialógica e outro que reafirma a autonomia técnica — resgata uma discussão fundamental na doutrina constitucional brasileira. Como advertia o ministro Gilmar Mendes já em 1997, a função do controle de constitucionalidade não pode converter-se em substitutiva da atividade legislativa. Já Clèmerson Clève, em sentido complementar, reconhece que a legitimidade da jurisdição constitucional depende justamente da capacidade de manter o diálogo entre as instituições.
O desafio brasileiro, portanto, não consiste em optar entre um Supremo de perfil gestor e um tribunal estadual de perfil estritamente técnico. O verdadeiro desafio está em construir um modelo de diálogo institucional efetivo e equilibrado, em que a cooperação entre os Poderes decorra de um processo genuíno de deliberação e não de uma iniciativa unilateral do Judiciário.
É fundamental que o diálogo constitucional seja recíproco, assegurando que a “última palavra” resulte de um processo contínuo e democrático, e não de uma posição definitiva.
Nesse sentido, o projeto federal, em sua forma atual, ainda não garante esse equilíbrio, enquanto o catarinense limita-se a um modelo de contenção que pouco favorece a comunicação interinstitucional.
O caminho ideal talvez resida em uma síntese entre ambas as perspectivas: a cooperação dialógica sem perda da autonomia funcional, capaz de fortalecer tanto a autoridade judicial quanto a legitimidade política das decisões constitucionais.
Fonte: Conjur
